sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Mais civilizado do que o juiz pensava

O Estado de São Paulo
Editorial
Sexta-Feira, 15 de Agosto de 2008

Mais civilizado do que o juiz pensava

A mais alta Corte de Justiça do País reagiu, prontamente, à verdadeira afronta que lhe fizera a Polícia Federal (PF), ao algemar, ao mesmo tempo, 32 presos na Operação Dupla Face, logo depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na semana passada, editar texto disciplinando o uso de algemas. É como se a corporação policial pretendesse exacerbar, deliberadamente, toda a "espetacularização" que lhe tem atribuído - e criticado - o presidente do Supremo, secundado pelo próprio presidente da República. No crescendo de sua descabida busca de autonomia e desprezando as reações aos excessos praticados em suas eficientes operações, a Polícia Federal já agia como se fora um Poder independente, quando encontrou na Justiça uma barreira efetiva a suas pretensões.

O Judiciário demonstrou, por decisão de sua instância maior, que em nome da Constituição e do Estado Democrático de Direito não tolerará, neste país, a reprodução de "polícias políticas" que vicejaram em ditaduras e totalitarismos do mundo contemporâneo, com suas estruturas burocráticas autônomas e rituais de intimidação acima das próprias funções. Assim é que, em tempo recorde, redigiu e aprovou uma Súmula Vinculante - que obriga, portanto, todas as instâncias judiciais - determinando punição severa para policiais que algemarem pessoas sem necessidade. A decisão reforçou o que a Suprema Corte já decidira, no julgamento que anulou a condenação do pedreiro Antonio Sergio da Silva a 13 anos e meio de reclusão, por homicídio, pelo fato de a "inexperiente" juíza - por curiosa coincidência filha do vice-presidente do Supremo - ter permitido que o réu permanecesse com algemas durante o julgamento, o que o tornava exposto ao júri "como se fosse uma fera".

A partir de agora só será lícito o uso de algemas em casos justificados e as justificativas devem ser feitas por escrito. Os casos previstos são a resistência do preso, o risco de sua fuga e o perigo que possa causar à integridade física, própria ou alheia. Se não for obedecida essa regra, poderá ser aplicada ao agente ou à autoridade que a desrespeitar uma punição severa, de natureza disciplinar, civil ou penal, assim como poderá ser anulada a prisão ou a ação processual, cabendo ainda responsabilização do Estado por eventual reparação. Pela rapidez e pela energia com que tais regras foram estabelecidas se percebe o quanto o Supremo Tribunal Federal se empenhou em deixar claras suas atribuições, perante a sociedade, num momento em que vinha sendo, sistematicamente, desafiado.

O superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso afirmou que a decisão de usar algemas na Operação Dupla Face obedeceu ao manual da corporação. "O departamento é um órgão fundado nos pilares da hierarquia e da disciplina" - disse o delegado Oslaim Campos Santana. Nada contra "os pilares da hierarquia e da disciplina" - antes, pelo contrário. Só que, justamente, em razão de tais "pilares", o manual de procedimentos de uma corporação policial não pode estar acima do que deliberou a Suprema Corte - pouco antes de mais uma de suas espetaculosas operações.

Não foi sem razão, a propósito, que disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto: "É lamentável e muito perigoso o desrespeito da Polícia Federal ao mais importante tribunal de Justiça do País" (...) "Ao afirmar que portaria da polícia é mais importante que a Constituição, o delegado encarregado da operação presta um desserviço à Nação."

Em certo momento do depoimento que prestou à CPI dos Grampos o juiz Fausto Martin De Sanctis - responsável pelas autorizações dadas à Polícia Federal, na Operação Satiagraha, que deu origem a toda a celeuma PF versus STF - afirmou: "Temos que fazer uma lei adequada ao nosso país. Não adianta querer fazer lei de país civilizado, porque este país não é." Quer dizer, então, que para esse magistrado o Brasil tem que adotar um ordenamento jurídico primitivo, atrasado, porque a civilização - cremos que ele se refira à ocidental - ainda não chegou a estes tristes trópicos, como se ainda permanecêssemos em tabas indígenas?

Só que o Supremo mostrou que a coisa não é bem assim. No Brasil existe um ordenamento jurídico que o torna um país mais civilizado do que o juiz pensava.”

4 comentários:

Eduardo disse...

Entrando no mérito da questão, estou a princípio com o Supremo. O uso de algemas precisa ser disciplinado, e a ação da PF cheira a mais um capítulo de uma "guerrinha interna" perigosíssima para as instituições. Só não consigo compreender por que o jornal comemora a edição "em tempo recorde" de uma súmula vinculante, instrumento que, de acordo com a própria definção constitucional, deve ser utilizado apenas após "reiteradas decisões". Será que, no futuro, este precedente que agora se abre não se transformará em uma nova dor de cabeça para os brasileiros?

Eduardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eduardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Prof. Ribas disse...

Pela TV Justiça na sessão plenária de quarta-feira 13 de agosto de 2008, acompanhei a aprovação da Súmula Vinculante nº 12 proposta pelo Min. Lewandowiski sobre a vedação de cobrança de taxas na matrícula em IES públicas. Tal fato comprova o acerto da crítica postada quanto ao enaltecimento da "velocidade" da aprovação da súmula vinculante. No caso em tela, já temos o problema não previsto normativamente de que cada decisão de repercussão geral resultará numa súmula vinculante. Assim, o Min. relator Lewandowiski ao expressar o seu voto em repercussão geral sobre as citadas taxas, já foi indicando que sairia uma súmula vinculante conforme orientação do próprio STF. Assim, "sacou" uma súmula vinculante contra a cobrança de taxas nas universidades públicas. Além também de não estarmos numa sessão administrativa específica para aprovar uma súmula vinculante, a súmula referida foi proposta. O Min. Eros Grau reclamou aduzindo que faltavam "decisões reiteradas". O Min. Gilmar Ferreira Mendes retorquiu imediatamente ao afirmar que, no tocante, as taxas já havia "discussão suficiente". Assim, a postagem anterior está certa ao demonstrar a fragilidade e a precariedade da aprovaçãos das súmulas vinculantes pela sua "ligeira" na aprovação. Qual será o futuro dessas súmulas vinculantes e suas consquências em termos do próprio Poder Judiciário no seu conjunto e na sua autonomia das suas instâncias?