quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A participação pública diante da prudência (fronesis)

No jornal A Folha de São Paulo de 10 de agosto de 2008, contamos com a matéria que retrata esse dilema atual do Supremo Tribunal Federal entre "ouvir" os reclames da sociedade ou as ponderações de seu Presidente no sentido do "juiz não deva acompanhar a multidão". Deve haver a prudência (fronesis).



STF amplia participação no debate público
Ministros vêem Supremo mais aberto a temas que mobilizam opinião pública; para decano, tribunal é agora "protagonista relevante"Um dos marcos da mudança foi o momento em que o STF obrigou o Poder Legislativo a nomear os membros da CPI dos Bingos, em 2005 ANDRÉA MICHAELDA SUCURSAL DE BRASÍLIA O STF (Supremo Tribunal Federal) vem mudando seu perfil e adota posição mais ativa na apreciação de questões políticas de ampla repercussão, antes rechaçadas sob o argumento de interferência na autonomia entre os Poderes. Lacunas da legislação não resolvidas pelo Congresso vêm sendo assumidas pela Corte suprema.Seis dos 11 ministros que compõem o Supremo e que concederam entrevista à Folha sobre as mudanças no STF na última década também são unânimes em dizer que hoje existe um Supremo mais sintonizado com os temas que mobilizam a opinião pública. Eles chegam à Corte principalmente via Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental).Antes da Constituição de 1988, apenas o procurador-geral da República podia submeter esse tipo de apreciação à Corte. Depois dela, partidos políticos, Congresso e organizações da sociedade civil ganharam esse poder. Foi por esse caminho que a Corte entendeu, por 6 votos a 5, que é constitucional a lei que permite experiências com células-tronco.Além disso, mudanças introduzidas na Constituição em 2004 criaram a súmula vinculante, instrumento que desafoga a Justiça com base nas decisões do STF. As decisões pacificadas pela Corte são consideradas como julgadas nas demais instâncias.Hoje o STF recebe cerca de 1.200 processos por ano -volume que, para ser apreciado por 11 ministros, praticamente inviabiliza o aprofundamento nas questões de interesse público. O julgamento das células-tronco levou à primeira convocação de uma audiência pública na história do STF para discutir um tema. A segunda foi em 27 de junho, sobre a importação de pneus usados."Acho que teremos espaço para lidar com os processos de uma maneira diferenciada. A tendência agora é assumirmos uma postura de humildade e buscarmos mais subsídios das audiências públicas, dos peritos", disse o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes."A maior participação social não é restrita ao STF. É um movimento mundial, uma tendência do nosso tempo. São as Cortes Supremas participando das soluções de questões que dividem a sociedade, nas quais os parlamentos têm dificuldade natural de tratar", disse o ministro Joaquim Barbosa.Entre os marcos da mudança está o momento em que o STF determinou ao Congresso que fossem nomeados, contra a vontade da base aliada, que compunha a maioria na ocasião, os membros para integrar a CPI dos Bingos, em 2005.Na última semana, a Corte acolheu pedido das companhias telefônicas, que lhes reconheceu o direito de não fornecer à CPI dos Grampos informações sobre quem são seus clientes alvos de escutas telefônicas. Os ministros vêem neste tipo de questionamento uma judicialização da política, fato que os têm levado a atuar de maneira mais intensa nas querelas entre as esferas de poder da República."Hoje o Supremo Tribunal Federal se transformou em um protagonista relevante de grandes questões que compõem a agenda pública. Um dos exemplos claros dessa mudança decorre da judicialização das relações políticas, como ocorreu no caso da CPI dos Bingos.A Corte cumpriu sua missão, nos limites da competência constitucional, de garantir os direitos da minoria, até porque a maioria não investiga a si mesma", afirmou o decano do tribunal, Celso de Mello.Outro ponto a se considerar foi a apreciação do STF de um pedido de autorização do funcionalismo público para fazer greve. Pediam o aval do STF, diante da inexistência de uma lei para regulamentar a situação que deveria ter sido elaborada e votada pelo Congresso, mas não foi."Em certos temas, a inapetência legislativa do Congresso beirava a anorexia, e o STF ficava inerte também. Nós nos limitávamos a dizer que o Congresso estava em mora legislativa. Pela primeira vez dissemos: não é por falta de lei que vamos deixar de decidir", disse o ministro Carlos Ayres Britto.Nomeações de LulaOs ministros entrevistados -Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello- negam veementemente que o fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter nomeado 7 dos 11 ministros tenha aparelhado a Corte. Em conjunto, tecem elogios à qualidade dos escolhidos.No limite, como Ayres Britto, admitem que a nomeação de um maior número de ministros voltados para o direito público possa ter pesado na mudança do perfil do Supremo."Não vejo impacto político, não, porque não se agradece com a toga. Temos aí o exemplo do mensalão, que demonstrou votos contrários a figuras importantes da política governamental em curso. O ideal é que não haja uma concentração tão grande. Mas foi uma circunstância", afirma o ministro Marco Aurélio Mello. Todos os entrevistados dizem que o STF não vota em blocos. No máximo, admitem tendências, como a progressista, segundo o presidente da Corte, que tende a dar a liberdade a presos sempre que haja respaldo nos termos da legislação processual penal.Mendes procedeu dessa forma na Operação Satiagraha, quando concedeu, quase simultaneamente, dois habeas corpus que livraram da cadeia o banqueiro investigado Daniel Dantas, do Opportunity."Isso corresponde um pouco à tradição do STF, que tem se mostrado garantista, apesar de muito contestado. O tribunal é inequívoco na linha de evitar abusos. Se fosse para agradar a opinião pública, estariam aqui parlamentares, e não juízes", declarou Mendes.

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