A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça promoveu em 31 de julho de 2008 com a presença de autoridades e entes da sociedade civil a respeito da necessidade de rediscutir a Lei de Anistia de 1979 principalmente para abrir um campo da possibilidade de apurar os crimes perpetrados pelos agentes públicos em nome do Estado brasileiro como é o caso, entre outros, da tortura. O Ministro do Celso Mello, do Supremo Tribunal Federal, questionado pelo Jornal Nacional em primeiro de agosto de 2008 procurou, prejulgando, que houve um "perdão geral". Quanto aos citados "agentes públicos", ficou titubeando para encontrar as palavras no sentido de que foram responsáveis "pelo golpe de estado de 1964". Mas que o Supremo Tribunal Federal estaria aberto para discussão de uma lei futura a respeito dos crimes praticados pós-64. Não houve por parte do referido ministro uma defesa nítida dos Direitos Humanos. É bom lembrar que o Ministro Celso Mello é o decando do STF e defende posturas a respeito da internacionalização dos Direitos Humanos. Por que nesse ponto sensível da Lei da Anistia de 1979 se repete a postura clássica de nosso Judiciário de ser seletivo. Ao contrário, é a essa posição tangenciadora do debate da professora política americana participante de um seminário numa universidade paulista merecedora de matéria do jornal O Valor Econômico de primeiro de agosto sob o título "Estudo vincula violência no Brasil à Lei de Anistia". Leiam e comparem com a postura defensiva do nosso decano do Supremo Tribunal Federal.
Kathryn Sikkink: "Parece que são repressões diferentes, mas não são "A punição aos torturadores do período militar não traz risco de instabilidade à democracia. Pelo contrário: além de consolidar o regime democrático pode melhorar a vida da população, com o avanço da preservação dos direitos humanos no país. Essas foram algumas das conclusões de uma pesquisa feita pela professora de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota Kathryn Sikkink.
A especialista em política e direitos humanos pesquisou a situação de 100 países que nas últimas décadas passaram de regimes autoritários para o democrático. Nesse grupo também estão os países que estavam sob guerra civil ou que foram recém-criados, como no caso daqueles que faziam parte União Soviética. Os regimes democráticos que julgaram aqueles que violaram os direitos humanos, em crimes como tortura, assassinato, prisão sem processo, desaparecimento de pessoas ou genocídio, tiveram uma melhora significativa na preservação dos direitos básicos de seu povo. "Não é verdadeira a hipótese de que o julgamento dos torturadores pode levar a um golpe de Estado", concluiu.
Na escala de repressão, elaborada pela Anistia Internacional e pelos Estados Unidos e usada pela pesquisadora, os índices de respeito aos direitos humanos melhoraram em países como a Argentina, onde há pelo menos 19 anos os cidadãos que sofreram represálias durante o período militar puderam recorrer à Justiça.
No caso do Brasil, ainda sem punições, a situação foi inversa e o respeito aos direitos básicos hoje é pior do que na época da ditadura, segundo o estudo. "A não-punição abre precedente para que o Estado continue autoritário", comenta Kathryn. "No caso brasileiro houve uma regressão por conta da repressão policial, assassinatos por parte de agentes públicos. Parece que são repressões diferentes, mas não são". Ela cita como exemplo os recentes incidentes com o Exército no Morro da Providência, quando três jovens da comunidade foram entregues por militares a gangues rivais e mortos. "A impunidade do agente do estado pode gerar mais repressão?", questiona.
Para ela, o julgamento dos torturadores do regime militar é simbólico, e importante justamente por isso. "Indicará à sociedade que o agente do Estado não pode matar e torturar. Matar não pode ser um ato do Estado. Se deixar sem punir, é como legitimar a ação desses torturadores", afirma. "É necessário impor custos àqueles que violam os direitos humanos."
Na Argentina, que lidera o rankign dos países latino-americanos nos processos contra os torturadores, a pesquisadora diz que as Forças Armadas são mais subordinadas ao poder civil. "Não sabemos quantos serão sentenciados, mas há menos impunidade. Naquele país a pressão social também é maior. "O número de mortos no regime militar foi muito maior do que no Brasil. Calcula-se que foram mais de 13 mil mortes na Argentina, enquanto no Brasil foram mais de 400. A pressão em cima do governo por parte das famílias é diferente".
A professora e pesquisadora atenta para o fato de que não é só o Brasil que tem a lei de anistia. "Mas em casos dos outros países da América Latina eles encontraram formas de driblar a lei, de torná-la mais flexível às punições. A lei da anistia não é intocável, como se mostra aqui". No Brasil, ela ainda tem caráter mais econômico, de dar uma indenização em dinheiro aos torturados e seus familiares do que em mostrar-se contra o regime autoritário e ao abuso dos direitos humanos, afirma.
Kathryn expôs ontem de manhã parte de sua pesquisa em uma mesa redonda sobre direitos humanos e democracia, no encontro da Associação Brasileira de ciência Política, em Campinas. Ao seu lado, o pesquisador Marcelo Lavenère, da UNB, Escola Superior do Ministério Público, também defendia a punição aos torturadores. "Os torturadores têm de ser responsabilizados. Não têm de ficar protegido por essa lei", disse, pouco depois do término da discussão.
O debate dos pesquisadores, entretanto, levantou também a bandeira da abertura dos arquivos militar, tema ainda tabu no governo federal. Expert no assunto, o pesquisador americano Peter Kornbluh, da organização não-governamental Arquivo Nacional de Segurança, em Washington, não se conforma com o fato de o governo brasileiro ainda não ter aberto esses arquivos. "O Brasil é um exemplo de democracia na América Latina, mas ainda não conseguiu fechar as portas do passado. Enquanto não resolver a questão dos arquivos, sempre vai ter um debate sobre esse período. A dor daquela época não vai acabar".
A entidade que ele dirige é especializada na investigação sobre segurança nacional e atuações oficiais ou encobertas de norte-americanos em outros países. Para Kornbluh, a abertura dos arquivos brasileiros ajudará a entender não só o regime autoritário brasileiro, mas também os regimes da América Latina.
O especialista analisa que o golpe de Estado no Brasil foi um "modelo" seguido pelos regimes autoritários dos países vizinhos. "O governo brasileiro tem que abrir os arquivos e não é só pelo Brasil. O país teve muita influência na região, participou da Operação Condor e precisamos ter acesso aos documentos secretos para conhecer mais de outros regimes", diz Kornbluh, cercado de dezenas de documentos, copiados do arquivo americano. Documento repassado ao Valor, cita a relação do Brasil com a operação. "O Brasil estava aliado aos Estados Unidos na briga contra a esquerda. Nos arquivos brasileiros há muita informação sobre a operação. Foi um processo internacional de terrorismo, de assassinatos e de torturas", diz.
Com base na Lei de Liberdade de Informação dos Estados Unidos, Kornbluh conseguiu ter acesso aos documentos do governo americano que mostram o apoio dos EUA ao golpe militar de Augusto Pinochet, no Chile, e que revelam a participação do Brasil na Operação Condor. Ele cita como exemplo um pedido que fez ao governo americano, durante o governo Bill Clinton, para levantar informações sobre os arquivos ligados a Pinochet, e relata ter conseguido 24 mil novos documentos.
A dificuldade de o governo brasileiro em lidar com os arquivos da época militar, dizem os especialistas, está relacionada a alguns fatores, como a transição "lenta e gradual" do regime militar para o democrático, pactuada por um governo autoritário; o controle militar ainda presente - como nos morros cariocas --; e com a pressão das Forças Armadas, que não quer a divulgação dos dados O número de vítimas, menor que em casos como no Chile e na Argentina, também diferencia a pressão social do Brasil com relação aos dois países vizinhos.
Kornbluh diz que irá, por meio de pesquisas no arquivo americano, tentar levantar mais informações sobre a ditadura brasileira. A pressão internacional, nesse caso, pode ajudar a acelerar o processo de abertura dos arquivos. "Não há nenhuma razão para não termos acesso a esses documentos. "Não há como ter um debate democrático se não houver acesso à informação. Esse debate que acontece hoje sobre a ditadura é simbólico e mostra que ainda não chegou ao verdadeiro governo democrático", diz o pesquisador norte-americano. " A verdade tem que acompanhar a real democracia."
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
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