segunda-feira, 27 de abril de 2009

O controle social da defensoria pública

Folha de São Paulo de 27 de abril de 2009

TENDÊNCIAS/DEBATES

Controle social das Defensorias Públicas
WILLIAN FERNANDES e MARIA TEREZA SADEK


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São graves os riscos decorrentes do projeto de lei em debate, de autoria do Executivo, com contribuição das Defensorias Públicas
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ESTÁ SENDO debatido na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 28/07, que garante às Defensorias Públicas do Brasil maior autonomia em relação ao Poder Executivo.
No geral, o projeto traduz ganhos institucionais. O exame de alguns aspectos, contudo, evidencia a configuração de um verdadeiro retrocesso em relação às conquistas obtidas pela sociedade paulista.
Em São Paulo, houve uma intensa mobilização de setores da sociedade para que a Defensoria Pública fosse instalada. Essa participação social estendeu-se durante todo o processo, refletindo-se claramente na lei orgânica da instituição. Com efeito, vários mecanismos de participação e controle sociais foram incorporados. O destaque conferido à atuação da sociedade se constitui em um inovador paradigma legislativo.
Entre esses mecanismos de participação e controle sociais está a ouvidoria-geral, concebida como órgão da administração superior, gerida por pessoa não integrante dos quadros da Defensoria Pública, escolhida pelo governador do Estado com base em indicações da sociedade. Trata-se da primeira ouvidoria externa da história das instituições jurídicas.
A ausência de integrantes da Defensoria Pública, tanto como componentes da lista de possíveis candidatos ao posto quanto no processo de escolha do ouvidor, representa uma das principais garantias de sua autonomia e independência. Atributos que, indiscutivelmente, contribuem positivamente para seu desempenho.
Essa exclusão da instituição não é fortuita. Trata-se de um requisito básico, que assegura ao ouvidor condições para cumprir suas obrigações fundamentais. Cabe a ele, basicamente, ser um elo entre a instituição e o cidadão. É a voz da sociedade na Defensoria Pública. Tal atribuição implica muito mais do que receber e transmitir reclamações e queixas.
A representação dos interesses da sociedade significa um conjunto de práticas cuja finalidade maior é o aperfeiçoamento da Defensoria Pública. Nesse sentido, cabe ao ouvidor recolher informações, processar dados, elaborar diagnósticos, apontar possíveis soluções.
A efetivação dessas obrigações será seriamente comprometida se o ouvidor possuir elos com a instituição -sejam essas ligações resultantes de sua escolha e nomeação, sejam elas resultantes do pertencimento ao próprio quadro da Defensoria Pública.
Seria truísmo lembrar que as chances de distinguir aspectos frágeis e de elaborar críticas são tanto maiores quanto maiores os graus de autonomia e de independência do ouvidor.
São exatamente esses parâmetros que são alterados no projeto de lei nº 28. Segundo prescreve o projeto, a escolha do ouvidor passaria a ser feita ou pelo defensor público-geral ou pelo Conselho Superior da Defensoria Pública.
Ademais, condizente com a modificação anterior, altera também, e de modo significativo, a posição da ouvidoria na estrutura da instituição. A ouvidoria deixaria de ser um órgão da administração superior e passaria a ser um órgão auxiliar.
O projeto de lei em referência, tal como hoje está redigido, se aprovado, mitigará de modo expressivo as potencialidades de atuação da ouvidoria. Na prática, a ouvidoria será transformada em um departamento interno da Defensoria Pública, passível de ser controlado pela instituição.
Ora, no limite, uma ouvidoria sem autonomia e independência deixa de ser ouvidoria. Os ganhos advindos de uma ouvidoria forte e emancipada da Defensoria Pública são ganhos da e para a cidadania; são ganhos para a inclusão social; são ganhos para a própria Defensoria Pública.
Por paradoxal que pareça, o aumento do grau de controle da Defensoria Pública sobre o ouvidor enfraquece não só o ouvidor mas também a própria Defensoria Pública. Diminuem suas chances de abertura às demandas sociais, de incorporar inovações, de transparência, enfim, de efetivamente colocar o assistido em primeiro lugar.
São, pois, de monta os riscos decorrentes da aprovação do projeto de lei em debate, de autoria do Poder Executivo, elaborado com a contribuição das Defensorias Públicas. Parece um contra-senso que a instituição que legitimamente luta por autonomia valide mecanismos que enfraqueçam o controle social e desfaça conquistas -que se acreditava que seriam expandidas para além de São Paulo.



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WILLIAN FERNANDES é ouvidor-geral da Defensoria Pública de São Paulo e presidente do Colégio de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil.
MARIA TEREZA SADEK é pesquisadora sênior e diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, professora doutora do Departamento de Ciência Política da USP e membro do Conselho da Ouvidoria da Defensoria Publica de São Paulo.

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