sábado, 9 de agosto de 2008

O Direito achado na rua: o seu significado teórico e social

O Professor Marcelo Cattoni, da UFMG e PUC-MG, contrapõe-se a postagem posterior com as palavras do Presidente do STF, Ministro Gilmar Ferreria Mendes, na sessão do dia 06 de agosto de 2008, no julgamento da ADPF nº 144 no sentido de que "o direito é achado na lei". Eis as observações do Professor Cattoni:


O Min. Gilmar Mendes afirmou, quando do julgamento da ADPF n. 144, que "cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua". No Estado Democrático de Direito, este tipo de afirmação merece maiores explicações, para que não crie uma falsa oposição entre lei e rua. Pois se é certo que o Direito não deve ser reduzido à vontade não-mediada institucionalmente de maiorias conjunturais, por outro não pode ser reduzido à mera estatalidade. Afinal, as decisões estatais no Estado Democrático de Direito só são válidas se garantirem suas pretensões democrático-constitucionais. Gilmar Mendes, ao assim pronunciar-se, estaria se referindo "pejorativamente" à importante escola de pensamento jurídico liderada por este grande intelectual que é José Geraldo Souza Júnior, na esteira de Roberto Lyra Filho? E também a todos os que em algum momento lutaram contra o "Direito" (sic) da ditadura sob a bandeira do então chamado genericamente de "Direito alternativo" e lutaram justamente para o que naquele momento era alternativo à Ditadura se tornasse o Direito democrático de pós-1988? O certo é que ele atinge também a todos nós que não reduzimos o Direito à mera estatalidade. É claro que todo o Direito é público, não resta dúvida quanto a isso. Mas o público não se reduz ao estatal, no Estado Democrático de Direito. E que está numa relação pública de equiprimordialidade entre público e privado. O pluralismo jurídico que Gilmar Mendes critica com seu pronunciamento não coloca em risco a constitucionalidade democrática. Numa sociedade democrática, aberta de intérpretes da Constituição, o pluralismo jurídico é interno ao próprio Direito democrático e é condição de racionalidade discursiva para que publicamente possamos no exercício da cidadania construir, ao longo da história da nossa comunidade jurídica, os ideais de justiça e de bem-comum que devem dar sentido a essa história (art. 1.º, V, da CRFB). Assim é que a coerência normativa exigida pela integridade do/no Direito é de princípios e não a meras convenções do passado. Se o Direito não nascer na rua, se a legalidade não nascer da informalidade e na periferia, e não se sustentar com base em razões que sejam capazes de mobilizar os debates públicos pela atuação da sociedade civil e dos setores organizados da sociedade, e assim, sem uma perspectiva generalizada, universalizanda, instaurada pelas lutas por reconhecimento e inclusão, não ganhar os fóruns oficiais, não ganhar o centro do sistema político, e não se traduzir em decisões participadas, como falar-se em legitimidadedemocrática? Somente o Direito "achado" (sic) na lei será legítimo, se for construído publicamente a partir da rua... É na mediação discursiva entre a informalidade e a formalidade, garantida pelos processos deliberativos constitucional e democraticamente institucionalizados, legislativos, administrativos e jurisdicionais, que o poder político é gerado comunicativamente e a legitimidade é gerada pela legalidade...

7 comentários:

Paulo Rená da Silva Santarém disse...

Com as palavras Min. Gilmar, "aprendemos" que:

1) a situação atual não é "uma hecatombe, [com] injustiça em série" - não, o Brasil vive no mar da justiça social;
2) o STF detém a função de dizer o que é a Constituição vigente, mesmo contra a população, detentora do poder constituinte;
3) Jesus Cristo vivia em uma democracia e nossos políticos acusados em ações penais são como o filho de Deus, só que hoje a gente é mais bacana e não crucifica ninguém.

Haveria dezenas de argumentos mais democráticos para embasar a decisão de não negar a acusados o exercício de seus direitos políticos, todos passando por uma interpretação do texto constitucional que não impusesse a vontade da maioria sobre a minoria, mas sem comprometer a legitimidade do direito que se manifesta no espaço público não-estatal.

Pode ser que os argumentos do Gilmar sejam lembrados no futuro como únicos fundamentos do direito constitucional posto. Temos o dever acadêmico e cidadão de criticá-los, de forma veemente, apontando suas incongruências e pontos cegos.

Prof. Ribas disse...

Prezado Prof Paulo eu não estou conseguindo trazer do arquivo da Folha de São Paulo de hoje 10 de agosto de 2008 duas matérias importantes: uma sobre o STF e a opinião pública; e a outra é a entrevista de Maria Tereza Sadek a respeito da corte está dividida entre o ativismo e garantismo. Estou lendo agora o livro de Mark Garber sobre o caso de Dred Scott. Todos de forma consensual reconhecem que foi a pior decisão da Corte Suprema americana ocorrida em 1857. Decisão esta, ao manter a escravidão nos Estados Unidos e não encontrado uma solução judicial, teria levado os para a Guerra de Secessão. Garber levanta a tese o que é uma "má" (evil) decisão. Terá sido Dred Scott realmente uma má decisão. No futuro, em termos de questionamento, poderiamos afirmar que, no julgamento da ADPF nº144, representou nos termos de Garber uma má decisão?

Guilherme Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guilherme Costa disse...

nteressante o questionamento colocado: afinal, a Constituição é a pedra fundamental de uma ordem jurídica; cada vez que se dá uma mutação constitucional, os seus artigos são, de certo modo, reinventados e claro que isto vem a exercer uma influência, trazer sequelas frequentemente perceptíveis no campo social. Pelo que compreendi, teria este caso de 1857 facilitado o advento da guerra civil. Enfim, creio que isto demonstra a dificuldade que reside no trabalho de um tribunal constitucional, a constante necessidade de prever que possíveis consequências possam emanar de questões como a mencionada. Uma grande parte da opinião pública mostrou-se contrária à recente decisão do STF (opinião, que, aliás, é também a minha...), mas, a exemplo do ocorrido com a Corte americana, talvez só o futuro nos diga se esta foi mesmo uma postura imprudente.

Promotor de Justiça disse...

Já tem os voto (na íntegra) na ADPF 144 dos Ministros?

Promotor de Justiça disse...

leia-se: votos

Promotor de Justiça disse...

leia-se: votos