domingo, 24 de agosto de 2008

ADPF 54 e o instituto "amicus curiae"

O Professor Alexandre Garrido da Silva envia-nos matérias publicadas no jornal A Folha de São Paulo de 24 de agosto de 2008 sobre a audiência pública da ADPF 54 da anencefalica a começar no dia 26 de agosto de 2008 com previsão de três dias de duração.


Caso de anencéfala pode influenciar o STF sobre aborto
Supremo vai discutir a interrupção da gravidez em caso de feto sem cérebroHistória de bebê do interior de SP com anencefalia será usada como exemplo por grupos que defendem a proibição do aborto O caso de Marcela de Jesus Galante Ferreira, diagnosticada como anencéfala (ausência parcial ou total do cérebro) e que viveu quase dois anos, deve dominar o debate sobre o aborto em casos de anencefalia, que começa nesta semana no STF (Supremo Tribunal Federal).A menina, caso raro na medicina e que sobreviveu gr aças à intensa medicação, contrariou todos os prognósticos médicos- a grande maioria dos anencéfalos morre em até 72 horas após o nascimento- e se transformou em ícone de grupos antiaborto.São esses mesmos grupos que levarão ao STF, na terça-feira, a mãe de Marcela, a agricultora Cacilda Galante Ferreira. Ela diz que seu objetivo será ajudar a evitar "crimes" contra crianças como sua filha.Estima-se que a Justiça brasileira tenha permitido, nos últimos 15 anos, ao menos 5.000 abortos de fetos anencefálicos. Para obter a autorização, a mulher precisa apresentar, entre outros documentos, laudos médicos que atestem a doença. A OMS (Organização Mundial da Saúde) e as sociedades científicas internacionais consideram a anencefalia uma anomalia incompatível com a vida.Para a advogada Samantha Buglione, a sobrevida de Marcela poderá dificultar o julgamento no STF. "O debate vai ser mais intenso do que foi nas células-tronco. No caso da anencefalia, há um corpo biológico, um apelo visual muito grande. Por outro lado, não dá para esquecer de que se trata de um nível de anencefalia diferenciado. É uma exceção."A antropóloga Débora Diniz, que participará da última audiência pública no STF, prevista para o dia 1º, aposta que a excepcionalidade do caso não será levada em conta no julgamento. "A prática médica e nosso sistema judicial não se pautam em exceções."Em 2004, uma liminar do ministro do STF Marco Aurélio de Mello liberou a interrupção da gravidez nos casos de fetos anencéfalos, mas a decisão foi derrubada após quatro meses.

STF vai discutir o aborto de anencéfalos
Em sua terceira audiência pública da história, o Supremo debaterá pontos de vista religiosos e científicos acerca do temaCom base na discussão, o STF irá julgar, entre outubro e novembro deste ano, se o aborto de bebês sem cérebro será legalizado no país

Tão ou mais polêmico que o julgamento sobre pesquisas com células-tronco embrionárias, o STF (Supremo Tribunal Federal) começa nesta semana um novo debate, sobre a possibilidade da interrupção da gestação em casos de anencefalia, que novamente será definido pela visão de cada ministro que pertence à corte.Na próxima terça-feira, o Supremo realiza a terceira audiência pública de sua história, com três dias de duração, na qual serão apresentados os pontos de vista religiosos (dia 26), científicos (dia 28) e os da chamada sociedade civil (dia 1º) sobre o tema.O julgamento, por sua vez, deverá acontecer entre outubro e novembro deste ano, segundo o relator da ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), ministro Marco Aurélio Mello. De acordo com ministros ouvidos pela Folha, seu teor será "muito parecido" com a discussão sobre a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco.O que está em questão, dizem os ministros, é o mesmo princípio constitucional, o da dignidade da pessoa humana. Assim como naquele primeiro julgamento, a discussão gira em torno de um dilema central, que se resume ao seguinte questionamento: Existe vida humana ou ao menos o seu potencial num feto cujo cérebro não se desenvolveu?O julgamento e a audiência serão marcados pelo caso de Marcela de Jesus Galante Ferreira, diagnosticada ainda no útero da mãe, em 2006, como anencéfala. A previsão médica era a de que Marcela morreria antes do parto ou com poucos dias de vida. Ela, no entanto, sobreviveu quase dois anos.Existe no STF, segundo a Folha apurou, duas fortes tendências. De um lado, favoráveis à possibilidade do aborto, ficariam os ministros Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Do outro, contra a interrupção, estariam Carlos Alberto Direito, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso.O julgamento, portanto, seria decidido pelos votos de Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia.Os quatro primeiros são contrários à influência religiosa no debate jurídico e defendem os argumentos apresentados pela CNTS, que não considera "aborto" a interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo, já que não existiria o potencial da vida humana. De acordo com o advogado da confederação, Luís Roberto Barroso, a anencefalia é "um fato atípico"."No nosso ordenamento jurídico não há definição sobre o início da vida, mas já sobre o momento da morte, que é quando o cérebro para de funcionar", disse à Folha. "Então, se não há cérebro, não há vida. Se não há vida, não é aborto".Outro argumento que deverá ser apresentado é o fato de que, na época de elaboração do Código Penal brasileiro, não havia tecnologia para detecção de casos de anencefalia. Esse seria o motivo pelo qual o aborto é permitido apenas em casos de estupro e perigo de morte da mãe. Por último, os ministros também devem alegar que o princípio da dignidade humana deve ser aplicado só à mãe.Quando julgavam a viabilidade legal das pesquisas com células-tronco, o relator do tema, ministro Ayres Britto, chegou a extrapolar o tema em debate, abrindo caminho para a defesa de teses sobre a legalização do aborto. "A vida humana é revestida do atributo da personalidade civil, é um fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral", disse na ocasião.Já em relação ao grupo contrário ao aborto em caso de anencefalia, não existe um consenso de teses que o levaria para o mesmo lado. Prevalece, por exemplo, no caso de Direito, a posição religiosa de que a vida humana começa desde sua concepção, tornando o aborto contrário ao direito à vida.No âmbito jurídico, porém, prevaleceria a tese de que o Supremo não pode criar uma nova legislação, não prevista no Código Penal brasileiro. A idéia não seria entrar no mérito da questão, mas afirmar que cabe ao Congresso, não ao STF, estabelecer a legalidade do aborto em caso de anencefalia."Existem duas hipóteses de aborto na lei. Não posso criar uma terceira", disse Eros Grau.

Debate vai reunir de religiosos a cientistas
Ministro do STF convidou 14 pessoas para audiência pública sobre aborto em caso de anencefalia, a partir de terça-feiraPara a CNBB, vida deve ser preservada qualquer que seja o estado de saúde da pessoa; deputado defende direito da mulher à escolha
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA DA REPORTAGEM LOCAL
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello convidou 14 pessoas, entre representantes religiosos, científicos e de ONGs, além de um deputado federal, para participar da audiência pública sobre aborto em caso de anencefalia, que terá início na próxima terça-feira.Serão 15 minutos para cada um dos pontos de vista. O debate começa na terça-feira, com as entidades religiosas CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Igreja Universal, Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, e Católicas pelo Direito de Decidir (CDD).Na semana passada, a CNBB apresentou sua posição sobre o tema: "Para nós independentemente do estado de saúde, da durabilidade, a vida humana sempre será preservada."Maria José Rosado, presidente da CDD, diz que reafirmará na audiência pública a necessidade de um Estado laico. "A mulher deve ser respeitada na sua decisão de manter a gravidez mesmo quando não há vida após o nascimento ou de decidir interromper a gestação."Na quinta-feira seguinte, os ministros ouvirão os representantes científicos. Foram convidados o Conselho Federal de Medicina, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, as sociedades Clínica Brasileira de Medicina Fetal, Brasileira de Genética Clínica e Brasileira para o Progresso da Ciência, e, por último, o deputado José Pinotti (DEM-SP)."Sou favorável que a mulher possa optar pela continuidade da gravidez ou não", afirmou o parlamentar. "Acredito que o aborto significa a interrupção de uma potencialidade de vida. No caso do feto anencéfalo, não há essa potencialidade porque não há vida sem cérebro. Mas isso não é a minha preocupação. O que eu quero é que a mulher tenha essa opção."Os representantes da sociedade civil apresentam suas teses no dia 1º de setembro. Os convidados são: Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), Adef (Associação de Desenvolvimento da Família), Escola de Gente e Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos.


Agricultora teve de esperar 3 meses para fazer abort
No dia 20 de outubro de 2004, a agricultora Severina Maria Ferreira, à época com 26 anos, estava internada em um hospital de Recife (PE) para interromper a gestação de quatro meses de um bebê anencéfalo.No mesmo dia, o Supremo Tribunal Federal derrubou a liminar que permitia a antecipação do parto quando a anomalia da criança é incompatível com a vida, e Severina foi mandada de volta para casa."Quando eu me internei no hospital, o parto estava liberado. Eu ia tomar o remédio à noite para fazer [a interrupção] no dia seguinte. Aí chegou a notícia no jornal que não podia mais", lembra.Foram necessários mais três meses de idas e vindas até que Severina e seu marido Rosivaldo conseguissem a autorização judicial para o aborto. No hospital, ainda sofreram resistência de médicos anestesistas, contrários à prática. O bebê, um menino, nasceu morto.Severina conta que, quando soube que o bebê tinha anencefalia, decidiu imediatamente pela interrupção da gravidez. "O médico falou que o nenê ia nascer e morrer. Eu não queria passar por todo aquele sofrimento de carregar o nenê na barriga sabendo que ele não ia ficar comigo. Eu cheguei no sétimo mês [gestação]. Se tivesse sido liberado logo, não teria sofrido tanto."A agricultora diz que em nenhum momento se arrependeu da decisão. "Eu faria tudo de novo porque é um sofrimento muito grande para a gente. Eu espero que eles liberem logo [o aborto de anencéfalo] para que outras mulheres não sofram como eu."A história virou tema do documentário "Uma Vida Severina", que já ganhou 20 prêmios. Após quase quatro anos, Severina, diz que ainda sofre quando lembra de tudo o que passou. Ela deseja um outro filho -é mãe de Walmir, de sete anos-, mas confessa que tem evitado uma nova gravidez porque teme viver o "pesadelo" novamente.




Para favoráveis, aborto poupa mãe de se expor a risco de saúde

Como o feto sem cérebro não tem chance de sobrevivência fora do útero, é legítimo que a mãe possa optar por retirá-lo antes do fim da gestação, o que a pouparia de riscos à saúde e de sofrimento. Da mesma forma que deve ser respeitada a decisão da mulher que deseja levar a gravidez até o final.Esse é o principal argumento dos especialistas que vão defender no STF o direito à interrupção da gravidez de anencéfalos. Para o ginecologista Jorge Andalaft Neto, que representará a Febrasgo, a anencefalia traz riscos à saúde da gestante, especialmente pela razão de o feto não fazer a deglutição do líqüido amniótico."O líquido vai se armazenando na bolsa [amniótica], o útero fica grande e a mulher tem mais chances de desenvolver hipertensão, trombose venosa."O sofrimento psíquico também é grande, segundo o médico. "Nos serviços públicos, essa mulher fica ao lado de outras que estão amamentando seus bebês, enquanto que ela, com o peito cheio de leite, terá de providenciar o enterro do seu. É um sofrimento desnecessário." Ele diz que as mães de anencéfalos têm 30% a mais de chances de ter depressão pós-parto.O também ginecologista Thomaz Gollop, professor da USP e que falará em nome da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, explica que o feto anencéfalo não tem atividade cerebral. "O encefalograma é uma linha reta, portanto, está em morte cerebral."Sobre o caso da sobrevida de Marcela, Gollop defende que Marcela tinha tinha acrania -ausência total ou parcial do crânio com desenvolvimento completo mas anormal do encéfalo-, o que teria permitido sua maior sobrevivência.A antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília e que representará a Anis, afirma que as discussões devem ir além das "evidências irrefutáveis" de que a anencefalia é uma anomalia incompatível com a vida. "Nosso argumento é que a mulher deva ser protegida na sua escolha. A obrigatoriedade de ela fazer um itinerário de negociação da sua dor é uma absoluta tortura."




Para grupos contrários, vida tem de ser respeitada até o final

Os grupos contrários ao aborto de anencéfalo vão defender no STF uma posição semelhante à CNBB: a de que uma vida, mesmo que tenha duração curta, deva ser respeitada até o final."Somos totalmente contra o aborto, em qualquer ocasião. O aborto de fetos anencéfalos é a eutanásia pré-natal. Veja o caso da Marcela. Queriam matá-la antes do tempo", diz Humberto Leal Vieira, presidente da Associação Pró-Vida e Pró-Família.A bióloga Lenise Garcia, coordenadora do Movimento em Defesa da Vida - Brasil sem Aborto, diz que o caso de Marcela não é único. "Há muitos graus de anencefalia, e o exame intra-útero não dá para prever. O único jeito de conhecer a sobrevida de uma criança anencéfala é deixá-la sobreviver."Para o advogado Paulo Leão, procurador do Estado do Rio de Janeiro, o caso de Marcela é o exemplo de que a anencefalia não pode ser considerada incompatível com a vida. "A questão da inviabilidade é muito relativa. Essa anomalia tem uma variedade muito grande. É evidente que a mãe sofre, a gente não deseja isso para ninguém. Mas também não dá para dizer: não consigo superar isso, então, vamos matar logo."O obstetra Dernival Brandão, presidente da comissão de ética e cidadania da Academia Fluminense de Medicina, argumenta que a história de Marcela demonstrou que, desde que se tenha cuidados especiais, a sobrevida do bebê anencéfalo pode ir além das previsões."Costumam dizer de forma pejorativa que o bebê anencéfalo é um caixão ambulante. Ela nos ensinou que não se pode condenar um bebê na gestação pelo simples fato de ser doente. É um ser humano, tem características genéticas dos pais e como tal merece toda proteção. A dignidade do ser humano tem que ser respeitada."Obstetra há 50 anos, Brandão refuta os argumentos de que a anencefalia traz riscos à saúde da mãe. "O mais comum é haver o aumento do líquido amniótico, mas é só esvaziar. Qualquer gravidez implica riscos. "
Mulher que não abortou diz que faria tudo de novo
DA FOLHA RIBEIRÃO
Católica fervorosa, a agricultora Cacilda Galante Ferreira, 37, de Patrocínio Paulista (SP), disse que teria outro filho anencéfalo sem pensar duas vezes. "Faria tudo de novo. Não me arrependo de nada", afirmou à Folha a mãe da menina anencéfala Marcela de Jesus Galante Ferreira, que morreu no último dia 1º, com um ano e oito meses, contrariando todas as expectativas de médicos.Cacilda escolheu o nome da filha para homenagear o padre Marcelo Rossi, que ela sonha conhecer um dia.A mãe de Marcela viaja para Brasília na próxima terça-feira a convite de uma ONG (Organização Não-Governamental) do Rio. Cacilda disse que o objetivo de sua viagem é tentar ajudar a evitar "crimes" contra crianças como a sua filha.Cacilda ainda não sabe o que vai fazer exatamente em Brasília, mas disse estar preparada para contar como foram os 20 meses que passou com uma criança anencéfala. "Vou falar que minha experiência foi maravilhosa. Se fosse pra ter outra criança assim (anencéfala), eu aceitaria de coração. Não pensaria duas vezes."Ela rejeita o argumento de que uma criança anencéfala vive em estado vegetativo. "A Marcela tinha cócegas, ria, chorava quando eu não dava comida na hora", disse. Segundo a mãe, os momentos em que a menina mais ria era quando a levava para passear -normalmente na casa de vizinhos, padaria ou farmácia. "Ela adorava. Não queria nem voltar pro berço depois."Cacilda afirmou que era tão apegada à filha que, na primeira semana após a morte dela, continuou a arrumar o berço como se a menina fosse voltar. Porém, a mãe garante que não chorou a morte de Marcela "nem por um segundo". No velório da menina, Cacilda inverteu os papéis: era ela quem consolava as pessoas que iam lhe dar os pêsames. A explicação, segundo ela, é de que tinha a sensação de dever cumprido.


Pediatra diz que hoje não faria o aborto
Médica que cuidou de anencéfala diz que caso abre precedente e que impossibilidade de sobrevida "já não se confirma"Márcia Beani diz que não faz apologia para que mulheres evitem ou não interromper a gravidez em casos como o da menina Marcela
GEORGE ARAVANISDA FOLHA RIBEIRÃO
Acostumada a dar explicações apenas técnicas sobre o estado de saúde de Marcela de Jesus Galante Ferreira, a pediatra Márcia Beani, que cuidou da menina anencéfala durante os 20 meses de vida, acabou formando também uma opinião pessoal sobre o assunto."Eu não faria o aborto. Nunca tinha pensado nisso antes, mas hoje não faria", afirmou Beani. A médica, no entanto, não revela se é contra ou a favor da interrupção da gravidez em tais casos. "Eu não faço apologia para que as mães façam o que a Cacilda (Galante Ferreira, mãe de Marcela) fez, e nem para o aborto", disse.Para a médica, Marcela foi um presente. "Se algum dia aparecer outro caso, será outro presente. Ela me ajudou a crescer profissionalmente e pessoalmente", disse.Para Beani, o caso pode mudar os paradigmas a respeito da sobrevida em bebês com anencefalia. "O caso da Marcela abriu um precedente nunca visto. Ela teve a vida plena. Viveu com a mãe, trouxe alegria. Se você disser que uma criança anencéfala não tem condição de sobrevida, que é o que vemos em literatura, que vai ficar em estado vegetativo, isso já não se confirma", afirmou Beani.Segundo a médica, Marcela era uma criança tão ativa que chegou a arrancar, em três ocasiões, a sonda por meio da qual recebia alimentos.A surpresa com a resistência da menina fez Beani desistir das previsões de sobrevivência depois do primeiro mês de vida da anencéfala. Segundo a médica, cerca de metade dos fetos anencéfalos nem chegam a nascer e, dos que nascem, cerca de 95% vivem poucas horas.A pediatra criticou os médicos que, à distância, opinaram que Marcela não era anencéfala, e que, por isso, o caso da menina não poderia ser citado na condução do debate sobre a interrupção da gravidez. "É antiético. Não sei como uma pessoa que conhece de leitura um caso pode opinar sobre isso sem nunca ter visto a criança.




Mãe tentava dar à filha a rotina de um bebê comum
DA FOLHA RIBEIRÃO
Durante os cinco primeiros meses de vida, Marcela de Jesus Galante Ferreira viveu na Santa Casa de Patrocínio Paulista, onde nasceu em 20 de novembro de 2006, sem cérebro -tinha apenas o tronco cerebral (bulbo e medula). Começou a usar um capacete de oxigênio, para auxiliar na respiração (o mesmo que usou até o dia da morte). Com 71 dias, chegou mesmo a fazer esforço para levantar o corpo, segundo a pediatra Márcia Beani.Quando completou 90 dias, Marcela foi considerada pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) o bebê anencéfalo vivo mais longevo do país. Em 18 de abril de 2007, ela deixou o hospital no colo da mãe.Elas se mudaram para a casa da família no centro de Patrocínio Paulista, perto da Santa Casa. O pai de Marcela, Dionísio Ferreira, 47, e uma filha do casal continuaram no sítio da família, na zona rural.Lá, Cacilda tentava dar a Marcela a rotina de um bebê comum. A menina acordava por volta das 6h, quando a mãe a trocava e lhe dava leite (por meio da sonda). Às 7h, tomava banho e depois era levada para um banho de sol -no colo de Cacilda ou no carrinho. Às 10h, se alimentava de novo, de suco de frutas. Às 11h, tomava papinha, também por sonda. "Às vezes, ela ficava quase o dia todo sem o capacete", disse Cacilda.Por volta das 15h, a menina tomava mais um banho e ficava no colo da mãe por cerca de duas horas. Por volta das 17h, era trocada e recebia a janta -papa com legumes. Os horários de alimentação, segundo a mãe, tinham de ser rígidos, senão "ela chorava e gritava." Marcela dormia por volta das 19h30, no colo da mãe.Mas na manhã de 1º de agosto, a rotina de Marcela foi alterada. Ela vomitou por volta das 7h, depois de tomar leite, e ficou roxa. A mãe acionou, então, a Santa Casa e ela foi levada para a UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) da Santa Casa de Franca. Marcela tinha aspirado o leite -a garota tinha uma fenda no céu da boca por causa da má-formação- e o líquido foi para os pulmões, o que causou pneumonia. À noite, ela teve parada cardiorrespiratória e morreu às 22h.

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