quinta-feira, 30 de abril de 2009

A partidarização da justiça americana

O Prof Igor envia a seguinte matéria do Jornal Valor Econômico




Justiça partidária... nos EUA


Célia de Gouvêa Franco, de São Paulo
30/04/2009












Imagine um ministro do Supremo Tribunal Federal se referindo ao PT como
"nós" ou a um partido de oposição como "eles". Ou o mesmo ministro indo a
uma festa pós-eleições presidenciais e, ao escutar a informação de que um
dos candidatos tinha vencido em um Estado muito importante e populoso,
comentar algo como: "Isso é horrível. Agora acabou".

Essas declarações, que provavelmente provocariam enorme celeuma na maioria
dos países, foram, de fato, feitas por um membro da Suprema Corte dos
Estados Unidos e são retratadas no livro "The Nine", escrito pelo jornalista
Jeffrey Toobin, da revista "The New Yorker", considerado grande especialista
no sistema judiciário do seu país. Lançada em 2007, a obra ficou quatro
meses na lista dos mais vendidos e ganhou uma edição ampliada no ano
passado.

Muito interessante, repleto de revelações sobre como funciona a máquina da
Justiça americana, a reportagem transformada em livro por Toobin também é um
retrato impressionante das relações íntimas entre os membros da Suprema
Corte e a política. Se no Brasil ultimamente foram levantadas suspeitas de
favorecimento de um ou outro partido por ministros do Supremo Tribunal
Federal, essas ligações são escancaradas e esmiuçadas em "The Nine" (o nome
é uma referência ao número de 'justices', como são chamados nos Estados
Unidos os correspondentes a ministros das cortes de Justiça superiores no
Brasil).

Dois assuntos tratados no livro são merecedores de atenção especial.

Toobin reconstitui com maestria o modo como dois presidentes, o democrata
Bill Clinton e o republicano Geoge W. Bush, fizeram suas escolhas para a
Suprema Corte - que, pelas regras americanas, devem ser aprovadas depois
pelo Congresso. As equipes presidenciais encarregadas de sugerir nomes não
têm, em nenhum dos dois casos, qualquer dúvida de que devem escolher pessoas
que tenham no mínimo afinidades políticas com o partido no poder. Juízes
experientes, respeitados e de grande conhecimento são descartados por causa
de alguma decisão passada que contrariou dogmas republicanos ou democratas.
Durante o governo Bush, esse processo de seleção chegou a extremos - a
proposta era claramente escolher "justices" que pudessem ajudar a tornar o
país mais conservador, a qualquer custo.

Igualmente fascinante, inclusive para o brasileiro preocupado com as
possíveis interferências do Judiciário nos processos eleitorais, é a
descrição minuciosa do papel decisivo assumido pela Suprema Corte na disputa
entre George W. Bush e Al Gore, em 2000. Toobin inicia o relato sobre esse
episódio supercontrovertido classificando-o de um dos piores momentos da
longa história da Suprema Corte. Nos 21 dias em que o tribunal máximo
americano permitiu-se o envolvimento na decisão sobre a vitória na disputa
presidencial, os juízes mostraram seus piores traços - vaidade, impaciência,
arrogância, partidarismo.

Em tempo: foi Sandra O'Connor, a primeira mulher a integrar a Suprema Corte
americana, quem fez os comentários reveladores de um envolvimento partidário
difícil de aceitar em um juiz, citado em "The Nine". Ela torceu pela eleição
de Bush na disputa com Al Gore. Tremendamente influente nas suas decisões,
O'Connor foi escolhida por Ronaldo Reagan, em 1979, mas desiludiu-se com o
Partido Republicano e seus líderes.

"The Nine - Inside the Secret World of the Supreme Court". Jeffrey Toobin.

Anchor Books. 458 páginas. / US$10,85 na Amazon

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