quinta-feira, 30 de abril de 2009

O alargamento da ADPF

Valor Economico
Opinião Jurídica: Um novo instrumento constitucional: a ADPF
Arnoldo Wald
30/04/2009







Para o mundo empresarial, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é um processo totalmente desconhecido, embora a sua importância crescente para a sociedade civil exija a sua adequada divulgação, que, até agora, só ocorreu nos meios jurídicos, em virtude de monografias e artigos publicados sobre o assunto.

A compreensão do instituto é tanto mais importante que constitui um relevante acelerador do funcionamento da Justiça e um incontestável ingrediente da segurança jurídica. Por outro lado, a sua consolidação e a expansão do contexto no qual pode ser usada, em virtude de recentíssima jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), lhe dá novas dimensões.

Trata-se de uma técnica nova de uniformização jurisprudencial em matéria constitucional, que surgiu há dez anos e se desenvolveu com muita velocidade, evidenciando a sua grande utilidade.

Efetivamente, diante da preocupação de tornar mais eficiente o sistema judiciário e mais rápido o andamento dos processos, reduzindo o número dos que são repetitivos, surgiu, em 1997, um movimento construtivo para permitir que as principais questões constitucionais fossem dirimidas de imediato pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo nos casos nas quais não seriam admissíveis as ações diretas de inconstitucionalidade ou declaratórias de constitucionalidade. Desde que houvesse divergências sérias decorrentes da aplicação de normas constitucionais, evitar-se-ia ter que aguardar o julgamento das várias instâncias, que pode demorar por cerca de dez anos.

Como o artigo 102, parágrafo primeiro, da Constituição, dá à corte suprema competência para apreciar "a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente desta Constituição", o que faltava era uma legislação que estabelecesse o funcionamento do instituto.

Houve, inicialmente, um anteprojeto do professor Celso Bastos, revisto por uma comissão de juristas, por ele presidida e coordenada pelo professor Gilmar Mendes e da qual participamos Oscar Dias Correia, Ives Gandra Martins e eu. O texto então aprovado foi, em seguida, complementado no Congresso Nacional, tendo sido promulgada a Lei nº 9.882, de 3.12.1999, que tratou da matéria.

Em quase dez anos, cerca de 170 ADPFs foram encaminhadas ao Supremo abrangendo as mais diversas matérias, desde o caso do aborto do feto anencéfalo até a constitucionalidade do Plano Real, examinando ora disposições da Lei de Imprensa, ora o regime dos funcionários públicos.

Houve uma progressão do número das ADPFs, de dez, em 2000, para cerca de 30, em 2007 e 2008. A grande vantagem dessa nova técnica de julgamento é a rapidez da apresentação do caso ao Supremo Tribunal Federal que pode, desde logo, sustar o andamento de todos os feitos em curso, dando prioridade à apreciação da tese, que, em seguida, se torna vinculatória para todos os tribunais do país. É uma espécie de "zoom" que, diante das divergências na interpretação do preceito fundamental, leva o processo diretamente ao STF.

Recentemente, na sessão de 11.3.2009, no caso da ADPF nº101, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a divergência jurisprudencial justifica a apreciação da matéria em ADPF, quando se trata de questões como às referentes à saúde pública, que é objeto de norma constitucional. A decisão foi tomada pela maioria absoluta da corte, que acompanhou o excelente voto da Ministra Carmem Lúcia, considerando que a segurança jurídica é preceito fundamental cuja violação justifica a utilização da ADPF.

Citando o ministro Gilmar Mendes, a relatora ressaltou que decisões judiciais controversas e "incongruências hermenêuticas podem configurar ameaça a preceito fundamental. Assim, a ADPF é perfeitamente admissível para garantir a segurança jurídica e evitar a multiplicação de decisões contraditórias."

Embora a matéria já tivesse sido suscitada pontualmente no passado, foi a primeira vez que, em discussão amplamente divulgada, a corte suprema reconheceu que, havendo sérias divergências jurisprudenciais, a ADPF é o instrumento adequado para garantir a segurança jurídica por ser integrante das garantias do estado de direito. Como já se tinha salientado, em decisões anteriores e na melhor doutrina, o principio da segurança jurídica é "uma das vigas mestres do estado de direito".

Trata-se de entendimento pacífico para os publicistas brasileiros, mas que é agora ratificado explicitamente pela nossa corte suprema, considerando ainda que, sem a coerência da jurisprudência constitucional, não há segurança jurídica.

Num momento de crise, reveste-se da maior importância o pronunciamento da corte suprema quando reafirma a necessária prevalência da segurança jurídica e o faz utilizando um novo instrumento eficaz e vinculatório para todo o Poder Judiciário, como é a ADPF.

Arnoldo Wald é advogado e sócio do escritório Arnoldo Wald

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