quinta-feira, 16 de abril de 2009

Conflito entre a Justiça Federal e a Justiça Trabalhista

Valor Economico de 16 de abril de 2009
Judiciário: Segundo estudo, decisão sobre esfera para julgar questões de servidores pode criar caosMigração de ações preocupa Justiça
Luiza de Carvalho, de Brasília
16/04/2009

Uma possível transferência de competência da Justiça trabalhista para a Justiça federal e estadual para o julgamento de processos envolvendo órgãos públicos e seus servidores causará um enorme impacto nas varas e tribunais do país. Uma pesquisa da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTP), feita em parceria com a Coordenadoria de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública (Conap), demonstra uma quantidade elevada de ações do tipo na Justiça trabalhista, especialmente na região Norte, onde 38,5% de todos os processos - ou seja, 58,4 mil ações - envolvem o tema. Em algumas varas trabalhistas o percentual é ainda mais expressivo. A preocupação das instituições que representam a Justiça do trabalho é que, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) consolide o entendimento - já adotado em algumas decisões liminares - de que não cabe à Justiça do trabalho a resolução desses conflitos, há o risco de algumas cortes trabalhistas ficarem quase obsoletas, ao passo que uma grande demanda migraria para a Justiça federal e estadual, hoje com a maior taxa de congestionamento de ações.

O conflito entre as esferas de Justiça surgiu com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que estabeleceu a reforma do Judiciário e ampliou a competência da Justiça do trabalho. Uma das consequências da emenda foi a alteração do artigo 114 da Constituição Federal, para determinar que compete à Justiça trabalhista julgar as ações que tratam de relações de trabalho envolvendo entes públicos da administração direta e indireta da União, Estados e municípios, exceto quando os ocupantes forem servidores de cargos criados por lei. A expressão "relação de trabalho" causou divergência no entendimento entre juízes trabalhistas e federais sobre a competência para julgar ações de servidores públicos, o que levou a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) a ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo questionando o artigo. Em 2005, o então ministro Nelson Jobim concedeu uma liminar que suspendeu qualquer interpretação do artigo 114 que inclua a competência da Justiça do trabalho para a apreciação de causas envolvendo o poder público e seus servidores - e deixou claro que não cabe à Justiça trabalhista julgar questões referentes a servidores públicos. A Adin está pendente de um julgamento de mérito, mas a liminar foi referendada em 2006 por nove ministros da corte, agora sob a relatoria do ministro Cezar Peluso.

O levantamento realizado pela ANTP e pela Conap com dados fornecidos pelas varas e tribunais referentes ao ano de 2007 demonstra o impacto, em números, da retirada da competência da Justiça do trabalho para a questão caso o atual entendimento do Supremo na Adin se consolide. As regiões Norte e Nordeste seriam as mais afetadas, com a migração de 38% e 18,5% dos processos, respectivamente. Já na região Sudeste, o percentual de processos trabalhistas contra órgãos da administração pública direta é de 8,13%, o que representa cerca de 75 mil ações, e de 8,1% na região Sul, correspondendo a 27 mil processos. Segundo o presidente da ANPT, Fabio Leal, a diferença se explica porque nas regiões que apresentam municípios de economia incipiente, o papel de empregador do poder público acaba preponderando.

Nos tribunais regionais do trabalho (TRTs), a demanda oscila bastante. No TRT da 1ª Região, no Rio de Janeiro, há 1,2 mil ações contra o poder público, que são 0,64% dos processos em 2007. No TRT paulista, o percentual também é baixo - cerca de 10 mil processos, 1,64% das ações na corte. Já no TRT do Piauí, 9,9 mil ações correspondem a 45% da demanda. Algumas varas do trabalho apresentaram dados de 2008 que demonstram um percentual relevante de ações do tipo. É o caso, por exemplo, da vara de Currais Novos e de Pau de Ferro, no Rio Grande do Norte, em que a maioria dos processos - cerca de 80% - tem como réu a administração pública, ou mesmo a vara de Pimenta Bueno, em Rondônia, em que quase metade das ações no ano passado envolveram reclamações de servidores públicos. "Os números demonstram que o Estado brasileiro vai abrir mão de uma infraestrutura já consolidada, deixando-a em parte ociosa, para sobrecarregar outros ramos do Poder Judiciário que já estão próximos do colapso", diz Leal, presidente da ANPT.

Diversas decisões da Justiça do trabalho são questionadas por municípios e Estados e há decisões nos dois sentidos no Supremo - por vezes, a corte valida a competência trabalhista quando entende que não se tratam de servidores estatutários, mas de trabalhadores terceirizados, por exemplo. Mas há decisões - como em uma reclamação ajuizada no ano passado pelo município de Maurilândia, em Goiás - em que a corte concede liminares em sentido contrário. Na opinião de Fernando Mattos, presidente da Ajufe seria um equívoco e um desperdício transferir essa competência para a Justiça do trabalho. Para o desembargador Elpídio Donizetti, presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), ao engrossar a competência da Justiça trabalhista não se levou em consideração que a Justiça estadual é a de maior capilaridade - segundo ele, há cerca de nove mil juízes estaduais e aproximadamente três mil juízes trabalhistas no país - e teria, portanto, mais condições de atender a demanda das populações de regiões mais carentes.

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