O "Consultor Jurídico" de 06 de fevereiro de 2009 reforça a questão do garantismo no STF.
É proibida execução de pena antes do fim do processoPor Daniel RoncagliaO Supremo Tribunal Federal decidiu que um condenado só poderá ser preso com o processo transitado em julgado. Por sete votos a quatro, os ministros entenderam que a execução provisória da prisão não pode ser feita enquanto houver recursos pendentes. A decisão foi embasada no inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna, que estabelece o princípio da presunção de inocência. Nas duas turmas do tribunal, os ministros já haviam se pronunciado dessa forma. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, há 189 mil presos provisórios no país, alguns com mais de três anos sem julgamento.
Nesta quinta-feira (5/2), o Supremo debateu Habeas Corpus, ajuizado em 2004 pelo fazendeiro Omar Coelho Vitor, condenado a sete anos e seis meses de reclusão por tentativa de homicídio. Segundo a defesa, após a condenação pelo Tribunal do Júri, o juiz permitiu que ele recorresse em liberdade, tendo condicionado a expedição do Mandado de Prisão ao trânsito em julgado do processo. Porém, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, após analisar recurso da defesa, determinou a imediata prisão do réu, decisão que foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça.
O voto do relator Eros Grau, a favor do réu, foi apresentado em abril do ano passado. Nesta quarta, o ministro foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Carlos Britto, Cezar Peluso, Ricardo Lewandoski e Gilmar Mendes.
O julgamento estava suspenso por pedido de vista do ministro Menezes Direito. Para o ministro, a Lei das Execuções Penais “autoriza a execução imediata da pena se o recurso não tem efeito suspensivo”. O ministro sustentou que a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos (Convenção de San José da Costa Rica) não assegura direito irrestrito de recorrer em liberdade, muito menos até a quarta instância, como ocorre no Brasil. Foi acompanhado pelos ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Ellen Gracie.
No longo debate nesta quinta, Joaquim Barbosa foi dos mais enfáticos. “O leque de opções que o ordenamento jurídico oferece ao réu é imenso”, afirmou, lembrando que o Brasil é um dos mais generosos nas garantias aos réus. Ele citou o caso em que recebeu 63 recursos.
Para o ministro, a prisão já poderia ser decretada com a condenação das duas instâncias ordinárias. “As decisões dos juízes de primeiro e segundo grau devem ser respeitadas e levadas a sério. Do contrário seria melhor que todas as decisões fossem tomadas diretamente pelo Supremo Tribunal”, afirmou.
Já em seu voto, de abril passado, Eros Grau afirmou enfaticamente que é proibida a execução da pena antes do fim do processo. “Quem lê o texto constitucional em juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei, nem qualquer decisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não me parece possível, salvo se for negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão adversa ao que dispõe o inciso LVII do seu artigo 5º”, afirmou.
O ministro ainda afirmou que tirar do Recurso Especial e Recurso Extraordinário o efeito suspensivo é criar uma política criminal repreensiva. “Essa desenfreada vocação à substituição de Justiça por vingança denuncia aquela que em outra ocasião referi como ‘estirpe dos torpes delinquentes enrustidos que, impunemente, sentam à nossa mesa, como se fossem homens de bem’”, observou.
Para Eros Grau, se não for respeitado o princípio da presunção prescrito pela Constituição, “é melhor sairmos com um porrete na mão, a arrebentar a espinha de quem nos contrariar”. Segundo ele, “a prisão só pode ser decretada a título cautelar, nos casos de prisão em flagrante, prisão temporária ou preventiva”.
Já o ministro Celso de Mello lembrou que para alguém ser preso é preciso de uma guia de recolhimento. “A guia de recolhimento só pode ser extraída depois da decisão ter transitado em julgado. A lei proíbe de forma clara a prisão sem o transitado em julgado da condenação”, afirmou. Ele disse que 27% dos Recursos Extrordinários que chegam ao Supremo são revistos.
O ministro Cezar Peluso argumentou que, segundo a lei, um funcionário público que é condenado continua a receber o salário se o processo não está transitado em julgado. “Mas, [a lei] pode admitir a punição máxima das medidas gravosas que é a restrição da liberdade”, questionou, referindo-se àqueles que têm recursos pendentes. Segundo ele, a presunção de inocência “é uma dos mais importantes princípios para que possa a ser reduzida a na sua eficácia”. O ministro ainda citou o julgamento sobre os ficha-suja, que permitiu a candidatura dos políticos condenados, mas com processos ainda passíveis de recursos.
Já o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que cabe ao Judiciário “a missão histórica para que esse valor [direito a liberdade] seja preservado em sua integridade”. Segundo Carlos Britto,“enquanto não sobrevêm o transito em julgado em sentença condenatória, o sujeito se encontra investido desse princípio de presunção de inocência”, reforçou o ministro. Para ele, não há contradição em sua posição nesta decisão com a dos ficha-suja porque não a questão eleitoral é diversa da penal.
O ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, aproveitou para comentar a situação do sistema prisional brasileiro. “É um mundo de horrores a Justiça criminal brasileira”, afirmou. Ele classificou a decisão como histórica
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
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2 comentários:
Acredito que nos deparamos, nesse caso, com um Supremo Tribunal Federal não apenas garantista, na esteira da obra de Luigi Ferrajoli, como também, de certo modo, com um STF mais antenado com o conteúdo normativo da Convenção Americana de Direitos Humanos. Isto porque acredito que a possibilidade de execução provisória da pena no processo penal desnortearia por completo o princípio da presunção de inocência, consagrado explicitamente no art. 8°.2 da Convenção, o qual diz que "toda a pessoa acusada de um delito tem o direito que se presuma sua inocência...". Digo isso porque a Constituição de 1988, em seu art. 5°, LVII, afirma que "ninguém será culpado...", o que, para alguns, indicaria o princípio da presunção de não culpa ao invés do princípio da presunção de inocência, fato este que, em análise mais profunda, possibilitaria possível execução provisória, assim como as já existentes e tão aplicadas prisões preventivas. Acredito, portanto, que o que foi decidido nesse HC acaba por refletir sim uma ligação com o conteúdo do Pacto de San José. E, além disso, possuo o sentimento de que tal decisão apenas não virou mais um enunciado de súmula vinculante por apenas um simles motivo: a ausência de mais um voto a favor de tal presunção.
O comentário postado pelo bolsitas Leonardo Pavone é importantissimo para discutir o alcance do "garantismo" em termos de política criminal no STF. De fato, o Ministro Lewandowiski fundamenta o seu "garantismo" na teoria de Ferrajoli. Os demais seis minitros que votaram pela concessão do "writ" no citado HC têm como base os institutos do devido processo legal (o Ministro Peluso, que é relator do Caso Battisti, prefere usar a categoria da teoria processual italiana de "justo processo". Será que no caso Battisti, na relatoria do pedido de extradição, ele perquirirá se houve "o justo processo"?) e a presunção de inocência (a Minsistra Ellen contrária a concessão do "writ" sublinha que esse instituto tem de ser balizado pela teoria das provas). O pesquisador Pavone está certo mostrar a presença da internacionalização no caso discutido ao referir-se ao Pacto de San Jose. Mais uma vez, a Ministra Ellen reforça que o "trânsito julgado", segundo a sua interpretação, teria alcance limitado pela convenção americana de Direitos Humanos. Por fim, lembrando a leitura necessária de Roberto Gargarella "Justicia y desigualdad social" em Claves n° 188 de dez. de 2008, será que o STF está efetivando uma política criminal justa para uma estrutura social como nossa tão desiquilibrada em termos de assegurar direitos e garantais constitucionais?
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