domingo, 10 de maio de 2009

Os modelos de delação premiada e o papel do Juiz

Folha de São Paulo de 10 de maio de 2009

Delação premiada divide juízes e advogados
Cada magistrado usa um modelo próprio, pois lei que estabelece o instituto não diz de que forma ele deve ser aplicado

Participação dos juízes na delação é um dos pontos que mais recebem críticas; o argumento é que isso comprometeria sua isenção

A falta de regulamentação sobre o instituto que prevê a colaboração de criminosos como testemunha contra seus cúmplices (delação premiada) tem gerado polêmica entre juízes e advogados, que se acusam nos bastidores de colocar em risco a segurança jurídica.
A discussão se concretizou após o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) suspender um processo que tramitava contra doleiros porque um dos acusados virou colaborador e passou a ser julgado em procedimento paralelo e sigiloso.
Advogados dos demais réus na operação batizada de Kaspar 2 reclamaram da falta de acesso ao depoimento secreto, dizendo que isso inviabilizaria a defesa de seus clientes. O argumento fez com que o TRF suspendesse os dois processos.
"É direito do meu cliente saber qual será a fórmula usada pelo juiz para aplicar a sentença de todos os réus, inclusive do delator. Acho uma imoralidade o Estado incentivar a traição", afirma o advogado Eduardo Carnelós.

Ameaça
A delação tem amparo na lei nº 9.807/99, que diz que o réu que ajuda a identificar ex-cúmplices ou a recuperar verbas desviadas pode ser beneficiado pela redução de pena ou pelo perdão judicial. O caso da Kaspar 2 ainda será julgado pelo TRF, mas autoridades do Judiciário, da Procuradoria e da PF veem uma ameaça ao instituto.
"O problema é que nossa lei é falha, ela só diz qual o resultado da delação, não como se faz", diz o procurador da República na Bahia Vladimir Aras, que participa de um grupo que apresentará projeto de regulamentação.
Sem uma lei completa, cada juiz adota um modelo próprio, baseado em analogias com leis e experiências de outros países.
No Paraná, o modelo aplicado é o do contrato. O Ministério Público, responsável pela acusação formal contra os réus, oferece a delação e se compromete, por escrito, a pleitear na Justiça os benefícios.
"Isso [o acordo] deve ser levado ao conhecimento do juiz tão logo seja possível e aí pode-se solicitar sua homologação", diz o juiz federal Sérgio Fernando Moro, do Paraná.
O contrato, no entanto, não significa uma obrigatoriedade do juiz em cumpri-lo. Isso de penderá de uma avaliação sobre a efetiva colaboração.
Em São Paulo, o juiz federal Fausto De Sanctis participa de reuniões de delação, mas sem assinatura de contrato. O benefício só é concedido se a colaboração for considerada efetiva.
A participação do juiz é um dos pontos mais criticados. Muitos entendem que isso compromete a isenção. Para o procurador da República Rodrigo de Grandis, o acordo deve ser entre Ministério Público, réu e advogado. "O juiz ficaria como guardião do acordo, saberia da existência, mas não se envolveria sobre o mérito."
Para advogados, a delação rompe com o princípio da proporcionalidade da pena, pois trata diferentemente réus que cometeram os mesmos crimes.

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