domingo, 30 de novembro de 2008

O Ministério Público e o Poder Investigativo

A "Folha de São Paulo" de 30 de novembro de 2008 publica a seguinte matéria sobre o poder investigativo do Ministério Público.

Poder de investigação de Ministério Público provoca novo debate
Projeto de lei que tramita na Câmara e julgamento de habeas corpus de acusado no caso Celso Daniel reacenderam a polêmica; STF deve julgar o tema neste ano

A polêmica sobre o poder do Ministério Público para realizar investigações criminais foi reacendida na semana passada no Legislativo e no Judiciário.
Na Câmara Federal, um acordo político afastou o avanço de projeto que impediria o MP de fazer apurações paralelas, independentemente da existência de inquérito policial.
Na quinta-feira, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, condenou "investigações secretas" que seriam feitas pelo MP e anunciou que essa questão deverá ser apreciada pelo Supremo até o final deste ano.
A decisão ocorrerá no julgamento de habeas corpus da defesa de Sérgio Gomes da Silva, acusado de ser o mandante do assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André.
Na esfera política, o tema esquentou quando a Associação Nacional dos Procuradores da República manifestou ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), preocupação com a tramitação do projeto de lei 4.209/2001 na Câmara. A entidade criticou substitutivo do deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), delegado da Polícia Federal licenciado, que vedava as investigações pelo MP.
As críticas surtiram efeito: na semana passada, Itagiba apresentou novo substitutivo que não retira a possibilidade de o órgão investigar e denunciar sem inquérito policial.
"A investigação criminal não é exclusividade da polícia, porque o Código de Processo Penal, de 1941, já prevê que o Ministério Público não precisa de inquérito policial para denunciar", diz Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República em São Paulo.
Para o criminalista Tales Castelo Branco, "o MP exerce o controle externo da polícia e pode solicitar diligências, mas quando faz investigações usurpa atribuição exclusiva da polícia, prevista na Constituição".
Ao julgar um recurso extraordinário em outubro, a 2ª Turma do STF decidiu, por unanimidade, que a denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo MP sem necessidade do prévio inquérito policial.
Frischeisen nega que o MP realize investigações secretas. "Todas as investigações são regulamentadas. Quando sigilosa, é realizada na forma da lei."
No Judiciário, a palavra final virá no julgamento do caso Celso Daniel. Em 2004, a defesa de Sérgio Gomes da Silva apresentou um habeas corpus ao STF pedindo o trancamento da ação penal contra o acusado.
Um dos argumentos da defesa foi o de que a denúncia à Justiça foi feita com base em investigações do MP- o inquérito da polícia concluiu que Silva não estava envolvido no crime. O plenário do STF iniciou o julgamento em 11 de junho de 2006, mas a sessão foi interrompida com um pedido de vistas do Ministro Cezar Peluso.

sábado, 29 de novembro de 2008

A identidade cultural e decisão judicial na Espanha

Dando continuidade a postagem do problema de identidade cultural na Espanha revelado no caso do crucifixo, o jornal "El País" noticia em 29 de novembro de 2008 a respeito do hasteamento da bandeira espanhola no parlamento vasco. Sublinhem-se as contribuições de Rudolf Smend e, mais recentemente, de Peter Häberle (veja a entrevista dele postada sobre o tema) em obra abordando essa questão da identidade cultural publicada no Brasil.

El Supremo ordena que la bandera de España ondee en el Parlamento vasco
El tribunal cierra un contencioso que inició el delegado del Gobierno en 2002


La bandera de España deberá ondear diariamente en el exterior del Parlamento vasco y ocupar un lugar preferente en el interior, según ordena una sentencia del Tribunal Supremo que confirma otra anterior del Tribunal Superior de Justicia del País Vasco. La sentencia ratifica que la expresión "deberá ondear" pone de relieve la exigencia legal de que la bandera de España ondee "todos los días", como símbolo de que en los edificios de las Administraciones públicas del Estado "se ejerce, directa o delegadamente, la soberania”.
El Tribunal Supremo se remite a la ley 39/1981 que regula el uso de la bandera y demás enseñas y dice que ésta "no admite interpretaciones que excusen el cumplimiento del deber de hacer ondear diariamente la bandera de España en el exterior y en el lugar preferente en el interior del Parlamento vasco".
El recurso de la Cámara vasca alegaba que la bandera española llevaba 20 años sin ondear en el Parlamento de Vitoria y que el requerimiento se había presentado fuera de los plazos establecidos.
Frente a estos alegatos, el Supremo explica que la no aplicación de una norma no la lleva a su desuso, ya que, en modo alguno, la costumbre puede prevalecer sobre la ley. Además, aceptar que las leyes se derogan "por el simple transcurso del tiempo acompañado de su incumplimiento" implicaría una ruptura del principio de legalidad.
En definitiva, el Supremo reitera que la bandera de España deberá ondear en el edificio del Parlamento vasco, "diariamente", "con carácter de permanencia, no de coyuntura, no de excepcionalidad, sino de generalidad", y "en todo momento".
El alto tribunal concluye explicitando "la firmeza de la sentencia" y "la vigencia del criterio que se sostiene en ella". El fallo condena en costas al Parlamento vasco, aunque limita a 3.000 euros la cifra máxima de honorarios del letrado del Estado.
La sentencia del Supremo, de la que ha sido ponente el magistrado Octavio Juan Herrera, pone fin al contencioso iniciado en mayo de 2002, cuando el delegado del Gobierno en la comunidad autónoma vasca requirió el cumplimiento de la ley de banderas. El requerimiento no fue contestado por el Parlamento vasco, decisión que recurrió el abogado del Estado en representación de la Administración central.
La bandera de España, la ikurriña y la enseña de la UE lucen desde hace tiempo en la sala de recepciones del Parlamento vasco. Pero no en el exterior del edificio, donde no ondea bandera alguna.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Congresso Nacional discute em seminário a judicialização e o ativismo judicial

Seminário no Congresso Nacional aborada o tema da Judicialização e do ativismo judicial

Judiciário age em omissões do Legislativo, diz Mendes
Cristiane Agostine, de Brasília27/11/2008 publicado no jornal "O Valor Economico"

O arbítrio do Judiciário em questões políticas se dá porque o Legislativo omite-se em problemas que ferem a Constituição. Apesar da discordância de parlamentares, este é o entendimento que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, faz sobre a interferência de magistrados em temas do cotidiano do Congresso.
Ontem, ao participar de um seminário promovido pelo Senado sobre ativismo judicial, o ministro disse que o Judiciário não tem um "desapreço" pelo Legislativo, mas sim atua para "fazer valer a Constituição". Mesmo depois de uma série de decisões de magistrados sobre temas como fidelidade partidária, cláusula de barreira e até mesmo a quantidade de vereadores que cada cidade pode ter, Gilmar Mendes afirmou que o Judiciário "não está usurpando competências do Congresso". "O STF atua até que haja um pronunciamento definitivo do Congresso", disse.
No seminário, o presidente do Supremo não enfrentou contestações. Os senadores convidados para participar fizeram ampla defesa da atuação do Supremo em questões políticas. "A judicialização veio para ficar", disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). "Concordo com todas as decisões de mérito tomadas pelo Supremo nos últimos anos", comentou Renato Casagrande (PSB-ES).
A harmonia entre o representante do Judiciário e os do Legislativo em nada lembrava o conflito entre os dois poderes, intensificado depois que o STF e o Tribunal Superior Eleitoral manifestaram-se sobre a fidelidade partidária e pressionaram a Câmara pela cassação do mandato de parlamentares que trocaram de partido. O acirramento deu-se com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que reclamou da interferência de um poder sobre o outro. "Nós, a minoria, é que temos provocado a judicialização da política", disse Torres. "O STF tem tomado posição, sobre abertura de CPI e cassação de mandato de parlamentar, porque nós provocamos", disse o senador do DEM.

Ministro Gilmar Ferreira Mendes critica a atuação do MP

O jornal "Valor Economico" de 28 de novembro de 2008 traz a seguinte matéria para reflexão:

Para presidente do Supremo, atuação do MP fere Estado de direito
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, criticou ontem as investigações sigilosas realizadas pelo Ministério Público e disse que a conduta é incompatível com o Estado de Direito. Mendes afirmou ainda que os limites de atuação do MP, de poder ou não realizar investigações criminais, devem ser julgados ainda este ano.
Lula Marques/Folha Imagem
Mendes: "Quando há uma investigação no MP, quem sabe como se faz essa investigação? Quais são as medidas?"

Na análise do ministro, as investigações sigilosas do Ministério Público "acabam não tendo forma nem figura de juízo". Ao participar de um seminário sobre Segurança Pública e os 20 anos da Constituição, na Câmara Federal, Gilmar Mendes afirmou que para o Ministério Público poder fazer investigações sigilosas, em seu entendimento, elas têm "de ocorrer à luz do dia, com formas muito seguras, previstas inclusive em lei".

"Quando tem inquérito policial, publica-se o inquérito e a partir daí a pessoa sabe que está sendo investigada, intimidada, e tem direito a vistas dos elementos que lá estão. Agora quando se diz que há uma investigação que corre no Ministério Público, quem sabe como se faz essa investigação? Quais são as medidas?", questionou. "Na verdade parece uma investigação secreta e a gente sabe que não dá certo investigação secreta. Não é compatível com o Estado de Direito", declarou ontem, a uma platéia composta por deputados e especialistas em segurança pública.

O limite de atuação do Ministério Público começou a ser julgado no ano passado. A ação havia sido impetrada no Supremo pelo empresário Sergio Gomes da Silva, acusado de ter assassinado Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André (SP). O ministro do STF Cezar Peluso pediu vistas e, segundo Gilmar Mendes, a discussão deve ser retomada nas próximas semanas.

O presidente do Supremo disse que as investigações sigilosas realizadas pelo MP estão baseadas em uma "interpretação da lei" e disse não ser contrário às investigações, mas ao fato de elas serem "sigilosas". " Às vezes se fazem pedidos de informação administrativos, que depois revelam a existência de crimes e aí então se prossegue numa investigação, gerando então essa incompatibilidade, essa incongruência com as ações da polícia civil", comentou. Na análise feita por Mendes, deve haver regras para esse tipo de conduta do Ministério Público, para que a apuração dos fatos e denúncias não siga "por um caminho de grande insegurança que vai resultar no fim da nulidade de toda investigação."

Faoro e o Estado brasileiro


Raimundo Faoro e o Estado brasileiro
A "Folha de São Paulo" de 27 de novembro de 2008 noticia os 50 anos de publicação da importante obra de Faoro para compreender o Estado brasileiro. O ex-presidente do Conselho Federal da OAB é autor, também, da obra Assembléia Constituinte revisitada. A obra com 50 anos de publicação só veio a ser descoberta com o Golpe Militar de 1964 que demonstrou o acerto da visão interpretiva de Faoro sobre a realidade brasileira e o seu estado patrimonialista.Clássico de Faoro completa 50 anos com nova edição"Os Donos do Poder", obra que analisa o caráter patrimonialista do Estado brasileiro, será tema de debate, hoje à noite, na FGV Na época em que escreveu uma das mais importantes interpretações do país, Raymundo Faoro era jovem e obscuro advogado no RS RAFAEL CARIELLODA REPORTAGEM LOCAL Do esforço e da erudição individual de um obscuro advogado gaúcho, uma espécie de "self-made man" da análise sociológica, nasceu, há 50 anos, uma das mais importantes interpretações sobre o Brasil. Leitura que dizia, justamente, que o Estado patrimonialista sufocava aventuras ou empreendimentos independentes, impedindo o surgimento de ideário e práticas modernas, liberais no país. O hoje clássico "Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro", de Raymundo Faoro (1925-2003), escrito à mão em 1954, só veio a ser editado em 1958, pela então gaúcha editora Globo. Ganhará agora uma nova edição, que chega às livrarias nesta semana, com comentário crítico do professor de ciência política da USP Gabriel Cohn e reprodução de manuscritos. Conta Cohn que "o livro talvez não tivesse vencido a muralha da indiferença" se não ocorresse a alguém na editora -"consta que Erico Verissimo"- sintetizar o argumento com um título novo, a partir do próprio texto de Faoro. E quem são esses celebrizados "donos do poder"? São representantes de um Estado que confunde coisa pública e privada, um "estamento" burocrático que não tira seu poder da representação de grupos ou interesses econômicos e sociais independentes da máquina estatal, mas, ao contrário, que constitui riquezas privadas e fortalece grupos a partir das posições que ocupam no Estado. Herança e mudançaPara o autor gaúcho, que viria a ser figura de frente na luta pela redemocratização do país durante a ditadura militar (1964-1985), o Brasil herdou de Portugal uma organização política pré-moderna, em que o Estado capitaneia os grandes empreendimentos comerciais, sufocando a existência de uma burguesia autônoma, limitando e canalizando todos os impulsos da sociedade. É verdade, no entanto, que o país mudou bastante desde a publicação da primeira edição do livro. A democracia ganhou força e representatividade. Como fica o patrimonialismo hoje no Brasil? Para o advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., o argumento permanece atual. "O poder ainda emana daquele que tem a caneta", ele diz. "Segundo Faoro, o poder não estava no dinheiro, no empresariado, no poder social, mas na capacidade de nomear pessoas, alocar conhecidos e distribuir benesses. Isso continua valendo." Já Gabriel Cohn defende que a conclusão principal do livro de Faoro continua válida apenas se considerarmos que essa forma geral do Estado patrimonialista é extremamente "plástica", adaptando-se sempre a novas realidades. A leitura é possível, mas o advogado sugere rigidez maior em sua tese, como alerta o próprio Cohn. "O que não dá para sustentar é a idéia de uma asfixia total sobre a sociedade. Você tem uma sociedade tolhida na sua capacidade de constituir seus próprios dinamismos, mas a idéia de uma sociedade asfixiada [pelo Estado] não se mantém." Cohn e Reale Jr. participam hoje à noite, na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (r. Rocha, 233), de um debate sobre Faoro e "Os Donos do Poder". Também participarão da mesa o advogado e cientista político Oscar Vilhena e o historiador Carlos Guilherme Mota. O encontro acontece às 19h, e a entrada é gratuita.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

As estratégias do STF para a sua internacionalização

O "Consultor Jurídico" de 25 de novembro de 2008 relata as estratégias do STF para a sua internacionalização.
Justiça global
STF se abre para parcerias com outras cortes do mundo
O Supremo Tribunal Federal dá mostras da maturidade alcançada pela interpretação constitucional brasileira. Ao comemorar o vigésimo aniversário da Constituição Federal, o principal colegiado da Justiça nacional toma a iniciativa de acordos para a criação de regras internacionais comuns e para a troca de experiências com outras cortes, reafirmando a consistência conseguida pelas garantias constitucionais no país.
Desde janeiro, foram dez os encontros internacionais envolvendo diversas nações, além de reuniões exclusivas com Índia, Portugal, Áustria, Rússia, Lituânia, Japão, Israel, Estados Unidos, Gana e Argentina, conforme relatório da assessoria internacional da corte.
Os eventos internacionais realizados nesta semana em Brasília (DF) provam isso. A Conferência das Jurisdições Constitucionais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada nesta quinta-feira (20/11) pelo Brasil e mais sete nações, promete compartilhar jurisprudências e experiências dos tribunais constitucionais. Já o VI Encontro de Cortes Supremas do Mercosul, iniciado nesta quinta-feira (20/11) no Palácio do Itamaraty, discute, entre outros assuntos, a elaboração de uma Carta de Direitos Fundamentais do Mercosul, além de um tribunal para o bloco.
Mesmo para países que não participam do Mercosul, um tribunal facilitará as relações na região. “Eu apóio a criação do Tribunal do Mercosul porque se tornará uma forma de solucionar os conflitos”, disse Hugo Dolmestch Urra, representante da Corte Suprema de Justiça do Chile. Participam do encontro representantes das cortes supremas da Argentina, Paraguai e Uruguai, além de observadores do Chile, Venezuela, Colômbia, Bolívia e Peru. Clique aqui para ver a programação. O próximo encontro poderá ser realizado na Argentina, segundo o presidente da Corte Suprema daquele país, Ricardo Luis Lorenzetti, o que já recebeu apoio do presidente da Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Jorge Ruibal Pino.
Código aduaneiro
A principal expectativa é em relação à união de normas aduaneiras. Especialistas esperam, até o fim do ano, a criação de um código aduaneiro comum. A medida pode trazer vantagens em negociações com o mercado internacional, além de aumentar a força do bloco em discussões sobre dívida externa e aquecimento global, por exemplo.
De acordo com Renato Zerbini, professor de Direito Internacional do Centro Universitário de Brasília, o comércio no Mercosul passou de R$ 8,9 bilhões, em 2002, para R$ 28,9 bilhões em 2007. Se forem incluídas as negociações com a Venezuela, por exemplo, esse valor salta para R$ 33,97 bilhões.
“Tenho certeza que ao término de mais essa jornada de trabalho teremos avançado de forma significativa na direção do objetivo comum de contribuir decisivamente para o fortalecimento da integração latino-americana, que hoje é uma profícua realidade”, disse o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, em seu discurso de abertura. O ministro também propôs a adoção de um glossário comum de termos jurídicos pelos países envolvidos, que, segundo ele, poderia ser o doGlobal Legal Information Network (Glin), já utilizado pelas cortes européias.
A institucionalização do Fórum Permanente de Cortes Supremas do Mercosul, segundo o ministro, concretizará a criação de mecanismos jurídicos que acelerarão a integração entre os países, com o que concordou o secretário geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Guimarães Neto. “O processo de integração dos sistemas jurídicos se desenvolve nos mais diferentes terrenos, seja ele comercial, econômico ou das relações civis, de modo que nesse processo é necessário o conhecimento e a integração progressiva e gradual dos sistemas jurídicos da região”, afirmou.
No âmbito processual, a integração beneficia até mesmo as primeiras instâncias da Justiça. “Quando um juiz solicita medidas para outros países, quanto melhor for esse contato direito, mais rápida vai ser a produção de uma prova, a realização de um interrogatório”, disse em discursoFernando Mattos, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). As propostas do Supremo incluem também o intercâmbio de juízes e funcionários do Judiciário entre os países presentes à reunião. Foi cogitada inclusive a realização de estágios internacionais por estudantes de Direito.
Mandado de captura
Uma das idéias mais celebradas pelos magistrados é o “Mandado de Captura do Mercosul”, ordem de prisão que terá validade em todo o bloco. Algo próximo já funciona de forma semelhante entre Mercosul, Bolívia e Chile. Um acordo garante a entrega recíproca de pessoas que tenham prisão decretada, desde que os crimes estejam previstos na legislação dos países envolvidos e que a pena não seja inferior a dois anos. Sem o acerto, a única saída seriam os pedidos de extradição, mais demorados e que requerem a intervenção do Poder Executivo e das supremas cortes.
Na União Européia, versão equivalente, o “Mandado de Detenção Europeu” ou “Euro-ordem”, já funciona desde 2004. Segundo o presidente da Comissão Européia de Cooperação Judiciária, o português José Luis Lopes da Mota, o recurso reduziu de um ano e meio para apenas 40 dias o tempo para a entrega de condenados entre os países europeus.
As conquistas do Supremo, no entanto, não foram divulgadas apenas na América do Sul. O presidente Gilmar Mendes fez questão de compartilhar os avanços em palestras na Alemanha e nos Estados Unidos. Nas universidades de Münster e de Wilhelms, na Alemanha, o ministro falou da tolerância em sociedades multiculturais, levando em conta principalmente o atentado de 11 de setembro nos EUA. Em relação ao racismo e o anti-semitismo, o ministro ressaltou: “a liberdade de opinião não pode conduzir à intolerância ou ao racismo; tampouco deve afetar a dignidade da pessoa humana e a democracia, ou seja, os valores intrínsecos a uma sociedade pluralista”.
Nos EUA, Gilmar Mendes falou sobre iniciativas do Supremo em relação a controle de constitucionalidade, omissão legislativa e jurisdição constitucional, em universidades de Washington, Boston e Nova Iorque. O Supremo levantou também este ano a questão sobre um acordo com o Congresso Americano para o compartilhamento da biblioteca do parlamento que, com um acervo de mais de três milhões de exemplares, tem a maior coleção jurídica do mundo. Em contrapartida, o Senado Federal brasileiro colocaria a legislação nacional à disposição da biblioteca, e o Supremo manteria um cadastro de jurisprudência atualizado. O conteúdo seria intermediado pelo Global Legal Information Network (Glin), do qual o Brasil deixou de participar em 2007.
Eventos
O próximo encontro internacional de cortes supremas está marcado para dezembro, na Bolívia, onde acontece a Conferência Ibero-Americana de Justiça Constitucional. Em janeiro do ano que vem ocorre a Conferência Mundial da Justiça Constitucional, que será realizada na Cidade do Cabo, na África do Sul, e organizada pela Comissão Européia para a Democracia através do Direito (Comissão de Veneza). A ocasião dará espaço para outro pacto internacional envolvendo o Supremo: a “Conferência das Supremas Cortes do IBAS”, que inclui Brasil, Índia e África do Sul.
Também em 2009 ocorre a 1ª Conferência Internacional de Justiça, na África do Sul, que discutirá a integração regional. Já os portugueses sediarão, em abril, a Conferência das Jurisdições Constitucionais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada este ano.
Para o ano que vem, o Supremo também já confirmou participação em eventos no México, Egito, Israel e Espanha.

A percepção dos advogados na confiabilidade das decisões do STF

O Professor Daniel Giotti envia para postagem a seguinte matéria, entre outros assuntos, o resultado de pesquisa entre os advogados durante o último Congresso Nacional da OAB realizado na cidade de Natal a respeito de sua confiabilidade nas decisões do STF. A postagem traz, também, outras informações valiosas

Pesquisa entre advogados indica pequena confiança no STFO 20º Congresso Nacional da OAB, realizado entre os dias 12 e 16 denovembro, em Natal (RN), tornou-se um encontro de variada utilidade. Entreoutros méritos, promoveu um importante debate sobre o Estado de Direito eEstado Policial, foi palco para a anistia do ex-presidente João Goulart e,também, campo para pesquisa de opinião que traz uma revelação surpreendente:é muito baixa a confiança dos advogados no Supremo Tribunal Federal. A pesquisa perguntou, sem apresentar alternativas, qual era a instituição doEstado brasileiro em que o entrevistado mais confiava. Embora manifesteconfiança no Poder Judiciário como um todo, o STF ficou na base da tabela derespostas com apenas 1% na referência à credibilidade. Abaixo dele somenteinstituições não identificadas por terem obtido um porcentual de citaçãoinferior a 1% das respostas. "Isso talvez reflita, principalmente, a intromissão do Judiciário napolítica. Um papel que, nos últimos tempos, é capitaneado pelo Supremo. Achamada judicialização da política pode não estar sensibilizando asociedade, neste caso representada pela reação dos advogados", interpreta o cientista político Adriano Oliveira, coordenador de pesquisas do InstitutoMaurício de Nassau, de Pernambuco. As declarações foram prestadas à revista Carta Capital e estão publicadas naedição que chegou às bancas no final de semana. O texto é de autoria dorepórter Mauricio Dias. A matéria jornalística expressa também os efeitos recolhidos por outrapergunta da pesquisa. Nela, 90% dos advogados consideram que há influênciapolítica no Judiciário. Não haveria, nesse caso, respingo das decisões do ministro Gilmar Mendes nosepisódios da Operação Satiagraha? "Devemos considerar, entretanto, que o STFé um tribunal extremamente político e que a maioria dos advogadosconsultados não atua nele. O contato é com a magistratura estadual ou, umpouco, a federal. O STF está distante deles", pondera Oliveira. A pesquisa também escancarou como defendem seus interesses os membros dessainfluente e poderosa categoria profissional. "Há contradições quecaracterizam o elevado grau de corporativismo entre os advogados e que já seestende igualmente aos bacharéis em Direito", diz o cientista político. * Leia a íntegra da reportagem na edição impressa de Carta Capital, ou -para ler o restante - clique aqui.<http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=13564> Estudos indicam que nível social e raça influenciam processos na JustiçaO acesso à Justiça nem sempre é igual para todos, como também os resultadosobtidos com os processos. Vários estudos demonstram que raça e nível socialpodem influenciar esses processos e, em muitos casos, implicar dificuldadespara que práticas racistas sejam punidas pelo Judiciário. As informações sãodo Portal RPC (Rede Paranaense de Comunicações).O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007/2008, elaboradopela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisou o andamento de85 casos de racismo e discriminação racial em 13 Tribunais de Justiça dopaís: Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,Santa Catarina e São Paulo.Segundo o documento, entre janeiro de 2005 e dezembro de 2006, 40% dosprocessos de acusação por prática racista tiveram os méritos consideradosimprocedentes pelos juízes na primeira instância. Segundo análise doLaboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas dasRelações Raciais (Laeser) responsável pelo relatório, isso significa que asvítimas ganharam mais do que perderam quando os processos ainda eram deprimeiro grau.Mas, à medida que a tramitação do processo avança, a situação se inverte. Apesquisa mostrou que na segunda instância, durante a análise das decisõesdos desembargadores, os réus das ações por crime de racismo passaram a levarvantagem, alterando as decisões de primeiro grau, até então vencidas namaioria das vezes pelas vítimas. Ao todo, 57,7% dos réus acusados de racismoganharam as ações na segunda instância e em 32,9% dos casos as vítimas foramvencedoras.Por saberem que o desfecho dos processos geralmente ocorre na segundainstância, três pesquisadores do Núcleo Direito e Democracia do CentroBrasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) estudaram a aplicação dalegislação nacional de combate ao racismo e discriminação racial peloTribunal de Justiça de São Paulo, entre 1998 e 2005.O trabalho "A Esfera Pública e as Proteções Legais Anti-Racismo no Brasil"apontou que, durante o período, apenas quatro casos foram caracterizadosdefinitivamente como injúria racial. O que mais chamou a atenção dospesquisadores foi a inexistência de condenações por crime de racismo."Apesar da criminalização das práticas de racismo e da injúria racial, aquase totalidade dos estudos sobre o tema indica um número baixíssimo decondenações por parte do Judiciário nacional. Nossa pesquisa confirmou essesdados naquilo que se refere ao Tribunal de São Paulo", explica Felipe Silva,um dos autores do trabalho.Estudos feitos pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho eDesigualdades (Ceert) demonstram que não é de hoje que o Judiciáriobrasileiro trata de forma inadequada a questão do racismo. As pesquisasavaliaram processos ligados a situações de racismo entre 1951 e 1988 e entre1988 e 1996.A primeira abrangeu o período da Lei Afonso Arinos, que foi até 1988. Nesseperíodo muito poucas condenações foram capturadas. Ao todo, foram apenasquatro ao longo de quatro décadas, nos Estados do Rio Grande do Sul, MinasGerais, Rio de Janeiro e São Paulo. "A partir da Constituição de 1988,período analisado pela segunda pesquisa, o racismo ganhou status de crimeimprescritível e inafiançável", explica o diretor executivo do Ceert, HédioSilva.De acordo com ele, a segunda pesquisa constatou um número ligeiramente maiorque o da primeira, mas ainda pequeno para as dimensões do país. Foram cercade 200 processos julgados em segunda instância pelos tribunais, com númerorazoável de condenações.A pesquisadora do Núcleo de Estudo da Violência da Universidade de São Paulo(USP), Jacqueline Sinhoretto, desenvolveu a pesquisa Racismo, CriminalidadeViolenta e Justiça Penal: Réus Brancos e Negros em Perspectiva Comparativa,juntamente com o professor Sérgio Adorno. A pesquisa compara crimesidênticos cometidos por negros e brancos em 1990, considerando o tratamentoe os resultados, explica.A diferença está principalmente no acesso à Justiça. "A maioria dos brancosteve advogados pagos (60,5%), e a maior parte dos negros dependia daassistência jurídica proporcionada pelo Estado (62%), com advogadosgeralmente sobrecarregados e sem condições de se aprofundar no caso", avaliaJacqueline.Segundo a pesquisadora, o número maior de testemunhas apresentadas pelosbrancos demonstra desempenho mais qualificado da defesa. A coisa está ligadaprincipalmente classe social. Mas temos de lembrar que classe social e raçasão categorias historicamente muito ligadas no Brasil, argumenta.Leia a matéria completa, na <http://home.rpc.com.br/> origem.

domingo, 23 de novembro de 2008

Endereço eletrônico de universidade venezuelana com textos importantes para acesso

www.allanbrewercarias.com. Este é o endereço eletrônico de universidade venezuelana enviado pelo Prof. Francisco Cunha Neto a quem agradeço muito para internacionalizar bastante esse blog em termos de acesso à informação no campo da teoria constitucional.

O Caso do crucifixo na Espanha

O jornal "El País" de 23 de novembro de 2008 traz a primeira decisão do Poder Judiciário na Espanha sobre caso do crucifixo. Lembra a decisão do Tribunal Constitucional alemão sobre as escolas de Munique sobre tema e o debate americano sobre as clásulas de religião.
Sentencia de la retirada de crucifijos de un colegio público en Valladolid

La sentencia refleja que en un centro público docente se imparte enseñanza a menores que se encuentran "en plena fase de formación de su personalidad". Es por ello que la presencia de estos símbolos religiosos "puede provocar en esos menores el sentimiento de que el Estado está más cercano a la confesión con la que guardan relación".
El portavoz de la Junta de Castilla y León y consejero de Presidencia, José Antonio de Santiago, ha dicho que el Gobierno regional no tiene nada que objetar sobre esta resolución judicial, que cumplirá, al ser firme, instando al colegio en cuestión a que retire los crucifijos de las aulas. "La Junta pensó en todo momento que la decisión correspondía al consejo escolar del centro y obró en consecuencia", ha resaltado de Santiago.
Este fallo es la primera sentencia que obliga a la retirada de crucifijos de un colegio público en España. El portavoz de la Asociación Cultural Escuela Laica e impulsor del proceso judicial, Fernando Pastor, ha asegurado que se trata de una sentencia "importantísima", ya que "por fin" la Justicia ha "entrado en el fondo de la cuestión" dando la razón "a la libertad de conciencia y a la higiene democrática". La sentencia alude a la jurisprudencia del Tribunal Constitucional, que recuerda que "el Estado se prohíbe a sí mismo cualquier concurrencia, junto a los ciudadanos, en calidad de sujeto de actos o de actitudes de signo religioso" y alude a "la laicidad y neutralidad del Estado".
Sin embargo , Fernando Pastor, que es el padre de una niña del colegio Macías Picavea, recuerda que el Gobierno regional puede "recurrir" esta sentencia en un plazo de 15 días aunque ha insistido en que esta posibilidad sería "una indecencia". Si este recurso se lleva a cabo, ha apuntado Pastor, se pediría al juzgado "la ejecución cautelar de la sentencia" para que la retirada de crucifijos fuera efectiva hasta el próximo fallo, al tratarse de "vulneración de Derechos Fundamentales".

sábado, 22 de novembro de 2008

Por que traduzir Carl Schmitt?

Vejam o texto escrito pelo Prof. Marcelo Cattoni a respeito da recente tradução de uma das obras de Carl Schmitt pela Editora Del Rey. O texto contextualiza a utilização pelo Juiz Federal De Sanctis do pensamento de Schmitt.
Como vocês sabem, a Editoral Del Rey publicou recentemente uma tradução com
prefácio de Habermas - o mesmo texto que ele publicou anteriormente em
inglês sobre Schmitt - da *Teoria do Partisan*, de Carl Schmitt. Eu ainda
não conheço a tradução mas espero que ela seja melhor do que a dos textos
anteriores de Schmitt, publicados na coleção. A *Teologia Política* está em
vários pontos irreconhecível e o *Defensor da Constituição* não fica tão
atrâs, tem problemas. Oportunamente, posso inclusive indicar esses problemas
de tradução, para seu aperfeiçoamento em edições futuras. Eu, se fosse o
Min. Gilmar Mendes ou o Min. Eros Grau, teria me preocupado mais em me dar
ao trabalho de pelo menos passar os olhos, quem sabe, nas duas traduções, já
que conhecem bem o alemão e o português, assim como os autores e os temas,
antes de tê-las prefaciado, coisa que Habermas não poderá fazer pois,
segundo o que até então me consta, Habermas não sabe português.
Enfim, se em toda essa lenga-lenga do caso Dantas Carl Schmitt foi tão mal
citado, no sentido, inclusive, de citado mal, imagino que mais cedo ou mais
tarde vão querer citar Carl Schmitt e sua *Teoria do Partisan* no contexto
da discussão sobre a lei da anistia e sobre a questão acerca da
possibilidade ou não da responsabilização criminal de agentes do Estado
brasileiro durante a autocracia de 1964-85, agora que o texto foi traduzido.
Para ir direto ao ponto: é que Schmitt, apesar do seu "entusiasmo" pela
figura do partisan, do seu elogio até mesmo a Che Guevara, mas também a Mao
e à China comunista como uma espécie de terceiro capaz de fazer frente às
duas superpotências, os EUA e a URSS, algo que a Europa teria perdido a
possibilidade de ser com Hitler, que na sua genealogia teria como primeiros
antecedentes os camponeses espanhóis armados de foices e pás contra
Napoleão, enfim, o partisan como um soldado sem uniforme e fora das normas
do direito internacional, que combate o imperialismo, etc, etc, irá falar de
um círculo de terrorismo e contra-terrorismo que se instaura por meio da
atividade de guerra dos partisan, entre eles e o império. Se aparentemente
Schmitt pudesse parecer um "esquerdista" defendor dos vietconges, dos
cubanos, etc, etc, cuidado para não cairmos no erro, primeiro, do tradutor
para o espanhol da Teoria da Constituição, Francisco Ayala que pensou que as
críticas de Schmitt ao liberalismo teriam "colores" marxistas. Schmitt é um
nostálgico, um nostálgico do grande Leviathan, do Estado-nação europeu, e vê
nos partisan e na sua suposta defesa da terra contra o invasor imperialista,
estrangeiro, algo que o velho *jus publucum europeam* havia cultivado, a sua
ligação com a terra, a idéia de que o direito é direito territorial e
territorializado (concepção que a Inglaterra de Elisabeth Tudor veio a
romper).
E segundo, todo o cuidado é pouco, pois ao tirar os uniformes é que Schmitt
os uniformiza, ou seja, ele trata tanto terroristas e guerrilheiros como se
fossem a mesma coisa. E não são. O exemplo é dado por ele quanto à guerra da
Argélia e a utilização pelo Gen. Salan para combater os argelinos de métodos
terroristas supostamente contraterroristas. Cuidado, há ali toda uma cortina
de fumaça que transforma todos os gatos em pardos, pois desconsidera a
diferença de um ponto de vista normativo entre a resistência à opressão e os
opressores, pois seriam todos terroristas! nesse círculo de violência
"terrorista" e "contraterrorista". Daqui a pouco vão querer equiparar a Al
Qaeda com o a Frente de Libertação de Angola, os EUA com a Alemanha nazista,
ou, o que é pior, dizer que não há diferença entre lutar na resistência e
estar no governo ditatorial, entre oprimir e resistir, entre torturador e
torturado, enfim, entre guerrilheiro e forças armadas militaristas, porque
todos teriam sido em maior ou menor medida "terroristas". Isso, essa
equiparação, inclusive, colocaria à margem do direito internacional não
apenas o terrorismo e o terrorista, mas a suposta guerra contra o
terrorismo, justificando o desrespeito ao direito por ambas as partes e,
assim, impossibilitando-se de com base no direito responsabilizar-se alguém.
Ou seja, um vale-tudo, para todos, excepcional a todas as normas, um
verdadeiro estado de excepção que abarcaria os dois lados...
Assim sendo, quero chamar atenção para a força simbólica das traduções como
fez Habermas, no referido texto, quando Schmitt passou a ser publicado em
inglês a partir de meados dos anos 80, 90. A que ou a quem interessa uma
tradução? Não que não se deva traduzir algo, e bem. Não é isso. Pergunto
sobre o modo com que essas traduções se inserem ou são apropriadas pelos
debates públicos, e a que ou a quem se prestam.
Alguém por acaso já leu *Responsabilidade e Julgamento*, de Hannah Arendt?
Pois lá há excelentes textos sobre responsabilidade e culpa coletiva e
individual, em sua discussão com Karl Jaspers e o problema da culpa alemã.
Cabe aqui chamar atenção para o fato de que se não se pode, sobre o pano de
fundo da tradição constitucionalista, responsabilizar criminalmente toda uma
coletividade enquanto tal, em razão do princípio da pessoalidade,
individualidade, da pena. Por outro lado há uma responsabilidade coletiva,
mesmo sob as ditaduras, do ponto de vista ético, assim como
responsabilidades criminais individualizáveis.
Alguém já leu o texto Verdade e reconciliação, de Jacques Derrida, publicado
no Brasil num belo livro que se chama *Pensar a desconstrução*? Pois vale
pena ler a reflexão que Derrida faz sobre a transição na Africa do Sul,
sobre a verdade da reconciliação e sobre a reconciliação da verdade. Pois
sem verdades, não haveria propriamente como se falar em reconciliação...
Por fim, só mais um comentário sobre traduções: por que traduzir Carl
Schmitt? Por que não Hermann Heller, Karl Loewenstein, Hans Kelsen, Franz
Neumann, Ernst Fraenkel, Otto Kirchheimer? Por que Schmitt? Haveria uma
obsessão por Carl Schmitt? Eu repito, a que ou a quem se presta uma
tradução? A que ou a quem se presta uma tradução de Carl Schmitt? Qual
conhecimento, qual interesse? E isso depende muito, por outro lado, de quem
de convida para se fazer o prefácio, ou seja, ao modo com que o texto é
inserido no debate acadêmico e político, jurídico...
Mas será mesmo que interessaria a um De Sanctis, o santo, o suposto *Homo
Sacer*? Com toda aquela canalhice de que a Constituição não importa, por que
a Constituição não é a Constituição?
Enfim, eu espero que a tradução de Teoria do Partisan não sirva agora ao
argumento do Coronel Jarbas Passarinho de que na noite do esquecimento que
supostamente representaria a anistia todos os gatos são pardos... Pois o
guerrillero que resistiu à ditadura não é terrorista, terrorista é a
ditadura de 1964. Me digam, por favor, depois, da leitura do prefácio de
Habermas...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Dworkin e Obama

Eis a participação de Dworkin no debate "What' at stake" publicado em 6 de novembro de 2008 pelo New York Review of Books a respeito de Obama vs. McCaim.

Ronald Dworkin
John McCain's election would be a disaster for our Constitution. Conservatives have worked for decades to capture the Supreme Court with an unbreakable majority that would, in every case, reliably serve their cultural, religious, and economic orthodoxies. That goal has so far escaped them. Though Republican presidents have appointed seven of the nine justices now serving, only four of them—John Roberts, Antonin Scalia, Clarence Thomas, and Samuel Alito—are dependably rigid conservatives. Four other justices—two other Republican appointees, John Paul Stevens and David Souter, and the Democratic appointees Ruth Bader Ginsburg and Stephen Breyer—have voted consistently in favor of more liberal interpretations of the Consti-tution. The ninth justice—Anthony Kennedy—holds the crucial "swing" vote that has decided cases of capital importance, sometimes with the conservatives and sometimes with the liberals.
In recent decades another justice, Sandra Day O'Connor, was also a "swing" justice. (She resigned in 2005 and Bush replaced her with Alito.) Our constitutional law would be very different if O'Connor and Kennedy had been conservative ideologues of the kind McCain has promised to appoint. They joined liberals, for example, in refusing to overrule Roe v. Wade and end constitutional protection for abortion rights, in preventing capital punishment of children under eighteen, and in protecting homosexuals against laws making sex between them a crime. O'Connor joined liberals to provide a 5–4 majority that saved race-sensitive admissions programs in state professional schools, a crucial decision that, had it gone the other way, would have ended what has proved an indispensable strategy for reducing racial imbalance in the professions.
When O'Connor resigned, Kennedy's vote became even more crucial. He joined conservatives in some dangerous 5–4 decisions: approving a law banning so-called "partial birth" abortions, striking down sensible and nondiscriminatory plans to reduce racial isolation in public schools, and declaring that the Constitution's Second Amendment gives private citizens a constitutional right to own handguns. Still, the opinions in these cases were all somewhat guarded because the conservatives needed his vote and had to make qualifications to secure it. In other recent cases he voted with the liberals to restrict capital punishment and—in probably his most important vote—to deny Bush's appalling claim that any foreigner he designated an unlawful enemy of America could be held indefinitely without any form of judicial review.
If McCain wins, however, Kennedy's vote would probably be irrelevant and his influence negligible because Mc-Cain's first appointment would probably create an unstoppable rock-solid conservative majority for a generation or more. (Stevens is eighty-eight, Souter sixty-nine, and Ginsburg, Kennedy, and Breyer in their seventies.) We cannot predict all the important constitutional issues that might arise in that long period. But it seems likely that a solid ultra-conservative majority would finally wipe away all constitutional protection for abortion, which Scalia and Thomas have repeatedly vowed to do. Such a majority would also allow a significantly greater role for religion in public schools and public displays and occasions; effectively end any form of affirmative action in employment or education; cut back on protections for accused criminals; and again broaden the scope of capital punishment.
Most frightening of all, it would likely embrace the Bush administration's most extravagant claims of presidential power: the so-called unitary executive doctrine Garry Wills describes below, which allows the president dictatorial powers over all executive functions, including the power to wage war, spy on citizens, and detain and torture prisoners, ignoring any congressional constraint.
Obama's promise is as great as McCain's threat. His race and background would refute the charges of American racial arrogance that have helped recruit many angry terrorists. His remarkable and apparently near-unanimous appeal abroad—an appeal the insular Republicans scorn—would immediately help redeem our soiled international reputation. He has a striking, deep intelligence, and a gift for combining clarity and strong feeling in his writing and speeches; and he uses these qualities to expose and explain complexity rather than bury it under slogans. It is said that he lacks experience. On the contrary, he alone among prominent politicians has the experience that counts most in a threatening and densely interdependent world: the crucial experience of empathy. He has lived, and been poor, in both domestic and foreign worlds that few national politicians can even imagine.
We desperately need, most of all, a renaissance of international law and order. The Bush administration has nearly destroyed international law; it has debased our moral as well as our fiscal currency. America cannot face the growing terrorist threat effec- tively, or the equally menacing ter- rors of climate degradation, unless the world creates new institutions and doctrines of international law with genuine power and authority. That is an extremely difficult goal, but not impossible since the other great powers now have the same incentives we have to bring law back to the international realm.
The project cannot even begin, however, without a radical change in the mind-set of Americans, who should understand that we are no longer law-givers dictating to the world but partners who must accept compromise and risk as others do. Otherwise we will be pushed to history's back benches. As the first debate made plain, McCain embodies the national illusion of self-sufficient go-it-alone power. We need a president who has the intelligence, clarity, and passion to dispel that illusion. Obama's eloquence is among his most important qualifications, though Republicans mock him for it, because he can provide the mind-changing inspiration that democracies most need in times of crisis—what Lincoln gave us at Cooper Union and Gettysburg, and Roosevelt gave us in ending economic and then isolationist paralysis.
These reasons why Obama should be president make the stakes in this election even greater. Our economy is near catastrophic and worsening, unemployment and foreclosures are increasing, our foreign and military policies are disastrous, the Republican president is ridiculed and despised, the Republican candidate flails and lies. Even a mediocre Democratic candidate should win easily. If a remarkably distinguished candidate like Obama loses, this can be for only one reason. We Americans can do something great in November. Or we can do something absolutely terrible and then live with the shame of our stupid, self-destructive racial prejudice for yet another generation.
Frances FitzGerald

As provas virtuais no Brasil

O jornal "Valor Econômico" publica em 21 de novembro de 2008 matéria sobre a Justiça Trabalhista e as provas virtuais.

Irmãozinho, conte comigo amanhã no fórum." A mensagem, deixada em uma página pessoal do site de relacionamentos Orkut, foi suficiente para que a Justiça caracterizasse o falso testemunho de uma pessoa que havia negado haver uma relação de amizade com o réu de um processo trabalhista. Em outra ação judicial, um vídeo exposto no site YouTube foi aceito pela Justiça do Trabalho como prova para que fosse mantida a demissão por justa causa de um funcionário da empresa Têxtil Tabacow. Situações como essas ilustram a expansão do uso de novas tecnologias como provas em ações judiciais - que, a julgar pelos primeiros casos que se tem notícia, estão sendo bem recebidas pelos juízes, a exemplo da já consolidada aceitação de e-mails como documentos em ações judiciais e da utilização de vídeos, essa já há mais tempo.
Nos últimos anos, e-mails vêm sendo amplamente aceitos como provas em processos trabalhistas - como acusações de assédio moral e sexual, por exemplo - e penais, em casos de vazamento de informações sigilosas de empresas em ações judiciais de concorrência desleal. Agora, é a vez de os magistrados terem que lidar com o exame de novos tipos de "provas virtuais". Como no caso julgado pela 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba, no interior de São Paulo, em que um ex-auxiliar de expedição da Têxtil Tabacow tentava reverter sua dispensa por justa causa alegando que foi imotivada. A demissão ocorreu porque a empresa tomou ciência de um vídeo no YouTube no qual o funcionário realizava manobras perigosas com uma empilhadeira da empresa sem sua autorização, colocando em risco equipamentos e vidas. Ao analisar o vídeo, a juíza Elizabeth Priscila Satake Sato indeferiu o pedido do trabalhador por considerar que ele utilizou a máquina de forma indevida, "brincando" durante o horário de trabalho. Segundo o advogado Fernando de Morais Pauli, do escritório Marcos Martins Advogados Associados, que defende a empresa, a nova prova pôde ser enquadrada no quesito "mau procedimento" do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata da justa causa.
Dados e imagens armazenados no Orkut são outra novidade na hora de levantar provas contra réus ou mesmo impugnar depoimentos de testemunhas. Ao defender uma empresa em uma ação trabalhista, o advogado Guilherme Gantus, do escritório Gantus Advogados, mostrou ao juiz o registro de uma página no Orkut, que havia sido apagada, com depoimentos carinhosos de uma das testemunhas destinados ao reclamante, que tentava caracterizar o vínculo empregatício. Em uma delas, inclusive, a testemunha fazia referência ao julgamento - como ela havia dito que não tinha nenhum laço de amizade com o trabalhador, o juiz acatou a prova, impôs ao trabalhador uma multa de R$ 2 mil por litigância de má-fé e determinou a apuração de crime de falso testemunho.
A decisão não é isolada. Em março, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região proferiu uma decisão contra onze alunos que ingressaram na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por meio do sistema de cotas por considerar que se tratavam de pessoas de classe social privilegiada - a desembargadora levou em consideração fotos de viagens internacionais expostas pelos cotistas no Orkut. Em outra ação defendida pelo advogado Fernando de Morais na 2ª Vara do Trabalho de Assis, em São Paulo, a Justiça aceitou o testemunho de uma depoente que participava da mesma comunidade que o réu no Orkut, por entender que, a despeito da modernidade da situação, o compartilhamento de comunidades pela internet não retrata intimidade suficiente que comprometa o depoimento.
As provas levantadas em casos de crimes eletrônicos, por sua própria natureza, envolvem cada vez mais o uso de tecnologias avançadas. "Todas as provas do meio físico estão migrando para o eletrônico e os juízes têm que se familiarizar com isso", diz Rony Vainzof, do escritório Ópice Blum Advogados, especializado em crimes cibernéticos. Segundo ele, em recentes ações judiciais acompanhados pela banca foi comum o acesso à internet por meio de celulares para a prática de fraudes bancárias ou o envio de dados sigilosos de empresas - já que desta forma é mais difícil rastrear o crime. O advogado conta que, em um caso ocorrido em Portugal, a Justiça aceitou como prova um "torpedo" enviado para o celular de um criminoso para condená-lo à prisão. Ele teve o aparelho apreendido ao ser revistado na rua pela polícia e em uma das mensagens havia informações sobre a prática de tráfico de drogas. Em outra ação defendida pelo escritório Opice Blum, a prova usada foi um perfil falso criado por um ex-funcionário de um banco no Orkut onde ele anunciava vender milhares de senhas de acesso a cartões de crédito. Já o advogado David Rechulski, da banca Rechulski e Ferraro Advogados, também especializado em cibercrimes, teve que comprovar, em uma ação judicial, que houve uma invasão na uma rede de internet sem fio de seu cliente para atestar que ele não participou de crimes pela rede. Segundo Rechulski, o processo ainda está em curso e foi demonstrado ao juiz que há softwares e vídeos no YouTube que ensinam usuários a quebrarem redes de segurança, operação que levaria apenas quatro minutos.
O avanço de softwares em áreas específicas também vem auxiliando a produção de provas - como no caso da maquete de uma empresa construída por meio de um software de arquitetura para uso na defesa de uma seguradora. Segundo o advogado Ernesto Tzirulnik, da banca que leva seu nome e responsável pela produção da prova, a idéia é demonstrar ao juiz que a lista de bens apresentada pela empresa, após um incêndio, não era verídica. "Vamos levar a maquete ao Fórum João Mendes", diz Tzirulnik.

A Justiça americana e os prisioneiros de Guantanamo

O jornal "Estado de São Paulo" de 21 de novembro de 2008 publica a seguinte matéria sobre os prisioneiros de Guantanamo.

Juiz manda soltar 5 presos em Guantánamo
Tribunal federal julga ilegal a detenção, sem provas, de suspeitos de terrorismo na base militar americana

Um juiz federal de Washington ordenou ontem a libertação de cinco argelinos presos sem acusação formal há sete anos na base militar de Guantánamo, em Cuba. O juiz Richard Leon não aceitou as provas apresentadas pelo governo, que garante que os argelinos pretendiam viajar ao Afeganistão para combater as forças americanas. É a primeira vez que um tribunal civil rejeita provas apresentadas pela Casa Branca.Em um veredicto pouco comum, Leon fez um pedido para que o governo não recorra de sua decisão. “Sete anos esperando uma resposta de nosso sistema legal é tempo suficiente”, escreveu o juiz. O Departamento de Justiça afirmou ontem que analisaria novamente o processo antes de decidir se apelaria ou não. A Casa Branca disse ontem que “discorda” do veredicto. Analistas afirmaram que é muito provável que o governo recorra e tente adiar ao máximo a libertação dos presos. A estratégia é empurrar ao máximo o problema para o próximo governo, que assume em janeiro.O veredicto é conseqüência da decisão da Suprema Corte, que em junho determinou que os suspeitos de terrorismo presos em Guantánamo têm o direito de recorrer a tribunais federais para serem libertados. Em outubro, um juiz federal já havia se aproveitado da decisão e ordenado a libertação imediata de 17 prisioneiros chineses da etnia uigur, também detidos em Guantánamo. Na ocasião, a Casa Branca anunciou que não recorreria da decisão porque não considerava os chineses uma ameaça à segurança nacional, mas pediu um adiamento da execução da sentença porque não sabe o que fazer com os chineses. Sem ter para onde ir, eles continuam presos - a China se recusa a recebê-los, enquanto o governo Bush não admite soltá-los nos EUA. O caso irá a julgamento novamente na segunda-feira. O governo alega que um juiz federal não tem autoridade para libertá-los em território americano.RECURSO Os cinco argelinos - Lakhdar Boumediene, 42 anos, Mustafa Ait Idir, 38 anos, Mohamed Nechla, 40 anos, Hadji Boudella, 43 anos e Saber Lahmar, 39 anos - foram presos em 2001 na Bósnia, onde moravam, e levados para Guantánamo. Desde então, estão presos sem acusação formal nem julgamento marcado. O governo garante que eles planejavam viajar até um dos campos de treinamento da Al-Qaeda no Afeganistão, mas a defesa afirma que os cinco foram presos por engano.No entanto, o juiz considerou que um sexto prisioneiro argelino, Belkacem Bensayah, deve ser mantido encarcerado na base por haver evidências de sua ligação com a Al-Qaeda. Os advogados de Bensayah, porém, recorrerão da decisão

Memória da Constituinte de 1987/1988

http://www2.camara.gov.br/constituicao20anos/ Este é o endereço eletrônico sobre a memória da Constituinte de 1987/1988 enviado pelo prof. Marcelo Cattoni da UFMG de Direito.

A inspiração de Gilmar Ferreira Mendes

A doutoranda de direito da puc-rio Procuradora da República Dra. Monica Re envia para postagem a seguinte matéria complementando todo o material do Caderno Mais do jornal "Valor Economico" de 21 de novembro de 2008.
A inspiração para Gilmar Mendes


Muito antes de chegar à Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF),
Gilmar Mendes era influenciado por Peter Häberle e a ligação que ele fez
entre o pensamento do pesquisador alemão e o Brasil alteraram as
práticas de interpretação de leis pela Corte.Ruy Baron / Valor

Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal: "Cabe ao STF propor uma
abertura que possibilite o oferecimento de alternativas para a
interpretação constitucional"
A primeira tradução de Häberle para o Brasil foi realizada por Mendes,
em 1997, quando ele trabalhava na Casa Civil da Presidência da
República, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Mendes traduziu "A Sociedade Aberta e os Intérpretes da Constituição" na
época em que concluía projetos de lei sobre a maneira pela qual o STF
deveria julgar três tipos de ações cujos efeitos não se limitam às
pessoas envolvidas no processo, mas afetam todos os cidadãos O resultado
é que essas leis permitiram a ampla participação de grupos e de pessoas
distintas nos julgamentos.
A lei que disciplina os julgamentos das ações diretas de
inconstitucionalidade (Adins) perante o STF (Lei nº 9.868) contém idéias
diretas de Häberle. Ela prevê a realização de audiências públicas antes
dos julgamentos e a participação de grupos e pessoas que não estão no
processo, mas possuem interesse direto na decisão (os "amici curiae", ou
"amigos da Corte"). Essa mesma lei disciplinou os julgamentos das ações
declaratórias de constitucionalidade (ADCs) - propostas pelo governo
federal para que o Supremo declare a validade de alguma lei. É por causa
das idéias de Häberle que a lei prevê a participação de outras pessoas
nessas ações - e não apenas do autor e do réu.
As idéias de Häberle também levaram à abertura do STF no julgamento de
Argüições por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs). Essa ação é
usada para que associações e partidos levem diretamente ao STF um
assunto que se encontra em debate nos demais tribunais do Brasil. As
ADPFs são reguladas pela Lei nº 9.882, cujo projeto foi redigido por
Mendes no momento em que ele traduzia o autor alemão.
A abertura prevista nessas leis ainda não foi totalmente explorada pelo
STF. As leis redigidas por Mendes com a inspiração de Häberle prevêem a
convocação de peritos e de comissões para ajudar a formar a opinião dos
ministros do Supremo.
Os ministros também podem convocar juízes de outros tribunais para que
estes digam como estão aplicando a lei em debate. Esses dois mecanismos,
apesar de previstos em lei há quase dez anos (as leis foram aprovadas em
1999), ainda não foram utilizados pelo STF.
"Saibam que somos de alguma forma devedores de Häberle", enfatizou
Gilmar Mendes em recente palestra na Câmara dos Deputados, quando citou
a influência do pesquisador alemão nessas leis. Foi a partir da leitura
de Häberle que Mendes declarou, durante o julgamento das pesquisas com
células-tronco, que o STF é o "representante argumentativo" da
sociedade e chamou o tribunal de "casa do povo".
Em conversa com o Valor, Mendes defendeu as duas concepções centrais de
Häberle: de um Supremo aberto à sociedade e a visão de que a
Constituição é dinâmica e deve ser interpretada no tempo.
Valor: De que forma Peter Häberle influenciou o Supremo Tribunal
Federal?
Gilmar Mendes: O STF adquiriu um papel muito importante na
reinterpretação de normas que tinham um conteúdo fixo. É o que
aconteceu, por exemplo, na questão da fidelidade partidária e na Lei de
Greve. Häberle diz que a Constituição é um projeto em contínuo
desenvolvimento. E, portanto, cabe ao STF propor uma abertura que
possibilite o oferecimento de alternativas para a interpretação
constitucional.
Valor: Então, cabe ao STF se abrir aos diversos grupos de interesse da
sociedade?
Mendes: Häberle foi buscar essa concepção na prática. Quando a sociedade
delega a uma Corte o papel de dar a última palavra sobre o que é a
Constituição, Häberle diz que os juízes não são as vozes da
Constituição, mas porta-vozes de uma sociedade que interpreta a
Constituição. Ele trouxe uma atitude metodológica de cuidado. Isso dá
certa legitimação para a Corte. Por isso é que naquele voto sobre as
pesquisas com células-tronco eu disse que a Corte de certa forma também
representa o povo.
Valor: Quando o sr. conheceu essa teoria?
Mendes: Quando estudei na Alemanha, no fim dos anos 80. Chamou muito a
minha atenção. Häberle ganhou muita influência, até de modo indireto. O
STF é o local desse processo de interpretação da Constituição, mas, na
medida em que escuta outras forças, assume outro papel. Häberle nos diz
que não se pode interpretar questões ligadas à liberdade artística sem
perguntar para o artista. Nesses casos, você tem de entender o artista.
Da mesma forma, você tem de ouvir o religioso para compreender a
liberdade religiosa.
Valor: O que é mais importante em sua teoria?
Mendes: Häberle afirma que todo cidadão é um intérprete ativo da
Constituição. Esses elementos estão muito impregnados no Supremo, hoje,
com o "amicus curiae", com as audiências públicas. A grande contribuição
dele é para a entrada das pessoas no processo de interpretação. Isso
obriga o intérprete [ministro do STF] a ter certa humildade.
Valor: Hoje, o STF é elogiado por se abrir à sociedade, mas a idéia de
que o texto constitucional deve ser revisto no tempo ainda é bastante
criticada. Por quê?
Mendes: Häberle diz que interpretação e mutação constitucional são a
mesma coisa. Agora, o problema todo é que em sociedades como a alemã há
um consenso básico sobre as questões fundamentais. A sociedade alemã não
tem muitas distinções. Lá, é tudo muito estável. Não há grandes
dissensos. Algumas das idéias dele são repelidas por teóricos na
Alemanha. Acham que ele dissolve a Constituição. Na medida em que
desvincula o intérprete do texto constitucional, o texto perderia essa
vinculatividade.
Valor: E nos outros países ele tem destaque?
Mendes: Na América Latina ele ganhou muita importância. Suas idéias
tiveram influência na Argentina, na Colômbia e no Peru, além do Brasil.
Valor: Ele também fala da importância cultural da Constituição.
Mendes: Sim. Häberle desenvolveu uma concepção "culturalística" da
Constituição. Ele procura verificar como aspectos da cultura se
introjetam na Constituição. As representatividades da sociedade que se
encontram na cultura e nos símbolos nacionais.

A pedagogia dos Direitos Fundamentais

Para compreendermos a dimensão do pensamento de Häberle postado abaixo segue a análise de Juliano Basile publicada no jornal "O Valor Econômico" de 21 de novembro de 2008.

Dantas e a 'pedagogia dos direitos fundamentais'

As idéias do alemão Peter Häberle ajudam a compreender duas tendências importantes do Supremo Tribunal Federal (STF): a visão de que os ministros devem ouvir pessoas comuns interessadas no resultado dos julgamentos e a noção de que a Constituição é dinâmica e deve ser interpretada no tempo.

Essas idéias foram aplicadas em julgamentos de grande repercussão nos últimos meses, como a autorização para pesquisas com células-tronco, o julgamento da reserva indígena Raposa Serra do Sol e a aplicação da lei de greve do setor privado para o funcionalismo.

Há, no entanto, uma terceira tendência hoje bastante intensa na Corte nos julgamentos envolvendo casos de corrupção e operações da Polícia Federal. Ao julgar esses processos, os ministros concluíram que devem atuar na proteção dos direitos fundamentais, mesmo quando percebem que as decisões serão condenadas pela opinião pública.

Foi dentro desse contexto que o STF concedeu habeas corpus para o banqueiro Daniel Dantas, preso durante a Operação Satiagraha, e o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, fez críticas públicas à "espetacularização" das ações da PF. O que surge para a opinião pública como ações de combate à corrupção chega para o STF na forma de debates abrangendo diversos direitos fundamentais, como os de o acusado não ser algemado, não ser filmado preso, de não grampearem o seu telefone indiscriminadamente, de ele saber do que é acusado no momento em que está sendo preso.

O fato é que os acusados em operações da PF recorrem ao tribunal contestando os procedimentos utilizados nessas operações. Nesses processos, o STF tem atuado contra os apelos da opinião pública, que pede a prisão e a condenação de "poderosos", como banqueiros e políticos.

"O tribunal não teme os veredictos imediatos da opinião pública", afirmou Mendes, em 11 de agosto, no auge dos debates sobre a Satiagraha. "Pelo contrário. Se for necessário, ele arrasta a opinião pública com toda a tranqüilidade, porque sabe que a jurisdição constitucional, sobretudo, se faz com essa concepção anti ou contra-majoritária."

Dois dias depois, em 13 de agosto, o tribunal aprovou súmula vinculante para restringir o uso de algemas pela PF. Na ocasião, os ministros advertiram a PF que as prisões poderiam ser anuladas e os processos também, caso continuasse o que eles qualificaram como um "abuso" no uso de algemas. Em 6 de novembro, eles confirmaram as liminares que garantiram ao banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, o direito a responder em liberdade pelas acusações de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e suborno na Satiagraha. Na ocasião, o relator do processo, ministro Eros Grau, apontou para o fato de haver ocasiões em que "é a própria sociedade que clama, de quando em quando, pela suspensão da ordem constitucional". "Esse é o drama que suportamos", admitiu.

Esse. movimento está sendo chamado pelos ministros de "pedagogia dos direitos fundamentais". Eles argumentam que o STF cumpre um papel diferente dos demais poderes: o de alertar para ilegalidades, mesmo quando todos pedem a punição de um suspeito. Dessa forma, os ministros reconhecem que há ocasiões em que o STF tem de ir na contramão para garantir determinados direitos. Quando há um clamor na sociedade por algemas, prisões, punições, os ministros podem optar por um caminho diferente e, sabendo que são minoria, ainda enfatizam que eles é que estão com a razão e ensinando todos nesse processo

Häberle e o STF

O jornal "Valor Econômico" de 21 de novembro de 2008 traz essa sensacional entrevista com Peter Häberle.
Considerado o "príncipe do constitucionalismo" na Europa, Peter Häberle adquiriu tremenda influência no Supremo Tribunal Federal (STF). Se na Europa ele defendeu a idéia de um Estado Constitucional cooperativo, no qual as decisões tomadas por cada Suprema Corte devem rumar para além da soberania dos Estados nacionais, no Brasil pelo menos dois movimentos distintos e complementares do STF têm inspiração em suas teses.
Ruy Baron / Valor
Peter Häberle, que desenvolveu o conceito de "sociedade aberta", pelo qual o STF é visto como uma instância de participação das pessoas nas decisões

Primeiro, a abertura dos julgamentos do STF para que qualquer pessoa interessada no resultado possa se manifestar antes da decisão final. Häberle desenvolveu o conceito de "sociedade aberta", pelo qual o STF é visto como uma instância de participação das pessoas nas decisões. Segundo ele, como as decisões vão atingir diferentes grupos e pessoas, o STF deve se abrir para que todos possam se manifestar nos julgamentos. Esse conceito está transformando o STF atual. Antes, o tribunal era uma casa restrita a advogados e só falavam aqueles que tinham carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Hoje, cientistas, médicos, pessoas comuns estão levando os seus "memoriais" aos ministros e influenciando nas decisões finais do Supremo.

Foi seguindo essa linha de Häberle que o STF permitiu a igualdade de manifestações entre pessoas opostas - como quando o ex-ministro Francisco Rezek falou em defesa de donos de terras em Roraima e a índia Joênia Batista de Carvalho pela demarcação de áreas para sua tribo. Tradicionalmente relegados ao papel de espectadores, os cidadãos comuns passaram a dar explicações diretamente aos ministros. Resultado: o STF se popularizou.

O segundo movimento é a noção de que a Constituição é um texto mutável e, portanto, sua interpretação deve ser alterada para atender às demandas do momento. Para Häberle, os ministros do STF devem reconhecer a Constituição como um ponto de partida, não como um fim. A Constituição não é estática, pois faz parte da dinâmica da sociedade e sua interpretação deve ser feita no tempo. Esse conceito levou à nova definição de fidelidade partidária pela qual o STF reconheceu que os mandatos políticos são dos partidos e não daquele que se elegeu.

Se a abertura do STF é bastante elogiada, esse segundo movimento é alvo de críticas constantes de advogados, cientistas políticos e parlamentares que vêem no Supremo esforços de "ativismo judicial" e de supressão do espaço de legislar do Congresso.

De qualquer modo, Häberle é o pensador que mais influenciou o STF nos últimos anos. Nascido em Göppingen, em 1934, leciona em Bayreuth, ambas na Alemanha. Nos últimos anos, recebeu títulos de professor honoris causa em Atenas, Granada, Lima e Brasília, onde, depois de palestra na Câmara dos Deputados, conversou com o Valor.

Nos últimos meses, Häberle tem feito análises culturais de várias constituições. Ele está verificando como os símbolos nacionais figuram nelas. Concluiu que tanto a cultura erudita quanto a popular devem ser valorizadas. "Os Beatles foram inicialmente compreendidos como subcultura, mas analisei as partituras e compreendi que eles são tão importantes quanto Brahms." Leia trechos da entrevista.

Valor: O Supremo está utilizado mecanismos inovadores, como audiências públicas e a participação de pessoas e grupos de interesse durante os julgamentos (os "amici curiae" ou "amigos da Corte"). O Brasil caminha para uma "sociedade aberta", como o sr. diz, na interpretação da Constituição?

Peter Häberle: Para mim, a Suprema Corte brasileira está no melhor caminho de transformar-se num verdadeiro "tribunal cidadão". O STF serve à Constituição de 1988 de modo exemplar e se abre à sociedade.

Valor: Pessoas comuns são capazes de prover mais e melhores informações ao Supremo do que advogados renomados, integrantes do Congresso ou partidos políticos?

Häberle: A instituição dos "amici curiae" é um veículo efetivo para tornar a Constituição um processo público, no sentido de dar publicidade e liberdades públicas aos cidadãos. Graças à sua independência interna e externa e ao seu apartidarismo, os ministros podem informar-se especialmente bem, de modo transparente, em proximidade com o cidadão. Os parlamentares e os partidos mantêm suas competências.

Valor: O Congresso perde parte do seu poder quando o STF amplia a participação popular em seus julgamentos?

Häberle: O status dos parlamentares permanece incólume. Não deve haver nem no plano real nem no psicológico uma situação de confronto entre a Suprema Corte e o Congresso. Trata-se, pelo contrário, de uma cooperação com tarefas divididas a serviço do poder normativo da Constituição dentro dos limites funcionais-jurídicos do STF.

Valor: Há risco de o STF atuar como legislador num processo de "judicialização da política"?

Häberle: A pecha da "judicialização da política" e da "politização do direito" é antiga. É também repetidamente levantada contra a Corte Constitucional alemã. A jurisdição constitucional tornou-se universal, hoje, tendo-se transformado num elemento tão bem-sucedido quanto o "Estado Constitucional". Esse reforço cauteloso do poder jurídico-constitucional deve ser saudado.

Valor: Esse é um fenômeno que ocorre também na Alemanha?

Häberle: Na Alemanha, houve a decisão de que as Forças Armadas são uma força do Parlamento. A delimitação do poder do governo federal alemão em caso de seu emprego no exterior também se enquadra nesse conceito. É claro que, quando uma corte constitucional invade com ousadia exagerada a esfera político-partidária, pode pôr em risco a própria autoridade. Aqui é fundamental que haja sensibilidade do julgador: a Corte deve trabalhar no "consenso básico" de uma Constituição, mas também depende dele. A Corte Constitucional alemã está sempre criando novos direitos fundamentais.

Valor: Como se dá o desenvolvimento do "ativismo judicial"?

Häberle: Visto sob a ótica do direito comparado, há fases do "ativismo judicial". Após o "annus mirabilis" de 1989 ("ano milagroso", em que houve a queda do Muro de Berlim, a reunificação da Alemanha e o colapso da União Soviética), os tribunais constitucionais da Hungria e Polônia, por exemplo, se empenharam muito no sentido de pôr em marcha as novas constituições reformistas. Agora, podem retrair-se para deixar mais espaço para os parlamentos. Algo semelhante poderia aplicar-se, hoje, no Brasil, até sua Constituição ganhar plena realidade. O STF deve atuar como órgão constitucional de peso. Não esqueçamos que o STF com certeza está democraticamente legitimado. No geral: todos os cidadãos, todos os partidos e todos os órgãos constitucionais são, em conjunto, "guardiões da Constituição".

Valor: O sr. se sente de alguma forma responsável por esse movimento de abertura do STF? É bom saber que, por causa de suas idéias, uma índia subiu ao plenário do STF pela primeira vez para defender direitos de sua tribo?

Häberle: Seria um atrevimento afirmar qualquer coisa quanto às minhas idéias e suas eventuais conseqüências no Brasil, apesar de aqui terem sido publicados cinco livros meus. Mas devo dizer: já faz anos que venho rejeitando o conceito clássico da "soberania popular". No "Estado Constitucional" engajado cooperativamente no plano regional e internacional, o povo não é soberano. Dever-se-ia falar em "soberania da Constituição". Ou, então, riscar totalmente o conceito de soberania. As constituições mais recentes nem falam mais em "povo" como constituinte, mas em: "Nós, as cidadãs e os cidadãos de Brandenburgo, outorgamo-nos esta Constituição".

Valor: A Constituição de 1988 possui 250 artigos e 94 disposições transitórias. O sr. acha que uma Constituição extremamente detalhista leva o STF a ter um papel central na sociedade?

Häberle: A Constituição brasileira é, em diversas partes, exemplar no seu conteúdo [por exemplo, em assuntos de política urbana], enquanto em outras é barroca e detalhista. Constituições mais resumidas dão mais espaço aos intérpretes no curso do tempo. Além disso, seus artigos podem ser mais facilmente ensinados e aprendidos nas escolas. A Constituição alemã de 1949 com, infelizmente, mais de 50 emendas, é relativamente sucinta. Isso dá também mais espaço para a Corte Constitucional e para a ciência.

Valor: Os "amici curiae" contribuem para transformar a cultura do STF de acadêmica em popular? Como o sr. disse, os Beatles teriam papel mais importante do que Brahms nesse processo?

Häberle: Citei os Beatles em minha palestra como exemplo do conceito cultural pluralista e aberto. É a ascensão da cultura alternativa para a esfera da cultura elevada. Mas falando sério: não se deveria jogar artesanato e arte do saber jurídico contra o trabalho dos juízes constitucionais que tenham proximidade com o cidadão. Ambos são necessários.

Valor: O sr. disse também que quatro elementos caracterizam a identidade brasileira: língua, religião, futebol e música. Como relacioná-los com a Constituição?

Häberle: As constituições devem apoiar-se em elementos que mantêm unido um povo no que lhe é mais íntimo como comunidade de cidadãos. Numa compreensão científico-cultural da Constituição de 1988, os quatro elementos mencionados ganham visibilidade. No Brasil e em outras constituições latino-americanas que protegem a cultura sempre que se fala a respeito de idioma, esporte, música se descobre algo.

Valor: Como relacionar os símbolos nacionais, como hino e bandeira, com a Constituição? Por que o sr. afirmou que a bandeira brasileira não tem uma relação com a Constituição?

Häberle: Em meu livro "Bandeiras Nacionais como Elementos Democráticos de Identificação do Cidadão", faço elogios à sua bandeira tanto do ponto de vista estético quanto do geométrico e, também, em relação às suas cores. O lema "Ordem e Progresso" pode estar subjacente em algumas normas constitucionais, mas, infelizmente, o rico material cultural de sua bandeira não foi expressamente recepcionado em nenhum artigo da Constituição

O pluralismo jurídico no contexto religioso

O Prof. Farlei Martins envia-nos essa notícia publicada no jornal "New York Times" de 19 de novembro de 2008 para compreendermos a noção do pluralismo jurídico.
Tribunais islâmicos no Reino Unido não são novos, mas o furor é

A mulher vestida de preto queria um divórcio islâmico. Ela disse ao juiz
religioso que seu marido batia nela, a xingava e queria que ela morresse.
Mas seu marido era contrário, e o estudioso islâmico que julgava o caso
parecia determinado a manter o casal unido. Assim, ao pressentir a derrota,
ela trouxe sua arma secreta: seu pai.
Um homem barbado vestindo túnica longa entrou no recinto e descreveu seu
genro como sendo um homem colérico que enganou sua filha, fugiu da polícia e
humilhou sua família.
O juiz prontamente mudou sua posição e recomendou o divórcio.
Esta é a justiça islâmica, estilo britânico. Apesar do ruidoso debate
nacional em torno dos limites da tolerância religiosa e da preeminência da
lei britânica, os princípios da Shariah, ou lei islâmica, estão cada vez
mais sendo aplicados na vida cotidiana em cidades por todo o país.
A Igreja da Inglaterra possui seus próprios tribunais eclesiásticos. Os
judeus britânicos também contam com seus tribunais "beth din" há mais de um
século.
Mas desde que o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, pediu em fevereiro
para que aspectos da Shariah islâmica fossem abraçados ao lado do sistema
legal tradicional, o governo tem enfrentado um furor público em torno da
questão, aplacando os críticos ao mesmo tempo em que tenta tranqüilizar uma
desconfiada e às vezes insatisfeita população muçulmana de que suas
tradições têm um lugar na sociedade britânica.
Encaixotado entre os dois lados, o governo adotou uma posição tanto
cautelosa quanto confusa, um sinal de quão volátil pode se tornar quase toda
discussão sobre o papel dos quase 2 milhões de muçulmanos do Reino Unido.
"Não há nada na lei inglesa que impeça as pessoas de obedecerem os
princípios da Shariah se desejarem, desde que não entrem em conflito com a
lei inglesa", disse o ministro da Justiça, Jack Straw, em outubro. Mas ele
acrescentou que a lei britânica "sempre permanecerá suprema" e que
"independente da crença religiosa, nós todos somos iguais perante a lei".
Tanto conservadores quanto liberais - muitos deles alheios ao fato de que
tribunais islâmicos já estão em funcionamento há anos- têm repetidamente
condenado os tribunais como substitutos ruins para a jurisprudência
britânica. Eles argumentam que os procedimentos dos tribunais islâmicos são
sigilosos, sem responsabilidade e sem padrões para o treinamento ou decisões
dos juízes.
Os críticos também apontam para os casos de violência doméstica, nos quais
os estudiosos islâmicos tentaram manter os casais unidos ao ordenarem os
maridos a se submeterem a cursos de controle da raiva, deixando as esposas
tão intimidadas a ponto de retirarem suas queixas da polícia.
"Eles são reféns do acaso", disse Parvin Ali, diretora fundadora da Fatima
Womens's Network, um grupo de ajuda às mulheres com sede em Leicester.
Falando a respeito dos tribunais, ela disse que "não há monitoramento
externo, nenhuma proteção, nenhum registro é mantido, nenhuma garantia de
que a justiça prevalecerá".
Mas enquanto continua o alvoroço, a popularidade dos tribunais entre os
muçulmanos tem aumentado.
Alguns dos conselhos informais, como são conhecidos os tribunais, têm
aconselhado e julgado muçulmanos há mais de duas décadas. Mas os conselhos
cresceram significativamente em número e proeminência nos últimos anos, com
alguns estudiosos islâmicos informando um aumento de 50% dos casos desde
2005.
Quase todos os casos envolvem pedido de divórcio por mulheres, e por meio do
boca a boca e de um uso ambicioso da Internet, tribunais como o prédio
pequeno e sem adornos em Londres, onde o pai veio defender o caso de sua
filha, se tornaram ímãs para mulheres muçulmanas que buscam escapar de
casamentos sem amor - não apenas no Reino Unido, mas às vezes também na
Dinamarca, Irlanda, Holanda e Alemanha.
Outras causas envolvem disputas em torno de propriedades, trabalho, heranças
e lesões corporais. Os tribunais se abstêm de casos criminais que possam
exigir a imposição de punições como chicotadas ou apedrejamento.
De fato, a maioria das decisões dos tribunais não são sustentadas pela lei
civil britânica, mas para as partes que se apresentam perante eles, os
tribunais oferecem algo mais importante: a autoridade de Alá.
"Nós não queremos passar a impressão de que os muçulmanos são uma comunidade
isolada em busca de um sistema legal separado neste país", disse o dr.
Shahid Raza, que julga as disputas em um centro islâmico em Ealing, no oeste
de Londres. "Nós não estamos pedindo por uma lei Shariah criminal - para que
mãos sejam decepadas ou ocorram apedrejamentos até a morte. Divórcios
representam 90% de nossos casos, nos quais as mulheres procuram alívio. Nós
estamos ajudando as mulheres. Nós estamos prestando um serviço."
Ainda assim, há bastante espaço para disputas com o costume britânico. Há
três meses, por exemplo, uma rica família bengalesa pediu o conselho de Raza
para resolver uma disputa de herança. Ela foi resolvida segundo a Shariah,
ele disse. Isso fez com que os herdeiros do sexo masculino recebessem duas
vezes mais do que as herdeiras do sexo feminino.

O Habeas Data no Uruguai

A nova lei de habeas data do Uruguai consta de informação postada no blog de Direito Administrativo sob a coordenação do Prof. Farlei Martins no dia 21 de novembro de 2008. É importante a notícia postada para comparar com o nosso Habeas Data que, infelizmente, não vem merecendo uma efetividade necessária como instrumento de garantia constitucional estrita.

Rubén Flores Dapkevicius, Professor de Direito Administrativo e Constitucional da Universidade da República do Uruguai, e colaborador permanente do blog de Direito Administrativo, divulga o artigo La nueva ley de habeas data en Uruguay nº 18331“. Neste trabalho, Dapkevicius analisa a recente lei nº 18331 do Uruguai sobre proteção de dados pessoais e ação de habeas data, e desenvolve um primeiro estudo sobre esta fundamental garantia dos Direito Humanos em um Estado Democrático de Direito.

Para uma análise comparada da legislação, leia a íntegra da Lei nº 9.507, de 12.11.1997, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data no direito brasileiro.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Alternativas para a política pública de medicamentos

Medidas alternativas segundo o jornal "Valor Econômico" de 20 de novembro de 2008 a respeito da política pública de medicamento.
Justiça busca alternativa em Ribeirão Preto
Uma iniciativa da Justiça de Ribeirão Preto (SP) pode ser um dos primeiros passos na tentativa de conter o número de liminares que determinam a concessão de medicamentos e tratamentos que não constam na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). As duas varas da Fazenda Pública da cidade criaram uma comissão formada por integrantes das secretarias municipal e estadual de Saúde e do Hospital das Clínicas para avaliar a viabilidade das demandas judiciais do tipo, munindo os magistrados de conhecimentos técnicos necessários para fundamentar a concessão ou a negativa das liminares.

Na Justiça, os pedidos se baseiam no artigo 196 da Constituição Federal, pelo qual o direito à saúde é dever do Estado. O aumento do número de ações judiciais que pleiteiam o custeio de medicamentos pela União e pelos Estados têm preocupado as secretarias de Saúde, que buscam estratégias para conter a demanda. Isto porque, muitas vezes, o cumprimento de decisões judiciais faz com que o orçamento da Saúde seja bloqueado. No Estado de São Paulo, R$ 400 milhões foram gastos em ações judiciais no ano passado para atender a 30 mil pacientes.

O trabalho no Judiciário riscos à saúde. "Uma decisão que deve ser tomada pelo Estado não pode ser ser substituída por decisões judiciais", diz Barata.de Ribeirão Preto começou a ser desenvolvido em 2005, quando a maioria dos 80 mil processos das duas varas da Fazenda Pública envolvia o tema. "Percebemos certa liberdade excessiva dos juízes em relação a concessão de medicamentos, muitas vezes por falta de conhecimento", disse o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública do município Julio Cesar Spoladore Dominguez, no seminário "Acesso a medicamentos" realizado ontem pelo Valor.

A solução foi criar uma comissão com especialistas da rede pública de saúde que passou a aplicar um questionário para cada pedido ajuizado - por exemplo, é preciso saber se a droga pleiteada possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), se há comprovação de sua eficácia e qual a viabilidade do governo adquiri-la por meio de licitações. Em alguns casos, a comissão chega a visitar o demandante e, em até 15 dias, fornece as informações ao juiz. "Agora temos mais segurança nas decisões", diz Dominguez.

A estratégia foi considerada exemplar pelo secretário estadual de Saúde de Sã os o Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata. Segundo ele, muitas vezes os remédios concedidos judicialmente apresentam séri

O descumprimento de súmula vinculante

O jornal "Valor Econômico" de 20 de novembro de 2008 noticia sobre o problema da aferição de critério sobre a insalubridade e ocasionando a questão de descumprimento de súmula.
A Súmula Vinculante nº 4, do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece que o salário mínimo não pode ser adotado como base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, tem se mostrado inaplicável, ao menos por enquanto. Ontem o Supremo negou uma liminar em uma reclamação ajuizada pelo Instituto Nacional de Administração Prisional (Inap) que contestava uma decisão da 1ª Vara do Trabalho de Cascavel, no Paraná, que contrariou a súmula ao fixar o mínimo como base de cálculo para o cálculo do adicional de insalubridade. Apesar de considerar inconstitucional essa forma de indexação, a ministra do Supremo, Cármen Lúcia, avaliou que ainda não há uma lei que discipline o tema.
Aprovada em maio, a Súmula Vinculante nº 4 considerou inconstitucional o artigo 192 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que utilizava o salário mínimo na fórmula de cálculo. A súmula foi editada para recepcionar uma determinação prevista no artigo 7º da Constituição Federal - que entrou em vigor 45 anos depois da CLT -, que proíbe o uso do mínimo para esse fim. A incerteza no Poder Judiciário teve início porque a súmula do Supremo também determina que uma nova forma de cálculo não pode ser definida por meio de decisão judicial, mas apenas pelo Poder Legislativo, por meio de lei. Mas, na ausência de uma lei, o Tribunal Superior do trabalho (TST) editou a Súmula nº 228, segundo a qual o adicional deveria ser calculado com base no salário profissional. Essa súmula, no entanto, foi suspensa pelo Supremo.
Desde então, os magistrados da Justiça do Trabalho não sabem como determinar o cálculo do adicional de insalubridade em milhares de processos em curso, e nas decisões que se tem conhecimento até agora tem sido mantida a antiga forma de cálculo. Foi o que ocorreu no caso da reclamação julgada pela 1ª Vara do Trabalho de Cascavel, na qual o mínimo foi utilizado como base para o benefício. O Inap pleiteou, em uma liminar impetrada no Supremo, a suspensão da decisão da vara na parte em que se refere ao adicional, por entender que foi desrespeitada a Súmula Vinculante nº 4. Mas a corte entendeu que não houve descumprimento da súmula, uma vez que não houve edição de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o adicional de insalubridade.
Na semana passada, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, em São Paulo, também adotou o mesmo entendimento da Justiça paranaense, embora por outro motivo. Ao julgar um recurso de uma empresa contra uma sentença de primeira instância que utilizou como forma de cálculo do adicional o piso salarial da categoria, o tribunal definiu o mínimo como base. Para o TRT, a Súmula nº 4 não se aplica ao adicional de insalubridade pois ele não representa nenhuma vantagem, e sim o pagamento de uma desvantagem, que é o trabalho em condições danosas à saúde.

A ampliação dos efeitos da modulação temporal

O jornal "Valor Econômico" de 20 de novembro de 2008 traz notícia bastante importante sobre a ampliação para outras instâncias do Poder Judiciário dos efeitos de modulação temporal a ser concretizado em declaração de inconstitucionalidade incidental.

TRF limita impactos de decisões judiciais
Com um entendimento inédito na Justiça federal, a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região vem aplicando uma versão adaptada do princípio da chamada "modulação" dos efeitos de decisões judiciais, regra utilizada até agora apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No caso do TRF, o tribunal limitou o impacto de um acórdão declarando a exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, mas fixou sua aplicação apenas a partir do trânsito em julgado da decisão, ou seja, não deu efeito retroativo à sua declaração. Com isso, o contribuinte não ganhou o direito de receber de volta o que foi recolhido indevidamente nos últimos cinco anos.

Há pelo menos oito decisões proferidas entre junho e outubro deste ano adotando a modulação em segunda instância na sétima turma do TRF. A turma foi a primeira do país a adotar a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, ainda em 2006, quando o Supremo havia proferido seis votos em favor dessa posição, mas adaptou seu entendimento neste ano com o início das discussões sobre a modulação dos efeitos da disputa na corte suprema.

Segundo as decisões do TRF, todas de relatoria do desembargador Tolentino Amaral e referendadas pela turma, apesar de o novo entendimento sinalizado pelo Supremo poder afastar a tributação futura, não teria eficácia, a partir de seu trânsito em julgado, para autorizar a repetição do indébito, ou seja, a devolução dos recolhimentos anteriores. Isso, explica, não apenas porque não foi concluído o julgamento do precedente no Supremo, mas porque a jurisprudência da corte tem se inclinado para a "modulação temporal" da eventual declaração de inconstitucionalidade. A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 18, que zerou o placar da disputa em torno do ICMS na base de cálculo da Cofins, está em julgamento no pleno do Supremo.

Segundo o desembargador, a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins derivava da interpretação dominante no fisco e na jurisprudência, inclusive fixado em uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ). "O fato novo (o julgamento do recurso extraordinário no Supremo) não pode, a bem da estabilidade das relações jurídicas, retroagir a ponto de dizer inexigíveis valores que, ao tempo em que recolhidos, ninguém duvidava que assim o fossem", afirma o acórdão. Com isso, fixa na ementa a eficácia da decisão a partir do seu trânsito em julgado.

Em decisões mais recentes, o desembargador passou a mencionar nos votos a pendência do julgamento da ADC nº 18, ajuizada em outubro do ano passado pela União, e onde se propôs pela primeira vez a possibilidade de modulação de uma eventual decisão contrária ao fisco. O Supremo acabou colocando a ADC em pauta em agosto deste ano, em substituição ao recurso extraordinário com votação iniciada em 2006, mas negou a medida cautelar na ação. O mérito ainda aguarda julgamento.

O único precedente de modulação da Justiça federal foi aberto em um acórdão proferido em outubro de 2007 pelo órgão especial do TRF da 5ª Região em favor da Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco (OAB-PE). Tratava-se de uma ação rescisória da Fazenda contra uma decisão transitada em julgado que isentava a Cofins das sociedades de profissionais liberais.

Especializado na disputa em torno da Cofins dessas sociedades, o advogado Rogério Aleixo, do escritório Aleixo Advogados, estudou a possibilidade de declarações de modulação em primeira instância nas suas ações, pois isso evitaria o surgimento de passivos tributários para clientes que haviam conseguido decisões favoráveis na Justiça em vista da jurisprudência da época. Para ele, a declaração de modulação propriamente dita só pode ser proferida pelo Supremo, mas nada impede que um tribunal atribua efeitos semelhantes à modulação em suas decisões. "Assim como um desembargador pode fazer uma declaração incidental de inconstitucionalidade, faz sentido que ele possa também modular os efeitos da decisão no caso concreto", diz. Segundo ele, algo semelhante ocorreu na disputa sobre as exclusões do Simples a partir de 1997. No TRF da 3ª Região, várias decisões negaram a retroatividade da exclusão, tendo em vista o impacto que a decisão do fisco teria sobre as empresas.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Juízes: Deuses ou cidadãos?

O texto abaixo publicado pela Folha de São Paulo em 19 de novembro 2008 procura responder a reflexão do juiz De Santis que fundamentou a sua opinião em Carl Schmitt.
A concepção adotada revela a visão absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz em uma ordem democrática
QUANDO INGRESSEI na magistratura, em janeiro de 1989, um magistrado que, na época, não aceitava bem a idéia de que mulheres pudessem fazer parte do Judiciário, disse em tom de chiste que não concebia mulher judicando porque, afinal, Deus era homem e, assim, os juízes só poderiam ser do sexo masculino. Acrescentou, com o gesto de uma lactante: imaginem uma mamada entre um despacho e outro!Não sei o que mais me chocou, se a discriminação contra as mulheres, que eram em número reduzidíssimo, ou se o fato de, ainda que em tom de brincadeira, algum juiz pudesse se considerar um ser divino -portanto, com poderes absolutos e ilimitados.Essas lembranças vieram à tona ao ler na edição da Folha de 11/11 uma frase que teria sido dita por um juiz: "A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso ( ...) não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt". Teria ainda acrescentado que determinados delitos "obrigam à adoção de atitudes não-ortodoxas".A idéia de que cada juiz é a própria Constituição ou o verdadeiro soberano encarna o totalitarismo do qual a humanidade foi vítima recente.Valiosa a lição de Roberto Romano, que, referindo-se a Carl Schmitt, diz: "Escutemos nosso realista: "o führer defende o Direito contra os piores abusos quando, no instante do perigo e em virtude das atribuições de supremo juiz, as quais, enquanto führer, lhe competem, cria diretamente o Direito". O magistrado sublime decide: certos indivíduos, grupos, setores sociais, étnicos e religiosos são amigos ou inimigos. Dadas as premissas, conhecemos as conseqüências. É relativamente fácil recuar, horrorizados, diante do decisionismo jurídico. Suas mãos mostram excrementos de sangue" (prefácio de "Razão Jurídica e Dignidade Humana", de Marcio Sotelo Felippe).A concepção adotada revela a visão absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz em uma ordem democrática. Os juízes e o Judiciário estão subordinados ao povo, nos termos do ordenamento jurídico democraticamente construído, e não podem se sobrepor a isso supondo-se eles mesmos o espírito do povo. É a "polis" que determinou, na Constituição e nos tratados internacionais, qual é a sociedade que almeja, sob quais princípios, fundamentos e patamares éticos. O juiz não substitui essas diretrizes pelas suas.No que tange à matéria penal e processual penal, inaceitável supor conduta "não-ortodoxa", pois são temas em que é intensa a intervenção do Estado no plano da liberdade. Os limites são rígidos e não podem ser ultrapassados, muito menos por um juiz que tem como função evitar que órgãos públicos ou privados, sob qualquer pretexto, os violem.Mas o bom combate contra tais concepções não pode servir de pretexto para uma investida contra a liberdade de expressão. Vislumbra-se esse risco em debates recentes no próprio Judiciário.A liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição. A Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão, que inclui a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteira.Reafirmando esse princípio, a corte interamericana sustentou (opinião consultiva número 5/85) que: "A liberdade de expressão é pedra angular da existência mesma de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. É também condição "sine qua non" para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e culturais e quem em geral deseje influir sobre a coletividade possam se desenvolver plenamente. É, enfim, condição para que a comunidade, na hora de fazer escolhas, esteja suficientemente informada. Assim, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre".Os juízes, evidentemente, gozam dos mesmos atributos dos demais seres humanos. No 7º Congresso das Nações Unidas, o tema mereceu especial destaque, estabelecendo a organização dos princípios básicos relativos à independência judicial, dentre eles a normativa de que de juízes, assim como dos demais cidadãos, não podem ter subtraídos os direitos de liberdade de expressão, associação, crença e reunião, preservando a dignidade de suas funções e a imparcialidade e independência da judicatura.Magistrados, de qualquer instância, não são deuses, não criam nem destroem, devem garantir o sistema democrático.
KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE é juíza de direito em São Paulo, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.