domingo, 8 de fevereiro de 2009

Delaçoes premiadas e o caso Battisti

A Folha de São Paulo de 08 de fevereiro de 2009



Delações premiadas foram decisivas para condenação
Professora da USP diz que mecanismo é admitido na Itália; Dallari diz que não há provas

Mariana Ortiz diz que "causa estranheza o fato de Mutti ter sido interrogado por sucessivas vezes" e que as demais provas são frágeis

DA REPORTAGEM LOCAL

As delações premiadas dos ex-militantes do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) Pietro Mutti e Sante Fatone foram decisivas para a condenação à prisão perpétua aplicada ao italiano Cesare Battisti naquele país.
Segundo a sentença do Tribunal do Júri de Milão de 1988, "as declarações dadas por Pietro Mutti a partir de 5 de fevereiro de 1982 determinam uma reviravolta radical nas investigações e levam à incriminação dos atuais imputados [Battisti e outros membros do PAC]".
Para a professora da USP Janaína Paschoal, o valor das delações não pode ser questionado no caso de Battisti pois, "sendo tal instituto admitido na Itália, não cabe a um outro país, seja por meio de seu Poder Executivo ou de seu Poder Judiciário questionar". E completa: "Pela sentença, os supostos delatores foram responsabilizados pelos crimes que, confessadamente, praticaram".
Janaína disse que "a decisão é extensa, bastante detalhada e fundamentada. Cada caso é minuciosamente apreciado e a participação de cada um dos imputados é cuidadosamente analisada, tomando-se o cuidado de avaliar, tecnicamente, o valor de cada prova, como o valor do depoimento de um acusado para incriminar os demais".
O professor emérito da USP Dalmo Dallari, no entanto, disse que, pelo que se verifica analisando o processo, não há uma única prova de que Battisti tenha atirado em alguém. "Bem diferente disso, o que se tem são afirmações contidas nas "confissões premiadas" de arrependidos e, mesmo aí, insistindo na responsabilidade moral de Battisti pelos homicídios."
A análise da sentença obtida pela Folha mostra que um capítulo inteiro da sentença ressaltou valor de prova das delações premiadas no sistema jurídico da Itália. Em um outro capítulo da decisão, foram avaliados os vários requisitos para aceitação das delações, como espontaneidade e desinteresse dos delatores. As personalidades de Mutti e Fatone também foram analisadas neste capítulo para indicar a credibilidade dos depoimentos deles.
Para o mestre em direito processual pela USP e advogado Pedro Ivo Iokoi, "a sentença traz claramente uma argumentação com o objetivo de validar o interrogatório do corréu Mutti, beneficiado pela delação premiada". Iokoi disse que essa constatação é possível por três razões. "Primeiro porque descreve os fatos de acordo com a versão apontada pelo delator. Segundo, porque valora a delação desconsiderando as pequenas contradições e as diferenças das versões. E, terceiro, porque utiliza todos os demais testemunhos colhidos apenas com o objetivo de validar os elementos de prova apontados na delação", afirmou.
A especialista em direito penal pela Universidade de Barcelona Mariana Ortiz, do escritório Reale e Moreira Porto, afirmou que "causa estranheza o fato de Mutti ter sido interrogado por sucessivas vezes, segundo o texto da sentença".
Segundo Mariana, "os depoimentos de testemunhas oculares e os exames de balística descritos na sentença são frágeis como meio de prova, se analisados em separado das delações premiadas", disse.

Prova do assassinato
Em relação ao homicídio do agente penitenciário Antonio Santoro, em 6 de junho de 1978, a decisão descreve que Mutti confirmou sua própria participação no crime e foi responsabilizado por ele.
O delator mencionou o disfarce que teria sido usado por Battisti no delito, coincidindo com as descrições sobre o autor dos disparos feitas por pelo menos cinco testemunhas oculares, segundo a decisão judicial.
A sentença também trata do assassinato do policial Andrea Campagna, ocorrida no dia 19 de abril de 1979. Fatone, em sua delação, mencionou detalhes das vestes usadas por Battisti, que também teriam sido mencionadas por duas testemunhas oculares, segundo a decisão.
Neste caso, segundo a sentença, Battisti foi convidado a participar de um reconhecimento pessoal por parte das testemunhas e se negou, exercendo um direito constitucional. Porém, a corte considerou essa escolha em desfavor dele.

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