quarta-feira, 13 de maio de 2009

O direito de resposta

Folha de São Paulo 13 de maio de 2009

TENDÊNCIAS/DEBATES

O diálogo entre a corda e o pescoço
RENÉ ARIEL DOTTI


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Surge a tendência de fazer do jornalismo uma atividade de risco para autorizar onerosas indenizações. Isso é péssimo para a democracia
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AO SALGAR por inteiro a terra por onde germinou, floresceu e deu frutos a lei nº 5.250/67, o Supremo Tribunal Federal mandou para o limbo princípios e regras de garantia da liberdade de informação, dos direitos da personalidade e dos regimes penal e civil mais benignos para a atividade jornalística.
O ministro Marco Aurélio perguntou a si mesmo em que país estava vivendo quando a maioria da corte leu no parágrafo 1º do artigo 220 da Constituição ("Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística (...)") a proibição para legislar nesse domínio, embora ampliando o arco de proteção das liberdades de informação e de comunicação social.
O ministro Gilmar Mendes apelou, sem êxito, pela manutenção de regras mínimas para o exercício do direito de resposta, cuja ausência provocará, geralmente, o "desequilíbrio de armas" entre o veículo ofensor e a pessoa ofendida. Embora ainda insuficientes, elas têm sido observadas no cotidiano judicial e extrajudicial há quase meio século.
O artigo 5º, V, da Constituição, que assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, não é autoexecutável, como foi decidido. Na ausência de regras próprias e indispensáveis, a vítima do abuso ficará à mercê dos sicários da honra e sujeita a um esquisito diálogo entre a corda e o pescoço, na liturgia do enforcamento moral.
É um truísmo afirmar que a lei nº 5.250/67 continha dispositivos que não foram recepcionados pela Carta de 1988. Justamente por isso, nunca foram aplicados pelos juízes e tribunais, como a censura de espetáculos e diversões e a apreensão de impressos por ordem do ministro da Justiça.
Mas, ao repudiar de cambulhada disposições mais favoráveis que as previstas pelos códigos Penal, Processual Penal e Civil, o Supremo instaurou o hiato de legalidade e o regime de insegurança jurídica.
O confronto entre o diploma especial descartado e a legislação criminal comum revela prejuízos para a plena liberdade de informação em geral e para os jornalistas em especial. Basta verificar, entre muitas hipóteses, as causas de exclusão de ilicitude penal e civil e os prazos de prescrição. Aquelas, mais amplas; estes, mais curtos.
A vassourada no "lixo autoritário" varreu garantias de imunidade profissional que atendem situações peculiares a uma profissão cuja natureza e prática exigem tratamento jurídico próprio.
A proclamação de que não existe abuso no exercício da crítica "inspirada no interesse público" (lei nº 5.250/67, artigo 27, IV) constitui uma das muitas hipóteses de exclusão de ilicitude que não têm correspondente no Código Penal.
Para o efeito de competência jurisdicional, o lugar do delito é o do local onde foi produzida a matéria (impressão, gravação e administração da agência noticiosa), e não onde foram produzidos os efeitos. Esse dispositivo jogado fora (artigo 40) impedia a distribuição pelo país de milhares de processos onde as supostas vítimas teriam sofrido a repercussão do dano.
É elementar que, nas ações de indenização com a aplicação das regras gerais do processo civil, serão permitidas as "fogueiras de inquisição" em inúmeras comarcas, assim como ocorreu com a Folha versus a Igreja Universal do Reino de Deus.
No campo da responsabilidade civil, o desastre será incomensurável. O artigo 49 da Lei de Imprensa, fiel ao código de 1916, mantinha a regra clássica de exigir a culpa ou o dolo para a obrigação de reparar o dano.
Mas já existe precedente, com base no artigo 927 do novo Código Civil, estabelecendo o dever de indenizar, independentemente de culpa, "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos do outro".
Essa é a decisão unânime do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de 28/11/07, que, valendo-se desse dispositivo, aplicou a teoria da responsabilidade objetiva e condenou a empresa jornalística pela divulgação de fotografia de residência, vinculando-a, equivocadamente, a local de prostituição e de uso de drogas (RT 870, p. 368).
Surge a tendência de fazer do jornalismo uma atividade de risco para autorizar indenizações de grande valor financeiro. Isso é péssimo para a liberdade e a democracia.



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RENÉ ARIEL DOTTI , 74, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da UFPR (Universidade Federal do Paraná), foi relator do anteprojeto de Lei de Imprensa elaborado por comissão da OAB (1991). É autor do livro "Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação".

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