sábado, 25 de abril de 2009

O debate sobre a crise institucional do STF

Folha de São Paulo de 25 de abril de 2009

Mendes foge do padrão, dizem estudiosos
Para alguns especialistas, legislação favorece declarações do ministro; outros apontam eventual comprometimento da função de julgador

Para Rogério Arantes, da USP, cargo de presidente do STF leva a maior exposição; Oscar Vieira, da FGV, afirma que "o juiz fala no processo"


No seu primeiro ano como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), completado anteontem, e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o ministro Gilmar Mendes inovou nos cargos ao incorporar a figura de "chefe do Poder Judiciário" e ao se manifestar constantemente sobre temas políticos e jurídicos como nenhum outro titular, segundo estudiosos do Judiciário ouvidos pela Folha.
Para parte dos especialistas, as constantes manifestações de Mendes podem provocar uma confusão sobre o papel do STF e críticas sobre a imparcialidade do ministro para julgar os processos em trâmite na corte.
Há pesquisadores que entendem, porém, que a conduta do atual presidente é favorecida pela legislação, que confere ao tribunal a possibilidade de apreciar questões de políticas públicas e pelo fato de ele ocupar também a presidência do CNJ -criado em 2005 para exercer o controle administrativo e disciplinar do Judiciário.
O professor de direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Oscar Vilhena Vieira é um dos críticos em relação às frequentes manifestações do presidente do STF. "Gilmar Mendes é um ponto fora da curva em relação aos anteriores. O [Nelson] Jobim tinha certa exposição, mas Ellen Gracie, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence foram discretos. A tradição é de uma certa discrição. O velho jargão no direito é: o juiz fala no processo", diz Vieira.
O professor de direito da USP (Universidade São Paulo) José Reinaldo Lopes afirma que "Mendes não deveria se manifestar sobre temas que potencialmente chegarão ao Supremo, já que o tribunal teve poderes ampliados e pode ser chamado a julgar assuntos de interesse público".
Segundo Lopes, "o Poder Judiciário é, por definição, não ativo, e age a partir da provocação da sociedade. É por isso que ele pode dar a última palavra sobre a interpretação da Constituição. O STF tem o poder extraordinário de, em última instância, definir as regras do jogo, mas em contrapartida não pode ter a iniciativa ou participar ativamente do jogo".

Ativismo político
A pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais Maria Tereza Sadek afirma, porém, que a atitude de Mendes não a surpreendeu e que, a partir da Constituição de 1988, a tendência é um ativismo político cada vez maior dos ministros do STF.
"O modelo constitucional de 1988 permite que o Poder Judiciário exerça um papel de ator político relevante. O Supremo Tribunal Federal passou a ter a possibilidade de tratar uma série de novas matérias, e por isso os ministros são levados a se pronunciar sobre muitos temas", afirma Sadek.
Segundo a pesquisadora, o tribunal tornou-se mais aberto à sociedade e isso também colaborou para uma maior exposição de seus ministros. Para Sadek, "o Supremo alterou-se enormemente nos últimos anos e, particularmente durante a presidência do ministro Gilmar Mendes, ocorreram mudanças significativas. O Supremo passou a ter, por exemplo, audiências públicas, o que nunca ocorreu antes".
O professor de ciência política da USP Rogério Arantes também diz que o STF possui uma posição institucional que favorece manifestações públicas frequentes de seus integrantes. "Não se pode exigir de ministros do STF, que ocupam cadeiras em um tribunal com funções igualmente políticas, a discrição ou o isolamento que se espera de juízes de primeiro grau. Mas é necessário ter equilíbrio na voz, para que manifestações públicas não comprometam o prestígio institucional da corte, componente essencial de sua legitimidade perante a sociedade e os demais Poderes", afirma o professor.
Por meio da assessoria de comunicação do STF, Mendes informou que não iria se manifestar sobre as opiniões dos estudiosos ouvidos pela Folha.

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