sexta-feira, 25 de novembro de 2011

 


Assunto: A política por todos os  lados

Data: Sex, Novembro 25, 2011 









Sex, 25 de Novembro de 2011.

07:50:00.



VALOR ECONÔMICO
EU & FIM DE SEMANA



A política por todos os lados



Por Marcos Nobre e José Rodrigo Rodriguez
Para o Valor, de São Paulo



Dias depois da decisão do STF que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo

sexo, militantes de movimentos de defesa dos direitos de homossexuais realizaram um

abraço simbólico no prédio do tribunal em apoio à medida. Nessa manifestação, a

senadora Marinor Brito (PSOL-PA) deu a seguinte declaração: "O movimento dá uma

resposta muito positiva e um reconhecimento do papel que o Supremo cumpre neste

momento e já que o Congresso Nacional não se manifestou até hoje. Não queremos a

judicialização da política. Queremos que o Congresso assuma o seu papel de

protagonista na alteração e na construção das leis".



Comentando a mesma decisão, o advogado Ives Gandra Martins, localizado em posição

oposta à da senadora do PSOL no espectro político, disse o seguinte: "Sempre fui

contra o ativismo judiciário. O que a Constituição escreveu é o que tem de

prevalecer. É evidente que não estou de acordo com os fundamentos da decisão.

Entendo que o STF não pode se transformar num constituinte".



Em ambos os casos, seja para apoiar ou para criticar a decisão, seja à esquerda ou à

direita, seja utilizando a ideia de "judicialização da política", seja a de

"ativismo judicial", o raciocínio subjacente é o mesmo: um Poder (o Judiciário) está

invadindo indevidamente o domínio de outro Poder (o Legislativo). O que mostra, de

saída, que essas duas ideias são, na verdade, complementares. Seria como que um

mesmo processo, visto ora da perspectiva da política "invadida" pela lógica

judicial, ora da perspectiva do próprio "invasor".



"Quando tudo é 'política', torna-se impossível diferenciar a atividade de um juiz da

atividade de um deputado ou de um ministro"



Mas, apesar de apontarem essencialmente para o mesmo fenômeno, a expressão

"judicialização da política" é a mais comum. Está por toda parte e tem múltiplas

utilidades no debate público, sendo todas elas sempre de censura e de condenação.

Serve para criticar o Poder Legislativo, que não estaria "fazendo a sua parte".

Serve para criticar o Poder Judiciário, que estaria invadindo a competência do Poder

Legislativo sem ter legitimidade para isso (já que juízes não são "eleitos", diz

ainda o raciocínio). Serve também para denunciar uma situação de despolitização

geral da sociedade, capitaneada pelo "inchaço" do Executivo, o que obrigaria cidadãs

e cidadãos a recorrer ao Judiciário como ato recurso de última instância de proteção

política. Em todos esses diferentes raciocínios, o pressuposto é o de que as

instituições não estariam funcionando "normalmente", não estariam funcionando "como

deveriam".



Esses diferentes usos de "judicialização da política" pressupõem que a atuação do

Judiciárioseria um sintoma de que a democracia não está em seu "funcionamento

normal". No fundo, é raciocínio que tem por base três teses implícitas de como "deve

funcionar" uma democracia.



Primeira: os Poderes são três e devem ter fronteiras claras e rígidas entre eles,

estabelecidas de antemão. Segunda: o Legislativo deve ser o centro de toda a

produção normativa. Terceira: que a única forma de representação política legítima é

a do mandato eletivo, seja no Legislativo, seja no Executivo. Nessa sequência de

teses, fica claro também que o papel do Judiciário nesse esquema deve ser apenas o

de "aplicar a lei", no sentido de que a "lei" seria sempre clara, cabendo aos

tribunais unicamente o papel de serem porta-vozes do legislador e às juízas e juízes

o papel de "boca da lei".



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E, no entanto, a mera enunciação dessas teses implícitas é suficiente para mostrar

seu total descolamento da realidade. Há muito a representação política deixou de ter

um padrão único. Estão aí diferentes formas de representação que não seguem o padrão

da eleição para o Legislativo e são aceitas como legítimas. Há conselhos de diversos

tipos, há agências reguladoras, conferências nacionais. Isso também mostra que há já

algum tempo o Legislativo deixou de deter de fato o monopólio da produção normativa

- se é que alguma vez o teve realmente.



Em relação ao Judiciário, o pressuposto é ainda mais problemático. A visão da

atividade judicial como uma simples dedução de uma lei que não poderia ser

interpretada de outra maneira se choca com o fato elementar de que toda nova

sentença é, na verdade, criadora de normas. É uma criação de normas segundo regras,

segundo princípios interpretativos disponíveis, com certeza. Uma criação de normas

regulada pelo código específico do direito, que, em última instância, deriva sua

lógica e sua legitimidade da Constituição. Mas não deixa por isso de representar a

criação de novas normas.



O mero reconhecimento dessa realidade de fato mostra que toda pretensão de fixar de

antemão as fronteiras e limites de cada um dos Poderes (mesmo que eles sejam apenas

três) leva a uma posição que não consegue entender o que está se passando. Mas há

ainda uma consequência mais grave: trata-se de uma das maneiras mais eficazes de

impedir a mudança social. Trata-se de um verdadeiro bloqueio ao livre exercício da

imaginação institucional pela sociedade. E, em última instância, leva a uma posição

conservadora, que costuma falar sempre em nome do direito posto e não do direito que

está por vir.



Afinal, quando ouvimos acusações generalizadas ao Poder Judiciário por "se meter

onde não foi chamado" e "avançar sobre uma agenda que deveria ser do Parlamento",

não estaríamos assumindo uma posição conservadora? Não estaríamos nos colocando na

posição daqueles que querem impedir por decreto a mudança institucional para

congelar o desenho de nossas instituições? E isso vale igualmente para o oposto

complementar da "judicialização da política", o chamado "ativismo judicial".



Com esses questionamentos, também não queremos dizer que tudo estaria "funcionando

muito bem", à maneira do cientista que apenas "observa e explica" fenômenos sociais

e políticos. É claro que a atuação do Poder Judiciário na maioria dos casos não vem

acompanhada da devida justificação diante da esfera pública. Quem já teve a

oportunidade de ler o resultado de um julgamento do STF pôde perceber como esse

documento é tão confuso e complexo que muitas vezes torna impossível identificar com

clareza as razões da decisão.



Mas, seja como for, o resultado final costuma ser claro: as cortes são capazes de

decidir os problemas que examinam. No entanto, a argumentação que fundamenta as

decisões costuma ser ou altamente confusa ou meramente telegráfica. É comum

encontrar decisões colegiadas praticamente ser argumentação ou com tantos

fundamentos quanto os juízes que atuam nelas. Afinal, a corte não se reúne para

redigir um voto vencedor com começo, meio e fim. Decide por mera maioria de votos.



Por isso mesmo, a decisão final costuma ganhar as feições de um labirinto mitológico

do qual ninguém consegue sair com destreza, nem os juristas de profissão. Os votos

dos ministros se sucedem de maneira confusa, entremeados pela transcrição dos

debates e pedidos de vista, sem que haja um apanhado final em que os argumentos que

sustentam o resultado sejam organizados e hierarquizados. É suficiente baixar do

site do STF a decisão de qualquer caso importante para ver como isso se dá.



No entanto, nada disso justifica submeter o Judiciário ou qualquer um dos Poderes a

amarras predeterminadas, pensadas para bloquear a mudança social. Podemos lutar para

que os Poderes justifiquem suas razões de agir, para que fundamentem melhor suas

decisões. Mas essa luta pela justificação não deve ser confundida com a defesa de um

padrão naturalizado de separação de Poderes, por exemplo.



Essa confusão entre, de um lado, um padrão predeterminado e abstrato e, de outro

lado, um funcionamento concreto do Judiciário de difícil compreensão tem sido usada

sub-repticiamente para criticar e tentar congelar movimentos de mudança que vêm

desse poder. Utiliza uma barreira normativa imaginária, criada por teorias fixadas

no século XIX, para bloquear arranjos institucionais em formação, próprios de uma

democracia ainda muito recente e cheia de brechas e de possibilidades de

intervenção, como é o caso da democracia brasileira.



As decisões dos organismos de poder, a maneira pela qual as instituições funcionam,

têm consequências claras sobre a distribuição de poder entre os cidadãos e outros

entes sociais. Quando, por exemplo, o Judiciário começou a exigir que determinados

procedimentos médicos fossem praticados pelos planos de saúde e certas drogas fossem

adquiridas pela administração pública, o poder privado e o poder público foram

questionados.



De um lado, o Judiciário afirmou que os planos de saúde não eram livres para formar

seus preços sem levar em conta determinadas doenças e, de outro, que a administração

não poderia criar unilateralmente uma lista de drogas a ser adquiridas e

distribuídas para a sociedade. Nesses dois casos, ao modificar os termos contratuais

e tocar na forma de agir do poder público, o Judiciário mudou a balança de poder

entre os entes sociais e estatais envolvidos e forçou a criação de outros

procedimentos e regras para a sua ação e interação mútua.



Há quem afirme que o Judiciário não deveria se intrometer na liberdade de contratar

e nas atribuições da administração pública, por princípio e por definição. Há quem

afirme até que, ao fazer isso, esse poder põe em risco o funcionamento da economia e

da democracia. Preferimos ver esse suposto "mau comportamento" dos juízes como sinal

de mudança institucional, como uma oportunidade de redefinir as fronteiras entre os

Poderes e exercitar a imaginação institucional para aperfeiçoar a democracia e

tornar a economia menos selvagem.



Como se vê nesses exemplos, em um Estado Democrático de Direito é na esfera política

- e não diretamente na "tradição" ou no âmbito do mercado - que se definem, em

última instância, as feições das diversas posições de poder, o desenho das

instituições. E a política, como se percebe, está por toda parte, não apenas no

Parlamento. Pois se há uma "política" sendo praticada nos partidos e no Parlamento,

há também uma "política" ocorrendo no PoderJudiciário, no Poder Executivo, nos

conselhos, agências reguladoras e outros mecanismos deliberativos.



Como diferenciar essas diversas formas de "política" para que toda a dinâmica

institucional não se confunda com o mero jogo de interesses? Pois quando tudo se

torna "política" nada mais o é. Quando tudo é "política", torna-se impossível

diferenciar a atividade de um juiz da atividade de um deputado ou de um ministro e

passamos a cobrar deles posturas e padrões de ação que não correspondem à sua

posição no concerto dos Poderes.



Para evitar esse desfecho, é necessário levar em consideração, no caso do

Judiciário, aquilo que lhe é específico, aquilo que estrutura o que é a "política"

nesse âmbito institucional específico: o "código do direito". Sem se esquecer de que

o próprio significado do que é considerado mais amplamente como "direito" é mutável

no tempo e abrange muito mais do que a simples institucionalização realizada pelo

Poder Judiciário. E é exatamente isso que não está sendo levado em conta por quem

utiliza expressões como "judicialização da política" ou "ativismo judicial".



Nesse contexto em que os diversos âmbitos da política são pensados em suas

especificidades, é preciso, por exemplo, revisitar a própria ideia de separação de

Poderes e repensar seus termos. Os Poderes precisam mesmo ser três? Sua relação

entre si precisa ser aquela fixada pela teoria jurídica dominante no século XIX? Ou

será possível retomar em novos sentidos a ideia original de Montesquieu, que não

fala em três poderes, mas na ideia de frios e contrapesos?



Nessa ordem de razões, o que não se admite é que haja um poder que decida

unilateralmente, ou seja, cujas decisões não passem por uma instância revisora. Não

há espaço para decisões sem justificativa, tomadas por mero capricho ou pela simples

força das circunstâncias. Mas há espaço para mais "poderes", para outras maneiras de

desenhar o Estado de Direito e, portanto, de distribuir o poder entre os diversos

entes sociais.



Há sempre uma parcela de desigualdade, de sofrimento humano que fica fora do desenho

institucional e procura forçar sua entrada por intermédio dos canais institucionais,

pela desobediência civil ou mesmo por meios violentos. E quanto mais cristalizadas

forem as instituições, quanto menos elas forem capazes de ouvir o sofrimento social,

maior a possibilidade de que a violência tome conta da sociedade com o fim de romper

o tecido institucional.



Um pensamento institucional crítica e radicalmente democrático precisa assumir esses

dois pontos de vista ao mesmo tempo. Precisa ver as instituições por dentro, a

partir da sua racionalidade atual, e precisa olhar para elas de fora para descobrir

seus limites e refletir sobre novas possibilidades, novos desenhos institucionais

capazes de dar conta do que hoje está excluído.



Nem sempre o desfecho dessa dinâmica será pacífico, como a história tem demonstrado.

Por exemplo, foi preciso correr muito sangue nas ruas para que os diversos

mecanismos de proteção social fossem criados e novos desenhos institucionais

promovessem a mudança do estado mínimo para um estado social. E isso envolveu

mudanças decisivas na própria concepção do código do direito, das suas formas

institucionais, da definição social do que seja o "jurídico".



Seja como for, nesse campo, o da imaginação institucional, está sendo decidido o

destino de nossa democracia. O pior que se pode fazer para bloquear a discussão

ampla e aberta desse destino é pretender impor de antemão que configurações as

instituições devem ter. Ideias como "judicialização da política" ou "ativismo

judicial" apenas bloqueiam a compreensão do momento presente e paralisam as

discussões democráticas que temos de encarar.



José Rodrigo Rodriguez é pesquisador do Cebrap e editor da Revista Direito GV.



Marcos Nobre é professor do Departamento de Filosofia da Unicamp e pesquisador do

Cebrap



Versão condensada de "A Judicialização da Política: Déficits Explicativos e

Bloqueios Normativistas", texto apresentado na 35ª Anpocs, Caxambu (MG), no fórum

Dilemas da Modernidade Periférica, e que aparecerá na revista "Novos Estudos

Cebrap", número 91








quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Lenio Streck e Fux

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Assunto: para o teu blog, parceiro

De: "Lenio Luiz Streck"

Data: Qui, Novembro 17, 2011 09:41

Para: jribas@puc-rio.br

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Artigos



*17* novembro *2011*



Regra ou princípio

*Ministro equivoca-se ao definir presunção da inocência*



Por Lenio Luiz

Streck



Exercer a crítica no direito é uma tarefa difícil. Principalmente em *terrae

brasilis*. Por aqui, normalmente é *magister dixti*. Mormente se quem disse

é Ministro de Corte Superior. Não conseguimos construir ainda uma cultura

em que as decisões judiciais – em especial as do Supremo Tribunal Federal –

sofram aquilo que venho denominando de “constrangimentos epistemológicos”.

O que é “constrangimento epistemológico”? Trata-se de uma forma de,

criticamente, colocarmos em xeque decisões que se mostram equivocadas, algo

que já chamei, em outro momento, de “fator Julia Roberts”, em alusão à

personagem por ela interpretada no filme *Dossiê Pelicano*, que,

surpreendendo o seu Professor em Harvard, afirma que a Suprema Corte

norte-americana errou no julgamento do famoso caso *Bowers v. Hardwick*. No

fundo, é um modo de dizermos que a “doutrina deve voltar a doutrinar” e não

se colocar, simplesmente, na condição de caudatária das decisões

tribunalícias. Lembro da decisão do então Ministro Humberto Gomes de Barros

(AgrReg em ERESP 279.889), do Superior Tribunal de Justiça, na qual ele

dizia: “Não me importam o que pensam os doutrinadores”, importando, para

ele, apenas o que dizem os Tribunais...! Imediatamente divulguei

contundente artigo

[1]dizendo

a Sua Excelência que “importa, sim, o que a doutrina pensa”. Lançava,

então, um repto à comunidade jurídica: a doutrina tem a função de

doutrinar. Criticava, também, a cultura de repetição de decisões

(ementários, etc) que se formou no Brasil.



Temos de construir as bases para um pensamento crítico que denuncie

equívocos como o voto que abordarei na sequência, da lavra do Ministro Luiz

Fux. A crítica que exporei não tem a pretensão de ser algo do tipo *J’accuse

*, de Emile Zola, em que este fazia contundente manifesto contra a

injustiça cometida contra o cap. Dreyfus. Posso, no máximo, estar indignado

como Zola.



Por isso, permito-me trazer a lume o meu protesto contra o voto do Min.

Luiz Fux, a quem nutro profundo respeito pessoal, no processo da Lei Ficha

Limpa. Nosso Amigo – meu e do Ministro Luiz Fux – James Tubenschlak (de

saudosa memória, que morreu prematuramente quando, com sua esposa Tânia,

visitava o Rio Grande do Sul) nos uniu há muitos anos, no velho Instituto

de Direito, o ID. Ele, Luiz Fux, já um jurista (então membro do Ministério

Público) conhecido, e eu, iniciando minha trajetória. James nos

prestigiava. E como! Era Amilton Bueno de Carvalho, Lenio Streck, Luiz Fux,

Silvio Capanema, Nagib Slaibi, Alexandre Câmara, Afranio Silva Jardim,

Juarez Cirino, Jacinto Coutinho, Caio Mário, João Mestieri, Barbosa

Moreira, Yussef Cahaly, Calmon de Passos (quem mais arrancava aplausos de

pé). Havia muitos outros. O Hotel Glória ficava repleto, tendo que colocar

telões. Não havia ainda redes sociais. Nosso espaço era cavado com muito

(mais) esforço do que se faz hoje.



Cada um seguiu sua trajetória. Fux foi guindado ao STJ e ao STF. E o que o

Ministro Fux vem fazendo? Lançando belos votos, como outra coisa não se

poderia esperar de um jurista talentoso. Entretanto, não estamos mais nos

palcos do Hotel Glória. Não precisamos mais disputar as palmas daqueles

milhares que lá iam. Hoje ele é um Ministro do Supremo Tribunal da

República Federativa do Brasil. Duzentos milhões de habitantes. Fux não é

mais palestrante. Relembro: é Ministro. Só tem onze na República. E cada um

tem responsabilidade política. E que responsabilidade, em um país eivado de

judicializações, que, diga-se, não ocorrem por culpa do STF; são, sim,

contingenciais...! Cada decisão tem efeitos colaterais. De cada decisão,

extrai-se um princípio. Outro dia o meu caríssimo Ministro concedeu Habeas

Corpus, invocando algo que não consta no Código Penal: a teoria da actio

libera in causa. Ou seja, tivesse o STF coerência nas decisões, portanto,

respeitasse o STF a origem do direito fruto de suas decisões, teríamos, a

partir de agora, algo inusitado: nunca mais se conseguirá acusar alguém por

dolo eventual na hipótese em que o autor dirija embriagado e atropele (e

mate). A tese do voto: somente se pode acusar alguém por dolo eventual se

ficar demonstrado que o agente “se embriagou com o propósito de cometer um

crime”. Prova, pois, diabólica. Impossível de se fazer. Aliás, nunca houve

no mundo um processo julgado nesse sentido. A velha actio libera in causa

não é um princípio. E tampouco é uma regra. Nem mais se estuda essa tese

nas salas de aula. Porém, o Min. Fux proferiu um belo voto. Pergunto: e os

efeitos colaterais dessa decisão?



Poderia falar de outros votos. Mas a minha crítica epistêmica é dirigida a

um caso bem recente, a não passar desapercebido pela população. Trata-se do

caso da “Lei Ficha Limpa” (ou “Ficha Suja”, como queiram). Neste caso,

penso que o Ministro – permito-me dizer, com todas as vênias do mundo;

afinal trata-se de um Ministro e no Brasil quase ninguém tem coragem para

criticar decisões da Suprema Corte – equivocou-se. Tomo, pois, a coragem de

“acusá-lo” epistemicamente.



Contextualizarei. De há muito, ocupo-me em minhas pesquisas da questão que

envolve a determinação do conceito de princípio. Mais especificamente,

minhas preocupações giram em torno do problema da decisão judicial e da

existência ou não do chamado “poder discricionário dos juízes” no momento

da solução dos chamados “casos difíceis” (em Verdade e Consenso, Saraiva,

4ª ed., demonstro a inadequação hermenêutica desse último conceito).



Na esteira da construção dessa busca pela determinação do conceito de

princípio, deparei-me, mormente nos anos mais recentes, com situações

inusitadas. Certamente, a mais pitoresca de todas é aquela que nomeei (em

diversos textos, e especialmente, em Verdade e Consenso) de

panprincipiologismo, uma espécie de patologia especialmente ligada às

práticas jurídicas brasileiras e que leva a um uso desmedido de standards

argumentativos que, no mais das vezes, são articulados para driblar aquilo

que ficou regrado pela produção democrática do direito, no âmbito da

legislação (constitucionalmente adequada). É como se ocorresse uma espécie

de “hiperestesia” nos juristas que os levassem a descobrir por meio da

sensibilidade (o senso de justiça, no mais das vezes, sempre é um álibi

teórico da realização dos “valores” que subjazem o “Direito”), à melhor

solução para os casos jurisdicionalizados.



Pois bem. No julgamento conjunto das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o STF

parece ter inaugurado uma forma nova desse fenômeno se manifestar. Com

efeito, ao lado do uso inflacionado do conceito de princípio (por exemplo,

o panprincipialismo é, corretamente, denunciado pelo Ministro Tóffoli em

vários votos, inclusive fazendo alusão ao meu Verdade e Consenso, op.cit.),

o voto que até o momento foi apresentado nesses julgamentos (Lei do “Ficha

Limpa) produz uma espécie de retração que, mais do que representar uma

contenção ao panprincipiologismo, manifesta-se como um subproduto deste

mesmo fenômeno. Trata-se de uma espécie de “uso hipossuficiente” do

conceito de princípio. Já não se sabe o que é mais grave: o

panprincipialismo ou a hipossuficiência principiológica.



O que seria esse “uso hipossuficiente do conceito de princípio”? Explico:

ao invés de nomear qualquer standard argumentativo ou qualquer enunciado

performático de princípio, o Judiciário passa a negar densidade normativa

de princípio àquilo que é, efetivamente, um princípio, verdadeiramente um

princípio, anunciando-o como uma regra. Aliás, nega-se a qualidade de

princípio àquilo que está nominado como princípio pela Constituição...!



O que ocorreu, afinal? O julgamento em tela trata da adequação da Lei

Complementar 115/2010 (chamada lei da “Ficha Limpa”) à Constituição. Neste

momento, não me preocupa tanto o mérito da ação, mas aquilo que é feito com

a Teoria do Direito. Qual é a serventia da Teoria do Direito? Não se trata

de uma questão cosmética. Pelo contrário, é da Teoria do Direito que se

retiram as condições para construir bons argumentos e fundamentar

adequadamente as decisões. Quero dizer: tem-se a discutir o que foi feito

da Teoria do Direito dos últimos 50 anos, a tanto ocupar a questão do

conceito de princípio e que, agora, no voto do Ministro Fux, parece não ter

muita serventia. Veja-se as palavras do Ministro:



“A presunção de inocência consagrada no artigo 5º, LVII da Constituição

deve ser reconhecida, segundo lição de Humberto Ávila, como uma regra, ou

seja, como uma norma de previsão de conduta, em especial de proibir a

imposição de penalidade ou de efeitos da condenação penal até que

transitada em julgado decisão penal condenatória. *Concessa venia*, não se

vislumbra a existência de um conteúdo principiológico no indigitado

enunciado normativo”.



Não se vislumbra no enunciado normativo (presunção da inocência) um

conteúdo principiológico? *Concessa venia*, Ministro Fux. A posição exarada

por Vossa Excelência sugere claramente uma passagem ao largo de toda a

discussão a travar-se no âmbito teórico para saber o que é, efetivamente,

um princípio. E o faz com apelo a um argumento de autoridade, baseado numa

concepção isolada, no contexto global da teoria do direito e da filosofia

do direito, a qual não pode ser tida como dominante. Aliás, a vingar a tese

do ilustre jurista citado pelo Ministro, a igualdade – virtude soberana de

qualquer democracia, como aparece em Dworkin e, numa perspectiva mais

clássica, no testemunho de Alexis de Tocqueville sobre a democracia

americana – não seria uma princípio, mas sim um simples postulado! Na

verdade, não sei se o próprio Prof. Ávila concorda com a tese apresentada

no aludido voto. Não sei se ele nega(ria) densidade de princípio à

presunção da inocência.



A afirmação de que a presunção de inocência seria uma regra (sic) e não um

princípio é tão temerária que uniria dois autores completamente

antagônicos, como são Robert Alexy e Ronald Dworkin, na mesma trincheira de

combate. Ou seja, ambos se uniriam para destruir tal afirmação. Isso porque

a grande novidade das teorias contemporâneas sobre os princípios jurídicos

foi demonstrar que, mais do que simples fatores de colmatação das lacunas

(como ocorria nas posturas metodológicas derivadas do privativismo

novecentista), eles são, hoje, normas jurídicas vinculantes, presentes em

todo momento no contexto de uma comunidade política. Tanto para Dworkin

quanto para Alexy – que, certamente, são os autores que mais

representativamente se debruçaram sobre o problema do conceito de princípio

– existe uma diferença entre a regra (que, evidentemente, também é norma) e

os princípios. Só para lembrar: cada um dos autores (Dworkin e Alexy)

construirá sua posição sob pressupostos metodológicos diferentes que os

levarão, no mais das vezes, a identificar pontos distintos para realizar

essa diferenciação. No caso de Alexy, sua distinção será estrutural, de

natureza semântica; ao passo que Dworkin realiza uma distinção de natureza

mais fenomenológica.



De todo modo, tanto as posições de Dworkin quanto as de Alexy concordam que

um dos fatores a diferenciar os princípios das regras diz respeito ao fato

de que sua não-incidência (ou aplicação) em um determinado caso concreto

não exclui a possibilidade de sua aplicação em outro, cujo contexto

fático-existêncial seja diferente daquele que originou seu afastamento. As

regras, por outro lado, se afastadas de um caso, devem, necessariamente,

ser afastadas de todos os outros futuros; exigência decorrente de um

PRINCÍPIO, que é a igualdade de tratamento. Isso mesmo: a igualdade, que

não é uma regra e, sim, um princípio).



Para Dworkin, os princípios representam uma comunidade, vale dizer: uma

comunidade política se articula a partir de um conjunto coerente de

princípios que justifica e legitima sua ação política. Por isso o direito

pós-bélico (Losano) – o que surge depois da Segunda Guerra - é um novo

paradigma. Só não entende isso quem deseja retornar ao século XIX, ao tempo

do “império das regras”; aliás, ao tempo do positivismo

primitivo-exegético-sintático.



Ora, os princípios possuem uma “dimensão de peso” (como aparece em Levando

os Direitos a Sério), o que significa dizer que, em determinados casos, um

princípio terá uma incidência mais forte do que noutro (ou noutros). Isso

não impede que, num outro caso com circunstâncias distintas de aplicação,

aquele princípio – afastado anteriormente – volte com maior força,

dependendo da construção que se faz, com base na reconstrução da cadeia da

integridade do direito. É o que tenho chamado de DNA do direito.



Além de Dworkin, Alexy ressalta essa peculiaridade dos princípios (sequer

mencionarei Habermas, radical no sentido de que os princípios são normas,

sendo, portanto, deontológicos). Para Alexy, tão citado e tão pouco lido (e

menos ainda compreendido) e adepto da distinção semântico-estrutural entre

regras e princípios, os princípios valem *prima facie *de forma ampla

(mandados de otimização). Circunstâncias concretas podem fazer com que seu

âmbito de aplicação seja restringido. Os princípios – que, em algumas

passagens da sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy equipara com os

próprios direitos fundamentais – encontram-se em rota de colisão, e os

critérios de proporcionalidade derivados da ponderação resolvem essa

aparente contradição, fazendo com que, em um caso específico, um deles

prevaleça. Lembre-se o resultado da ponderação dos princípios colidentes é

uma regra que Alexy chama de “norma de direito fundamental *adscripta*”

(que, na prática cotidiana da aplicação do direito, ninguém faz). E

lembre-se ainda que, nos termos da teoria alexyana, essa regra deve servir

para resolver casos similares àquele que ensejaram a ponderação dos

princípios colidentes. Aqui, uma pausa: será que algum juiz ou tribunal no

Brasil já se preocupou em determinar a regra de direito fundamental *

adscripta* quando opera com a ponderação? Será que qualquer um deles já

aplicou tal regra a outros casos similares? A resposta é óbvia: não há um

caso a retratar esse tipo de aplicação. A própria ponderação é uma ficção.

É uma máscara para esconder a subjetividade do julgador.



De todo modo – para concluir o raciocínio anterior – é bom lembrar que até

Alexy é explicito ao afirmar que os princípios, quando afastados da

aplicação em um caso específico, podem voltar com densidade normativa forte

em outros casos futuros. As regras a terem como modo de aplicação a

subsunção, ou valem ou não valem: se excluídas de um caso DEVEM SER,

necessariamente, EXCLUÍDAS de outros futuros.



Desse modo, fica clara a fragilidade do argumento exposto pelo caríssimo

Min. Fux, a quem tomo a liberdade de indagar o seguinte, e a partir da

breve exposição sobre o melhor da doutrina mundial a respeito de regras e

princípios; doutrina recepcionada no Brasil por tantos juristas e

tribunais: 1 - se a presunção de inocência é mesmo uma regra, como é

possível dizer que ela pode ter sua aplicação restringida no caso de

condenações confirmadas pelo Tribunal (e os casos de competência

originária, seriam o quê?) e, ao mesmo tempo, valer para aqueles que foram

condenados pelo juiz singular apenas? 2- se ela é uma regra, não deveria

então também ser afastada nesses casos?



Note-se que o argumento é tão frágil que melhor ficaria se fosse dito que a

presunção de inocência é (mesmo) um princípio: se justificada sua restrição

no caso de condenações confirmadas pela segunda instância, conservar-se-ia

intacta sua aplicação no âmbito do juiz singular! Todavia, nos termos em

que foi formulado no voto, como pode uma regra valer num caso e não valer

no outro? Haveria ponderação entre regras, como querem – de forma

equivocada – alguns de nossos doutrinadores? Rebaixada à condição de regra,

a presunção da inocência entraria em um “processo” de ponderação? E disso

exsurgiria que tipo de resultado? Uma “regra da regra”?



Mais: afinal, se a ponderação é a forma de realização dos princípios e a

subsunção é a forma de realização das regras (isso está em Alexy, com todos

os problemas teoréticos que isso acarreta), falar em ponderação de regras

não é acabar com a própria distinção entre regras e princípios tornando-os,

novamente, indistintos? Parece-me que o imbróglio teórico gerado pelo voto

do Ministro Fux bem representa um verdadeiro “leviatã hermenêutico”, isto

é, uma guerra constante de todas as correntes de aplicação, estudos, e

interpretação do Direito entre si, a gerar uma confusão sem precedentes,

onde cada um aplica e interpreta como quer o Direito, desatentos ao fato de

que todo problema de constitucionalidade é um problema de poder

constituinte. No fundo, mais uma vez venceu o pragmati(ci)smo, derrotando a

Teoria do Direito.



Ainda, numa palavra, várias perguntas: a) se a presunção de inocência não é

um princípio, o devido processo legal também não o é? b) E a igualdade?

Seria ela uma regra? c) Na medida em que o cada juiz deve obedecer a

“regra” da coerência em seus julgamentos, isso quer dizer que, daqui para

frente, nos julgamentos do Min. Fux, a “regra” (sic) da presunção da

inocência pode, em um conflito com um princípio, ou até mesmo com uma

regra, soçobrar? d) Uma outra regra pode vir a “derrubar” a presunção da

inocência? E) E o que dirão os processualistas-penais de *terrae brasilis*,

quando confrontados com essa “hipossuficientização” do princípio da

presunção da inocência, conquista da democracia?



Finalizo repetindo que a questão a se discutir aqui não diz respeito ao

mérito do julgamento do “caso Ficha Limpa”. Nem quero discutir as

possibilidades de restrição ou não do direito fundamental à presunção de

inocência. A questão é simbólica (lembremos de Cornelius Castoriadis). O

que representa, no plano do futuro do direito em *terrae brasilis*, o

exposto no voto do Ministro Luiz Fux? Quais são os efeitos simbólicos

disso? Lembremos, aqui também, de Bourdieu, quando fala do poder de

violência simbólica dos discursos.



Nada se deve objetar a que algumas teses sejam construídas de forma

pragmati(ci)sta. Essas teses podem fazer sucesso no mundo jurídico. Mas não

hão de subjugar décadas de discussões e avanços produzidos na Teoria do

Direito. Talvez a maior conquista nesse (e desse) direito pós-Auschwitz

tenha sido, efetivamente, a principiologia constitucional, pela qual

ingressa o mundo prático no direito, com a institucionalização da moral no

direito (não esqueçamos de Habermas). Por isso, não se pode vir a dizer que

a presunção da inocência não seja um princípio. Por mais “valor” pragmático

que isso possa vir a ter. O direito não sobrevive de pragmati(ci)smos.

Direito não é um conjunto de casos isolados. Portanto, o “problema” não é a

decisão de um determinado caso, mas, sim, como se decidirão os próximos.

Definitivamente, não há grau zero de sentido!



Portanto, o problema é de ordem teórica: maus argumentos podem construir

más decisões. E isso é algo que deve ser evitado. Quem sabe, prestigiemos

mais a Teoria do Direito. Ou para que ela serve? Indago: por que existem

tantos Programas de Pós-Graduação em Direito no Brasil? Existem mais de mil

e quinhentas teses de doutorado – parcela delas pagas com bolsas custeadas

pelo povo e orientadas por prestigiosos professores – sustentando que

“princípios não são (ou não podem ser) regras”, ou trabalhando essa

distinção entre regras e princípios (particularmente, nem concordo com a

distinção semântico-estrutural entre regra e princípio, mas isso é assunto

para outro momento; para mim, princípios são normas; são, sempre,

deontológicos; portanto, não são mandados de otimização!). Deve haver mais

de três mil teses de mestrado, feitas no Brasil e no exterior, sustentando

o contrário do que diz o Ministro Fux. Aliás, registro, o Min. Fux é um

prestigiado Professor Doutor, com brilhante tese defendida em renomada

Universidade. Tudo parece conspirar a favor das teses que são contrárias às

do Min. Fux.



Assim, senti-me na obrigação de registrar minha contrariedade ao voto de

Sua Excelência e da doutrina por ele sufragada. Não tenho o “lugar da fala”

de Luiz Fux; o que ele diz repercute em todo o Brasil em fração de

segundos. Não tive a felicidade de ser indicado pelo Presidente da

República ao digníssimo cargo de Ministro do Supremo Tribunal. Por outro

lado, tenho muitos alunos e leitores, a não esperarem menos de mim do que

agora faço. Defendendo a Academia. Defendendo a Constituição. Com todas as

vênias. Sei que não estamos mais no Hotel Glória e nem James Tubenchlak

está na platéia, vigilante, exigindo, com gestos e olhares, que sejamos

aplaudidos de pé, como tantas vezes lá fomos ovacionados, mormente os

“Meninos do Rio” (assim James anunciava, com extremo carinho que tinha por

todos nós, o trio brilhante Fux-Capanema-Nagib, para, na sequência,

anunciar Amilton-Lenio-Below ou outro palestrante que “fechava” este

painel). Hoje, o “mercado” de palestrantes é tomado por jovens, que muito

se assemelham a pastores pentecostais. Mas é pelos velhos tempos que

procuro ser crítico. Temos que ser críticos. E dizer as coisas que precisam

ser ditas. Aqui, da planície ao Planalto. Com respeito e carinho.

------------------------------



[1]

http://www.leniostreck.com.br/site/wp-content/uploads/2011/10/10.pdf



Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio

Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito.

Artigos



*17* novembro *2011*



Regra ou princípio

*Ministro equivoca-se ao definir presunção da inocência*



Por Lenio Luiz

Streck



Exercer a crítica no direito é uma tarefa difícil. Principalmente em *terrae

brasilis*. Por aqui, normalmente é *magister dixti*. Mormente se quem disse

é Ministro de Corte Superior. Não conseguimos construir ainda uma cultura

em que as decisões judiciais – em especial as do Supremo Tribunal Federal –

sofram aquilo que venho denominando de “constrangimentos epistemológicos”.

O que é “constrangimento epistemológico”? Trata-se de uma forma de,

criticamente, colocarmos em xeque decisões que se mostram equivocadas, algo

que já chamei, em outro momento, de “fator Julia Roberts”, em alusão à

personagem por ela interpretada no filme *Dossiê Pelicano*, que,

surpreendendo o seu Professor em Harvard, afirma que a Suprema Corte

norte-americana errou no julgamento do famoso caso *Bowers v. Hardwick*. No

fundo, é um modo de dizermos que a “doutrina deve voltar a doutrinar” e não

se colocar, simplesmente, na condição de caudatária das decisões

tribunalícias. Lembro da decisão do então Ministro Humberto Gomes de Barros

(AgrReg em ERESP 279.889), do Superior Tribunal de Justiça, na qual ele

dizia: “Não me importam o que pensam os doutrinadores”, importando, para

ele, apenas o que dizem os Tribunais...! Imediatamente divulguei

contundente artigo

[1]dizendo

a Sua Excelência que “importa, sim, o que a doutrina pensa”. Lançava,

então, um repto à comunidade jurídica: a doutrina tem a função de

doutrinar. Criticava, também, a cultura de repetição de decisões

(ementários, etc) que se formou no Brasil.



Temos de construir as bases para um pensamento crítico que denuncie

equívocos como o voto que abordarei na sequência, da lavra do Ministro Luiz

Fux. A crítica que exporei não tem a pretensão de ser algo do tipo *J’accuse

*, de Emile Zola, em que este fazia contundente manifesto contra a

injustiça cometida contra o cap. Dreyfus. Posso, no máximo, estar indignado

como Zola.



Por isso, permito-me trazer a lume o meu protesto contra o voto do Min.

Luiz Fux, a quem nutro profundo respeito pessoal, no processo da Lei Ficha

Limpa. Nosso Amigo – meu e do Ministro Luiz Fux – James Tubenschlak (de

saudosa memória, que morreu prematuramente quando, com sua esposa Tânia,

visitava o Rio Grande do Sul) nos uniu há muitos anos, no velho Instituto

de Direito, o ID. Ele, Luiz Fux, já um jurista (então membro do Ministério

Público) conhecido, e eu, iniciando minha trajetória. James nos

prestigiava. E como! Era Amilton Bueno de Carvalho, Lenio Streck, Luiz Fux,

Silvio Capanema, Nagib Slaibi, Alexandre Câmara, Afranio Silva Jardim,

Juarez Cirino, Jacinto Coutinho, Caio Mário, João Mestieri, Barbosa

Moreira, Yussef Cahaly, Calmon de Passos (quem mais arrancava aplausos de

pé). Havia muitos outros. O Hotel Glória ficava repleto, tendo que colocar

telões. Não havia ainda redes sociais. Nosso espaço era cavado com muito

(mais) esforço do que se faz hoje.



Cada um seguiu sua trajetória. Fux foi guindado ao STJ e ao STF. E o que o

Ministro Fux vem fazendo? Lançando belos votos, como outra coisa não se

poderia esperar de um jurista talentoso. Entretanto, não estamos mais nos

palcos do Hotel Glória. Não precisamos mais disputar as palmas daqueles

milhares que lá iam. Hoje ele é um Ministro do Supremo Tribunal da

República Federativa do Brasil. Duzentos milhões de habitantes. Fux não é

mais palestrante. Relembro: é Ministro. Só tem onze na República. E cada um

tem responsabilidade política. E que responsabilidade, em um país eivado de

judicializações, que, diga-se, não ocorrem por culpa do STF; são, sim,

contingenciais...! Cada decisão tem efeitos colaterais. De cada decisão,

extrai-se um princípio. Outro dia o meu caríssimo Ministro concedeu Habeas

Corpus, invocando algo que não consta no Código Penal: a teoria da actio

libera in causa. Ou seja, tivesse o STF coerência nas decisões, portanto,

respeitasse o STF a origem do direito fruto de suas decisões, teríamos, a

partir de agora, algo inusitado: nunca mais se conseguirá acusar alguém por

dolo eventual na hipótese em que o autor dirija embriagado e atropele (e

mate). A tese do voto: somente se pode acusar alguém por dolo eventual se

ficar demonstrado que o agente “se embriagou com o propósito de cometer um

crime”. Prova, pois, diabólica. Impossível de se fazer. Aliás, nunca houve

no mundo um processo julgado nesse sentido. A velha actio libera in causa

não é um princípio. E tampouco é uma regra. Nem mais se estuda essa tese

nas salas de aula. Porém, o Min. Fux proferiu um belo voto. Pergunto: e os

efeitos colaterais dessa decisão?



Poderia falar de outros votos. Mas a minha crítica epistêmica é dirigida a

um caso bem recente, a não passar desapercebido pela população. Trata-se do

caso da “Lei Ficha Limpa” (ou “Ficha Suja”, como queiram). Neste caso,

penso que o Ministro – permito-me dizer, com todas as vênias do mundo;

afinal trata-se de um Ministro e no Brasil quase ninguém tem coragem para

criticar decisões da Suprema Corte – equivocou-se. Tomo, pois, a coragem de

“acusá-lo” epistemicamente.



Contextualizarei. De há muito, ocupo-me em minhas pesquisas da questão que

envolve a determinação do conceito de princípio. Mais especificamente,

minhas preocupações giram em torno do problema da decisão judicial e da

existência ou não do chamado “poder discricionário dos juízes” no momento

da solução dos chamados “casos difíceis” (em Verdade e Consenso, Saraiva,

4ª ed., demonstro a inadequação hermenêutica desse último conceito).



Na esteira da construção dessa busca pela determinação do conceito de

princípio, deparei-me, mormente nos anos mais recentes, com situações

inusitadas. Certamente, a mais pitoresca de todas é aquela que nomeei (em

diversos textos, e especialmente, em Verdade e Consenso) de

panprincipiologismo, uma espécie de patologia especialmente ligada às

práticas jurídicas brasileiras e que leva a um uso desmedido de standards

argumentativos que, no mais das vezes, são articulados para driblar aquilo

que ficou regrado pela produção democrática do direito, no âmbito da

legislação (constitucionalmente adequada). É como se ocorresse uma espécie

de “hiperestesia” nos juristas que os levassem a descobrir por meio da

sensibilidade (o senso de justiça, no mais das vezes, sempre é um álibi

teórico da realização dos “valores” que subjazem o “Direito”), à melhor

solução para os casos jurisdicionalizados.



Pois bem. No julgamento conjunto das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o STF

parece ter inaugurado uma forma nova desse fenômeno se manifestar. Com

efeito, ao lado do uso inflacionado do conceito de princípio (por exemplo,

o panprincipialismo é, corretamente, denunciado pelo Ministro Tóffoli em

vários votos, inclusive fazendo alusão ao meu Verdade e Consenso, op.cit.),

o voto que até o momento foi apresentado nesses julgamentos (Lei do “Ficha

Limpa) produz uma espécie de retração que, mais do que representar uma

contenção ao panprincipiologismo, manifesta-se como um subproduto deste

mesmo fenômeno. Trata-se de uma espécie de “uso hipossuficiente” do

conceito de princípio. Já não se sabe o que é mais grave: o

panprincipialismo ou a hipossuficiência principiológica.



O que seria esse “uso hipossuficiente do conceito de princípio”? Explico:

ao invés de nomear qualquer standard argumentativo ou qualquer enunciado

performático de princípio, o Judiciário passa a negar densidade normativa

de princípio àquilo que é, efetivamente, um princípio, verdadeiramente um

princípio, anunciando-o como uma regra. Aliás, nega-se a qualidade de

princípio àquilo que está nominado como princípio pela Constituição...!



O que ocorreu, afinal? O julgamento em tela trata da adequação da Lei

Complementar 115/2010 (chamada lei da “Ficha Limpa”) à Constituição. Neste

momento, não me preocupa tanto o mérito da ação, mas aquilo que é feito com

a Teoria do Direito. Qual é a serventia da Teoria do Direito? Não se trata

de uma questão cosmética. Pelo contrário, é da Teoria do Direito que se

retiram as condições para construir bons argumentos e fundamentar

adequadamente as decisões. Quero dizer: tem-se a discutir o que foi feito

da Teoria do Direito dos últimos 50 anos, a tanto ocupar a questão do

conceito de princípio e que, agora, no voto do Ministro Fux, parece não ter

muita serventia. Veja-se as palavras do Ministro:



“A presunção de inocência consagrada no artigo 5º, LVII da Constituição

deve ser reconhecida, segundo lição de Humberto Ávila, como uma regra, ou

seja, como uma norma de previsão de conduta, em especial de proibir a

imposição de penalidade ou de efeitos da condenação penal até que

transitada em julgado decisão penal condenatória. *Concessa venia*, não se

vislumbra a existência de um conteúdo principiológico no indigitado

enunciado normativo”.



Não se vislumbra no enunciado normativo (presunção da inocência) um

conteúdo principiológico? *Concessa venia*, Ministro Fux. A posição exarada

por Vossa Excelência sugere claramente uma passagem ao largo de toda a

discussão a travar-se no âmbito teórico para saber o que é, efetivamente,

um princípio. E o faz com apelo a um argumento de autoridade, baseado numa

concepção isolada, no contexto global da teoria do direito e da filosofia

do direito, a qual não pode ser tida como dominante. Aliás, a vingar a tese

do ilustre jurista citado pelo Ministro, a igualdade – virtude soberana de

qualquer democracia, como aparece em Dworkin e, numa perspectiva mais

clássica, no testemunho de Alexis de Tocqueville sobre a democracia

americana – não seria uma princípio, mas sim um simples postulado! Na

verdade, não sei se o próprio Prof. Ávila concorda com a tese apresentada

no aludido voto. Não sei se ele nega(ria) densidade de princípio à

presunção da inocência.



A afirmação de que a presunção de inocência seria uma regra (sic) e não um

princípio é tão temerária que uniria dois autores completamente

antagônicos, como são Robert Alexy e Ronald Dworkin, na mesma trincheira de

combate. Ou seja, ambos se uniriam para destruir tal afirmação. Isso porque

a grande novidade das teorias contemporâneas sobre os princípios jurídicos

foi demonstrar que, mais do que simples fatores de colmatação das lacunas

(como ocorria nas posturas metodológicas derivadas do privativismo

novecentista), eles são, hoje, normas jurídicas vinculantes, presentes em

todo momento no contexto de uma comunidade política. Tanto para Dworkin

quanto para Alexy – que, certamente, são os autores que mais

representativamente se debruçaram sobre o problema do conceito de princípio

– existe uma diferença entre a regra (que, evidentemente, também é norma) e

os princípios. Só para lembrar: cada um dos autores (Dworkin e Alexy)

construirá sua posição sob pressupostos metodológicos diferentes que os

levarão, no mais das vezes, a identificar pontos distintos para realizar

essa diferenciação. No caso de Alexy, sua distinção será estrutural, de

natureza semântica; ao passo que Dworkin realiza uma distinção de natureza

mais fenomenológica.



De todo modo, tanto as posições de Dworkin quanto as de Alexy concordam que

um dos fatores a diferenciar os princípios das regras diz respeito ao fato

de que sua não-incidência (ou aplicação) em um determinado caso concreto

não exclui a possibilidade de sua aplicação em outro, cujo contexto

fático-existêncial seja diferente daquele que originou seu afastamento. As

regras, por outro lado, se afastadas de um caso, devem, necessariamente,

ser afastadas de todos os outros futuros; exigência decorrente de um

PRINCÍPIO, que é a igualdade de tratamento. Isso mesmo: a igualdade, que

não é uma regra e, sim, um princípio).



Para Dworkin, os princípios representam uma comunidade, vale dizer: uma

comunidade política se articula a partir de um conjunto coerente de

princípios que justifica e legitima sua ação política. Por isso o direito

pós-bélico (Losano) – o que surge depois da Segunda Guerra - é um novo

paradigma. Só não entende isso quem deseja retornar ao século XIX, ao tempo

do “império das regras”; aliás, ao tempo do positivismo

primitivo-exegético-sintático.



Ora, os princípios possuem uma “dimensão de peso” (como aparece em Levando

os Direitos a Sério), o que significa dizer que, em determinados casos, um

princípio terá uma incidência mais forte do que noutro (ou noutros). Isso

não impede que, num outro caso com circunstâncias distintas de aplicação,

aquele princípio – afastado anteriormente – volte com maior força,

dependendo da construção que se faz, com base na reconstrução da cadeia da

integridade do direito. É o que tenho chamado de DNA do direito.



Além de Dworkin, Alexy ressalta essa peculiaridade dos princípios (sequer

mencionarei Habermas, radical no sentido de que os princípios são normas,

sendo, portanto, deontológicos). Para Alexy, tão citado e tão pouco lido (e

menos ainda compreendido) e adepto da distinção semântico-estrutural entre

regras e princípios, os princípios valem *prima facie *de forma ampla

(mandados de otimização). Circunstâncias concretas podem fazer com que seu

âmbito de aplicação seja restringido. Os princípios – que, em algumas

passagens da sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy equipara com os

próprios direitos fundamentais – encontram-se em rota de colisão, e os

critérios de proporcionalidade derivados da ponderação resolvem essa

aparente contradição, fazendo com que, em um caso específico, um deles

prevaleça. Lembre-se o resultado da ponderação dos princípios colidentes é

uma regra que Alexy chama de “norma de direito fundamental *adscripta*”

(que, na prática cotidiana da aplicação do direito, ninguém faz). E

lembre-se ainda que, nos termos da teoria alexyana, essa regra deve servir

para resolver casos similares àquele que ensejaram a ponderação dos

princípios colidentes. Aqui, uma pausa: será que algum juiz ou tribunal no

Brasil já se preocupou em determinar a regra de direito fundamental *

adscripta* quando opera com a ponderação? Será que qualquer um deles já

aplicou tal regra a outros casos similares? A resposta é óbvia: não há um

caso a retratar esse tipo de aplicação. A própria ponderação é uma ficção.

É uma máscara para esconder a subjetividade do julgador.



De todo modo – para concluir o raciocínio anterior – é bom lembrar que até

Alexy é explicito ao afirmar que os princípios, quando afastados da

aplicação em um caso específico, podem voltar com densidade normativa forte

em outros casos futuros. As regras a terem como modo de aplicação a

subsunção, ou valem ou não valem: se excluídas de um caso DEVEM SER,

necessariamente, EXCLUÍDAS de outros futuros.



Desse modo, fica clara a fragilidade do argumento exposto pelo caríssimo

Min. Fux, a quem tomo a liberdade de indagar o seguinte, e a partir da

breve exposição sobre o melhor da doutrina mundial a respeito de regras e

princípios; doutrina recepcionada no Brasil por tantos juristas e

tribunais: 1 - se a presunção de inocência é mesmo uma regra, como é

possível dizer que ela pode ter sua aplicação restringida no caso de

condenações confirmadas pelo Tribunal (e os casos de competência

originária, seriam o quê?) e, ao mesmo tempo, valer para aqueles que foram

condenados pelo juiz singular apenas? 2- se ela é uma regra, não deveria

então também ser afastada nesses casos?



Note-se que o argumento é tão frágil que melhor ficaria se fosse dito que a

presunção de inocência é (mesmo) um princípio: se justificada sua restrição

no caso de condenações confirmadas pela segunda instância, conservar-se-ia

intacta sua aplicação no âmbito do juiz singular! Todavia, nos termos em

que foi formulado no voto, como pode uma regra valer num caso e não valer

no outro? Haveria ponderação entre regras, como querem – de forma

equivocada – alguns de nossos doutrinadores? Rebaixada à condição de regra,

a presunção da inocência entraria em um “processo” de ponderação? E disso

exsurgiria que tipo de resultado? Uma “regra da regra”?



Mais: afinal, se a ponderação é a forma de realização dos princípios e a

subsunção é a forma de realização das regras (isso está em Alexy, com todos

os problemas teoréticos que isso acarreta), falar em ponderação de regras

não é acabar com a própria distinção entre regras e princípios tornando-os,

novamente, indistintos? Parece-me que o imbróglio teórico gerado pelo voto

do Ministro Fux bem representa um verdadeiro “leviatã hermenêutico”, isto

é, uma guerra constante de todas as correntes de aplicação, estudos, e

interpretação do Direito entre si, a gerar uma confusão sem precedentes,

onde cada um aplica e interpreta como quer o Direito, desatentos ao fato de

que todo problema de constitucionalidade é um problema de poder

constituinte. No fundo, mais uma vez venceu o pragmati(ci)smo, derrotando a

Teoria do Direito.



Ainda, numa palavra, várias perguntas: a) se a presunção de inocência não é

um princípio, o devido processo legal também não o é? b) E a igualdade?

Seria ela uma regra? c) Na medida em que o cada juiz deve obedecer a

“regra” da coerência em seus julgamentos, isso quer dizer que, daqui para

frente, nos julgamentos do Min. Fux, a “regra” (sic) da presunção da

inocência pode, em um conflito com um princípio, ou até mesmo com uma

regra, soçobrar? d) Uma outra regra pode vir a “derrubar” a presunção da

inocência? E) E o que dirão os processualistas-penais de *terrae brasilis*,

quando confrontados com essa “hipossuficientização” do princípio da

presunção da inocência, conquista da democracia?



Finalizo repetindo que a questão a se discutir aqui não diz respeito ao

mérito do julgamento do “caso Ficha Limpa”. Nem quero discutir as

possibilidades de restrição ou não do direito fundamental à presunção de

inocência. A questão é simbólica (lembremos de Cornelius Castoriadis). O

que representa, no plano do futuro do direito em *terrae brasilis*, o

exposto no voto do Ministro Luiz Fux? Quais são os efeitos simbólicos

disso? Lembremos, aqui também, de Bourdieu, quando fala do poder de

violência simbólica dos discursos.



Nada se deve objetar a que algumas teses sejam construídas de forma

pragmati(ci)sta. Essas teses podem fazer sucesso no mundo jurídico. Mas não

hão de subjugar décadas de discussões e avanços produzidos na Teoria do

Direito. Talvez a maior conquista nesse (e desse) direito pós-Auschwitz

tenha sido, efetivamente, a principiologia constitucional, pela qual

ingressa o mundo prático no direito, com a institucionalização da moral no

direito (não esqueçamos de Habermas). Por isso, não se pode vir a dizer que

a presunção da inocência não seja um princípio. Por mais “valor” pragmático

que isso possa vir a ter. O direito não sobrevive de pragmati(ci)smos.

Direito não é um conjunto de casos isolados. Portanto, o “problema” não é a

decisão de um determinado caso, mas, sim, como se decidirão os próximos.

Definitivamente, não há grau zero de sentido!



Portanto, o problema é de ordem teórica: maus argumentos podem construir

más decisões. E isso é algo que deve ser evitado. Quem sabe, prestigiemos

mais a Teoria do Direito. Ou para que ela serve? Indago: por que existem

tantos Programas de Pós-Graduação em Direito no Brasil? Existem mais de mil

e quinhentas teses de doutorado – parcela delas pagas com bolsas custeadas

pelo povo e orientadas por prestigiosos professores – sustentando que

“princípios não são (ou não podem ser) regras”, ou trabalhando essa

distinção entre regras e princípios (particularmente, nem concordo com a

distinção semântico-estrutural entre regra e princípio, mas isso é assunto

para outro momento; para mim, princípios são normas; são, sempre,

deontológicos; portanto, não são mandados de otimização!). Deve haver mais

de três mil teses de mestrado, feitas no Brasil e no exterior, sustentando

o contrário do que diz o Ministro Fux. Aliás, registro, o Min. Fux é um

prestigiado Professor Doutor, com brilhante tese defendida em renomada

Universidade. Tudo parece conspirar a favor das teses que são contrárias às

do Min. Fux.



Assim, senti-me na obrigação de registrar minha contrariedade ao voto de

Sua Excelência e da doutrina por ele sufragada. Não tenho o “lugar da fala”

de Luiz Fux; o que ele diz repercute em todo o Brasil em fração de

segundos. Não tive a felicidade de ser indicado pelo Presidente da

República ao digníssimo cargo de Ministro do Supremo Tribunal. Por outro

lado, tenho muitos alunos e leitores, a não esperarem menos de mim do que

agora faço. Defendendo a Academia. Defendendo a Constituição. Com todas as

vênias. Sei que não estamos mais no Hotel Glória e nem James Tubenchlak

está na platéia, vigilante, exigindo, com gestos e olhares, que sejamos

aplaudidos de pé, como tantas vezes lá fomos ovacionados, mormente os

“Meninos do Rio” (assim James anunciava, com extremo carinho que tinha por

todos nós, o trio brilhante Fux-Capanema-Nagib, para, na sequência,

anunciar Amilton-Lenio-Below ou outro palestrante que “fechava” este

painel). Hoje, o “mercado” de palestrantes é tomado por jovens, que muito

se assemelham a pastores pentecostais. Mas é pelos velhos tempos que

procuro ser crítico. Temos que ser críticos. E dizer as coisas que precisam

ser ditas. Aqui, da planície ao Planalto. Com respeito e carinho.

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[1]

http://www.leniostreck.com.br/site/wp-content/uploads/2011/10/10.pdf












segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Estatuto da Saúde americano

 














Supreme Court to Hear Case Challenging Health Law

By ADAM LIPTAK

Published: November 14, 2011















WASHINGTON — The Supreme Court on Monday agreed to hear a challenge to the 2010

health care overhaul law, President Obama’s signature legislative achievement. The

development set the stage for oral arguments by March and a decision in late June,

in the midst of the 2012 presidential campaign.











The court’s decision to step in had been expected, but Monday’s order answered many

questions about just how the case would proceed. Indeed, it offered a roadmap toward

a ruling that will help define the legacy of the Supreme Court under Chief Justice

John G. Roberts Jr.



Appeals from three courts had been vying for the justices’ attention, presenting an

array of issues beyond the central one of whether Congress has the constitutional

power to require people to purchase health insurance or face a penalty through the

so-called individual mandate.

The Supreme Court agreed to hear appeals from just one decision, from the United

States Court of Appeals for the 11th Circuit, in Atlanta, the only one so far

striking down the mandate. The decision, from a divided three-judge panel, said the

mandate overstepped Congressional authority and could not be justified by the

constitutional power “to regulate commerce” or “to lay and collect taxes.”

The appeals court went no further, though, severing the mandate from the rest of the

law.

On Monday, the justices agreed to decide not only whether the mandate is

constitutional but also whether, if it is not, how much of the balance of the law,

the Patient Protection and Affordable Care Act, must fall along with it.

In a statement issued soon after the decision, the Obama administration restated

their argument that the mandate is perfectly constitutional.

“We know the Affordable Care Act is constitutional and are confident the Supreme

Court will agree,” said Dan Pfeiffer, the White House communications director.

But even the White House has said that the mandate is “absolutely intertwined” with

two other provisions — one forbidding insurers to turn away applicants, the other

barring them from taking account of pre-existing conditions.

The 11th Circuit ruled for the administration on another point, rejecting a

challenge to the law’s expansion of the Medicaid program. The Supreme Court also

agreed to hear an appeal from that ruling.The 26 states, represented by Paul D.

Clement, a former United States solicitor general, had argued that Congress had

exceeded its constitutional authority by expanding the eligibility and coverage

thresholds that states must adopt to remain eligible to participate in Medicaid.

The problem, Mr. Clement wrote, was that “Congress did not tie its new conditions

only to those additional federal funds made newly available under” the Affordable

Care Act. “It instead made the new terms a condition of continued participation in

Medicaid, thereby threatening each State with the loss of all federal Medicaid funds

— on average, more than a billion dollars per year — unless it adopts the act’s

substantial expansions of state obligations.”

On Monday, the justices agreed to consider that question. The justices also said

they would consider an intriguing threshold issue.

In September, a divided three-judge panel of the United States Court of Appeals for

the Fourth Circuit, in Richmond, Va., ruled that it was premature to decide the case

in light of the Anti-Injunction Act, a federal law that bars suits “for the purpose

of restraining the assessment or collection of any tax.” The Supreme Court had

interpreted the term “tax” very broadly for purposes of the law.

If the Fourth Circuit ruling is correct, individuals may not challenge the

individual mandate until the first penalty is due in April 2015. On Tuesday, a

dissenting judge on the United States Court of Appeals for the District of Columbia

Circuit also endorsed that position.

The administration had initially pressed but later abandoned the argument. In the

Supreme Court, the Justice Department suggested that the court consider the issue

and perhaps appoint a lawyer to present arguments in favor of it, as the court

occasionally does when the parties agree on a significant issue that could alter the

outcome of the eventual decision.















sábado, 12 de novembro de 2011

Ficha Limpa



Estado de São Paulo

Ficha Limpa deverá ser preservada no Supremo

Constitucionalidade da lei tem maioria garantida de seis votos, dizem ministros

11 de novembro de 2011
22h 30

Notícia

Comentários 970 A+ A- Assine a Newsletter Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A Lei da Ficha Limpa será preservada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O temor de que um empate se repetiria no julgamento de quarta-feira, 9, e que provocou um novo pedido de vista, não se confirmará, segundo avaliam ministros da Corte. Na atual composição do Supremo, o julgamento terminaria com seis votos pela constitucionalidade da lei.



Veja também:

Ministro do STF admite rever voto sobre Ficha Limpa

Pedido de vistas de Joaquim Barbosa interrompe julgamento da validade da Lei da Ficha Limpa pelo STF

RELEMBRE: Ficha Limpa completa um ano em meio a dúvidas sobre sua aplicação

TV ESTADÃO: O que é a Ficha Limpa e quais seus efeitos na política brasileira





Com esse placar, não seria sequer necessário aguardar a posse da nova ministra Rosa Maria Weber, que ainda depende de aprovação no Senado para ser empossada. A demora no julgamento, as idas e vindas do Supremo, os novos casos de corrupção e a percepção de que a lei pegou devem garantir sua sobrevivência. Um dos ministros que votou por adiar a aplicação da lei para 2012 admite que a Ficha Limpa foi "uma evolução nos costumes" e que "será preservada".



Mesmo alterações pontuais, sugeridas inicialmente pelo ministro Luiz Fux, relator das ações em julgamento no STF, são criticadas por esse ministro. De acordo com ele, a lei não deve sofrer alterações.



Na quinta-feira, 10, quando Fux anunciou que deve rever pontos de seu voto, ele involuntariamente revelou a expectativa dos colegas de que um ministro surpreendentemente recuaria e votaria a favor da constitucionalidade da Ficha Limpa. Ao contrário do que esperavam os demais, Fux disse que não seria necessário aguardar a chegada da 11ª ministra para concluir o julgamento. "Eu acredito que até o final do ano consigamos completar o julgamento", afirmou. "Mesmo sem a (nova) ministra".



O impasse sobre a Ficha Limpa envolvia a sua validade. Metade dos ministros defendia que ela já devia vigorar nas eleições de 2010 e a outra metade queria jogar essa vigência para 2012. O impasse foi superado quando Luiz Fux tomou posse, no início deste ano: ao desempatar um outro julgamento, ele argumentou que a lei, por interferir no processo eleitoral, só poderia ser aplicada a partir de um ano depois de sua aprovação. Na prática, 2012.



Agora, alerta outro ministro, o Supremo julgará a constitucionalidade de todos os pontos da lei. E o placar, prossegue ele, não será necessariamente o mesmo. Essa não era a expectativa de parte dos ministros - tanto que Joaquim Barbosa pediu vista antecipada do processo justamente para evitar que o STF se desgastasse com um novo empate.





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Ficha Limpa deverá ser preservada no Supremo

Constitucionalidade da lei tem maioria garantida de seis votos, dizem ministros

11 de novembro de 2011
22h 30

Notícia

Comentários 970 A+ A- Assine a Newsletter Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A Lei da Ficha Limpa será preservada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O temor de que um empate se repetiria no julgamento de quarta-feira, 9, e que provocou um novo pedido de vista, não se confirmará, segundo avaliam ministros da Corte. Na atual composição do Supremo, o julgamento terminaria com seis votos pela constitucionalidade da lei.



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Com esse placar, não seria sequer necessário aguardar a posse da nova ministra Rosa Maria Weber, que ainda depende de aprovação no Senado para ser empossada. A demora no julgamento, as idas e vindas do Supremo, os novos casos de corrupção e a percepção de que a lei pegou devem garantir sua sobrevivência. Um dos ministros que votou por adiar a aplicação da lei para 2012 admite que a Ficha Limpa foi "uma evolução nos costumes" e que "será preservada".



Mesmo alterações pontuais, sugeridas inicialmente pelo ministro Luiz Fux, relator das ações em julgamento no STF, são criticadas por esse ministro. De acordo com ele, a lei não deve sofrer alterações.



Na quinta-feira, 10, quando Fux anunciou que deve rever pontos de seu voto, ele involuntariamente revelou a expectativa dos colegas de que um ministro surpreendentemente recuaria e votaria a favor da constitucionalidade da Ficha Limpa. Ao contrário do que esperavam os demais, Fux disse que não seria necessário aguardar a chegada da 11ª ministra para concluir o julgamento. "Eu acredito que até o final do ano consigamos completar o julgamento", afirmou. "Mesmo sem a (nova) ministra".



O impasse sobre a Ficha Limpa envolvia a sua validade. Metade dos ministros defendia que ela já devia vigorar nas eleições de 2010 e a outra metade queria jogar essa vigência para 2012. O impasse foi superado quando Luiz Fux tomou posse, no início deste ano: ao desempatar um outro julgamento, ele argumentou que a lei, por interferir no processo eleitoral, só poderia ser aplicada a partir de um ano depois de sua aprovação. Na prática, 2012.



Agora, alerta outro ministro, o Supremo julgará a constitucionalidade de todos os pontos da lei. E o placar, prossegue ele, não será necessariamente o mesmo. Essa não era a expectativa de parte dos ministros - tanto que Joaquim Barbosa pediu vista antecipada do processo justamente para evitar que o STF se desgastasse com um novo empate.









sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Supremo e o quinto constitucional

Valor

Supremo julga que advogados podem ocupar vagas do STJ

Por Maíra Magro
De Brasília





Ampliar imagemMinistro Ayres Britto: magistrados oriundos do quinto constitucional não podem ser discriminados

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as vagas de ministros no Superior Tribunal de Justiça (STJ) não precisam ser preenchidas, exclusivamente, por magistrados de carreira - aqueles que fizeram concurso público para juiz. O STF julgou improcedente uma ação da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) que queria evitar o ingresso no STJ de advogados e membros do Ministério Público (MP) que entraram nos tribunais de segunda instância pelo quinto constitucional. Por essa regra, um quinto dos integrantes dos tribunais deve ser de profissionais provenientes da advocacia ou do MP.



O STJ é formado por 33 ministros. Um terço das vagas é destinado a juízes dos tribunais regionais federais, e outro terço a desembargadores dos Tribunais de Justiça. Esses 22 ministros, que compõe os integrantes vindos da magistratura, são indicados ao STJ pelo próprio tribunal de origem. Os outros 11 ministros são escolhidos entre a classe dos advogados e os integrantes do Ministério Público.



Muitos magistrados, porém, passaram a reclamar do que consideram uma distorção no sistema. Eles reclamam que, atualmente, um advogado pode ser nomeado ao STJ depois de atuar apenas um ou dois anos como magistrado, período considerado curto para que se adquira a experiência necessária, ou para que outros possam avaliar a qualidade de sua atuação.



Alguns magistrados também argumentam que os julgadores provenientes da advocacia teriam mais traquejo político que os juízes de carreira - demonstrado, por exemplo, na articulação para entrar no tribunal de segunda instância pelo quinto. Com isso, estariam em condição de vantagem na hora de pleitear uma vaga para o STJ. A AMB questionava a interpretação do artigo 1º, inciso 1, da Lei nº 7.746, de 2989, que trata da composição do STJ.



Ao analisar o pedido da AMB, o Supremo entendeu que a Constituição não faz distinções entre os magistrados ao tratar do preenchimento dos cargos do STJ. Portanto, não seria possível excluir das indicações aqueles que se tornaram juízes pelo quinto constitucional.



"O tribunal pode preferir juízes que sejam egressos da magistratura, mas essa prática não tem nada a ver com a inconstitucionalidade da norma", afirmou a ministra do STF Cármen Lúcia, autora do voto vencedor. "Se aqueles que um dia foram advogados depois passaram a integrar a lista [de nomes indicados ao STJ] porque se apresentaram de maneira mais convincente, isso é questão de prática, não da lei."



Somente o relator do caso, ministro Luiz Fux, votou de forma diferente. Ele é um dos dois magistrados de carreira no STF, ao lado do presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Em seu voto, Fux defendeu que os magistrados que entraram nos tribunais de segunda instância pelo quinto teriam que atuar pelo menos dez anos nessa função antes de serem indicados ao STJ. Mas os demais ministros rejeitaram a proposta.



"Afirmar que aqueles que vieram da advocacia para o Tribunal Regional Federal ou o Tribunal de Justiça teriam alguma diferença, por serem egressos da carreira da advocacia, criaria desembargadores e juízes de duas categorias", afirmou Cármen Lúcia.



O ministro Ayres Britto concordou com a posição de Cármen Lúcia, dizendo que o advogado que se torna magistrado não pode ser considerado diferente como juiz. "Ele trocou a beca pela toga. Não há ombros que suportem as duas. Com isso, se perde na memória do tempo sua anterior qualificação", afirmou.



Apesar disso, a maioria dos ministros manifestou que o atual sistema de indicações tem gerado distorções, com um grande número de magistrados oriundos da advocacia tornando-se ministros. Mas, para eles, a solução não pode vir do STF, pois não se trata de um problema de interpretação da constituição. "Há muitas mazelas nesse contexto, mas nem todas de origem constitucional", afirmou o ministro Marco Aurélio. Ele também afirmou em seu voto que o atual sistema de indicação de ministros para tribunais superiores ficou "quebrado", pois o sistema é diferente em cada Corte.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Ficha Limpa

Valor Econômico


Há 18 horas e 57 minutos

Julgamento fica nas mãos de nova ministra

Por De Brasília



Após um voto amplamente favorável à aplicação da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou a conclusão do julgamento à espera da posse da 11ª ministra da Corte.



O voto foi proferido pelo relator do processo, ministro Luiz Fux.



O adiamento ocorreu com o pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.



A 11ª ministra vai tomar posse apenas depois de sabatina e aprovação no Senado. A indicada é Rosa Maria Weber Candiota, atual ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST).



Fux fez apenas duas ressalvas à lei. A primeira é que será considerado inelegível o político que renunciar ao mandato para escapar a processo de cassação já instaurado no Parlamento contra ele. Ou seja, quem renunciar antes do começo do processo estaria livre das vedações da Ficha Limpa. Fux justificou essa posição, dizendo que apenas quando é instaurado o processo e o político renuncia é que "fica cristalizado o abuso do direito".



A outra ressalva foi quanto ao prazo que os políticos podem ficar inelegíveis. A Lei da Ficha Limpa prevê que candidatos que foram condenados por decisão da segunda instância da Justiça não podem se eleger. Quem for condenado por compra de votos, por exemplo, fica inelegível por oito anos. Fux não quer que, num caso como esse, um político cumpra um prazo maior do que os oito anos previstos. Ele teme que, como a Lei da Ficha Limpa prevê inelegibilidade de oito anos, o político fique sem poder se candidatar por 16 anos - os oito da lei acrescidos aos oito do crime de compra de votos.



"A Constituição evita a cassação de direitos políticos e temos que evitar excessos", justificou o ministro. Ele verificou ainda que, entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença [fim dos recursos], o político pode ficar inelegível por até 40 anos. Por isso, procurou subtrair esse tempo da lei. A inelegibilidade será apenas pelo prazo da pena para o crime que o político cometeu.



No mais, Fux fez elogios à lei: "É razoável a candidatura de alguém que foi condenado por decisão da segunda instância? A resposta há de ser negativa".



Para o ministro, o julgamento do STF vai marcar o início da reforma política no Brasil. "Muito embora exista hoje uma aversão à judicialização da política, a reforma política no Brasil começa com o julgamento desse caso."



Na avaliação do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, o voto de Fux foi bom. "Ele fez pequenas adequações, mas atendeu as expectativas da sociedade brasileira", disse Ophir. A OAB foi a autora da ação que pediu ao STF a declaração da validade da Ficha Limpa.



Barbosa justificou o seu pedido de vista, dizendo que procurou evitar um impasse no STF. "Poderia haver um novo empate", afirmou o ministro, que sempre se manifestou a favor da lei. O STF já chegou a impasses em três julgamentos a respeito da aplicação da Ficha Limpa. Um deles ocorreu, ontem, no julgamento de um recurso de Jader Barbalho.



Para Barbosa a classe política não ficou numa situação de incerteza com relação à aplicação da lei. "Haveria instabilidade se eu permitisse que o julgamento prosseguisse com o risco de mais um empate", enfatizou.



Fux evitou qualquer previsão sobre o final do julgamento. "Com o pedido de vista, não podemos prever como os colegas vão votar." (JB)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

STJ e Ação civil pública

Valor

STJ decide que ação coletiva tem abrangência nacional

Por Maíra Magro
De Brasília





Ampliar imagemTiago Gomes e Vicente Araújo, advogados do Pinheiro Neto: escritório criou grupo para avaliar impacto de decisões

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) bateu o martelo sobre duas questões cruciais relativas às ações civis públicas - usadas para defender, em um só processo, direitos comuns a um grupo, como questões de consumo, saúde e meio ambiente. A Corte Especial, formada pelos 15 ministros mais antigos do tribunal, definiu que as decisões tomadas nessas ações valem para todo o país, não importando o local onde foram proferidas. Para isso, basta que o pedido do processo inclua beneficiários em todo o território nacional. Nesses casos, normalmente, a ação coletiva deve ser proposta em uma capital. Como a decisão foi tomada em recurso repetitivo, ela valerá de parâmetro daqui pra frente.



A Corte Especial definiu ainda, no mesmo julgamento, que as sentenças em ações civis públicas podem ser executadas em qualquer parte do país. O sistema funciona assim: primeiro, um direito coletivo é reconhecido no processo principal. A partir daí, as pessoas podem entrar na Justiça, individualmente, para beneficiar-se da decisão - precisam somente provar que foram afetadas. Segundo o STJ, os beneficiários poderão ajuizar essas ações individuais de execução nas cidades de domicílio, ou no lugar onde a sentença foi proferida.



A decisão representa uma reviravolta no posicionamento do STJ. Até então, o tribunal entendia que as sentenças das ações civis públicas só valiam no território de atuação da Corte que a emitiu. Uma decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES), por exemplo, se aplicaria apenas em território capixaba; enquanto um acórdão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região teria efeitos restritos aos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, área de sua abrangência. Agora, a amplitude territorial da decisão dependerá somente do pedido feito no processo e do rol de beneficiários.



A Corte Especial do STJ definiu essas questões ao analisar um processo de um poupador de Londrina, cliente do antigo Banestado, que tenta receber a diferença na correção da inflação referente aos planos Bresser e Verão. O direito à correção foi reconhecido pela comarca de Curitiba, em uma ação civil pública movida pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (Apadeco). Ciente dessa decisão, o poupador entrou com uma ação de execução individual na comarca de Londrina, local onde reside e havia aberto uma poupança. Mas o Itaú, que comprou o Banestado, argumentou no processo que a execução só poderia ser feita em Curitiba - pois a sentença foi proferida nessa cidade.



O relator do processo no STJ, ministro Luís Felipe Salomão, aceitou o argumento do poupador, entendendo que a ação individual de execução pode ser proposta no domicílio do autor ou no local onde foi emitida a decisão principal. Um dos objetivos é facilitar o acesso à Justiça e o cumprimento de um direito coletivo. Durante o julgamento, o ministro Teori Zavascki sugeriu que a Corte rediscutisse outra questão: a abrangência territorial da sentença nas ações civis públicas.



O tema já havia sido debatido pelo STJ, prevalecendo a tese de que a sentença só valeria no âmbito de atuação do tribunal que a proferiu. Mas esse posicionamento era criticado por alguns teóricos, para quem ele limitava a aplicação do direito coletivo. No novo julgamento, o ministro Luís Felipe Salomão concordou em reavaliar a matéria e incorporou sugestões da ministra Nancy Andrighi, que antes era voto vencido ao defender a abrangência nacional, além de Zavascki. A decisão foi tomada por dez votos a três. Mas, no caso específico, como a ação da Apadeco envolve apenas correntistas do Paraná, sua aplicação se restringe ao Estado.



Para especialistas ouvidos pelo Valor, a nova manifestação do STJ facilita a garantia dos direitos coletivos e contribui para evitar a proliferação de ações no Judiciário. "É um estímulo para que as ações coletivas tenham maior eficácia", diz Geisa de Assis Rodrigues, procuradora regional da República em São Paulo e autora de obras sobre o tema. "Exigir a execução na capital poderia inviabilizar o benefício a um consumidor do interior, por exemplo", afirma Mariana Ferreira Alves, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).



Mas advogados que atuam na área empresarial alertam que as companhias deverão ficar ainda mais atentas às ações civis públicas. "Na medida em que uma mesma decisão passa a valer no país inteiro, as empresas terão que ampliar de forma significativa seu contingenciamento", afirma o advogado Vicente Coelho Araújo, do Pinheiro Neto Advogados. Os impactos podem ser tantos que o escritório criou um grupo de profissionais para discutir, especificamente, os efeitos de uma série de decisões recentes do STJ envolvendo as ações civis públicas. "Elas afetam diretamente nossos clientes", enfatiza o advogado Tiago Severo Pereira Gomes, integrante do grupo, mencionando os bancos, as empresas de telefonia, energia e medicamentos como algumas das mais afetadas.



O advogado Celso Xavier, do Demarest & Almeida Advogados, concorda que a nova diretriz pode aumentar os prejuízos decorrentes das condenações em ações civis públicas, por ampliar o número de consumidores beneficiados. "Mas é importante ter um balizamento claro, por isso o posicionamento do STJ é salutar."

Ficha Limpa

STF deve rever pontos da Lei da Ficha Limpa




Ministro Luiz Fux adianta a colegas que alguns itens precisam mudar; plenário julga hoje aplicação da lei em 2012



A maior parte da lei aprovada em 2010 será declarada constitucional, mas deve haver polêmica



VERA MAGALHÃES

ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA



O STF (Supremo Tribunal Federal) deve rever alguns pontos da Lei da Ficha Limpa e definir sua aplicação nas eleições do próximo ano.

Os ministros vão julgar duas ações que pedem a constitucionalidade da lei, propostas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo PPS, e uma que pede a inconstitucionalidade de parte da lei, do CNPL (Conselho Nacional de Profissionais Liberais).

Aprovada pelo Congresso em 2010 e usada para barrar alguns candidatos na eleição passada, a lei teve sua aplicação suspensa porque o STF entendeu que ela não poderia retroagir para atingir os candidatos daquele pleito.

Em sua ação, a OAB pediu que o STF se manifeste sobre a constitucionalidade de toda a lei e decida se ela será aplicável às eleições de 2012. Já o CNPL pediu a inconstitucionalidade do item que torna inelegível quem teve registro profissional cassado por infração "ética profissional".

O relator do caso, ministro Luiz Fux, adiantou aos colegas que fará um voto minucioso, analisando cada artigo da lei. Ele adiantou que alguns de seus aspectos devem ser revistos, no que deve ser seguido por vários ministros.

Ao menos dois dispositivos devem cair: o que permite a entidades de classes vetarem candidaturas e o que torna inelegível quem renuncia para escapar da uma cassação.

Alguns ministros do STF avaliam que a renúncia era uma opção a que políticos recorriam antes de a lei ser aprovada: se essa vedação existisse antes, muitos teriam enfrentado os processos.

Na opinião de Fux, o princípio geral da lei é salutar, o que leva os colegas a apostar que ele defenderá sua constitucionalidade, alterando só alguns aspectos. Mas deve haver polêmicas, com risco de empate em certos pontos.

Um deles é o de tornar alguém inelegível por ter sido condenado em órgão colegiado, mesmo se ainda puder recorrer. Alguns ministros alegam que, se o político conseguir reverter a decisão, terá sido punido injustamente.

O Supremo já discutiu a lei antes, mas só em relação a casos concretos. Agora vai analisá-la em seu conjunto.




Folha de São Paulo 9 de novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Supremo e o minimo

Folha de São Paulo 4 de novembro de 2011


Supremo mantém reajuste de salário mínimo por decreto



Governo tem previsão legal para fixar, até 2015, o valor do piso salarial brasileiro



DE BRASÍLIA



Por 8 votos a 2, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a definição do valor do salário mínimo por decreto é constitucional.

O governo tem previsão legal para fixar, até 2015, o valor do salário mínimo.

A maioria dos ministros entendeu que, apesar de a Constituição Federal determinar que o valor do salário mínimo seja estabelecido por lei, a previsão de reajustar o benefício por decreto não dará à Presidência liberdade para determinar o novo valor.

Essa previsão foi estabelecida na legislação que fixou, no início do ano, o piso salarial brasileiro em R$ 545.

Estabeleceu-se então que de 2012 a 2015 o valor seria corrigido pela inflação somado ao crescimento percentual do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.

A ação, proposta por partidos de oposição, questionava a constitucionalidade do ato. Segundo o PPS, DEM e PSDB, "somente a lei, aprovada nos termos do rito estabelecido pela Constituição Federal, pode fixar o valor do salário mínimo".

A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, no entanto, entendeu que a legislação que permitiu a fixação do reajuste por decreto, estabeleceu regras específicas, tornando o ato do Executivo, meramente "declaratório".