quinta-feira, 21 de maio de 2009

Bolivia e o constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo 21 de maio de 2009

Morales baixa decreto contra "separatistas"
Norma prevê apreensão de bens de suspeitos de financiar ações terroristas ou que busquem independência de regiões

Para líderes opositores, meta é intimidar; governo ordena que jornais e TVs reservem espaço de opinião a sindicatos de jornalistas

Em meio à permanente tensão com empresários de oposição e donos de meios de comunicação na Bolívia, o governo Evo Morales baixou ontem dois decretos: o primeiro prevê a apreensão de bens de acusados de participar de atos terroristas ou separatistas; o segundo torna obrigatório que TVs, rádios e jornais reservem espaços diários para que sindicatos de jornalistas expressem suas opiniões independentemente da linha editorial dos meios.
As normas foram tornadas públicas um dia após o presidente boliviano afirmar que "se algum empresário, algum meio de comunicação estava dando dinheiro a separatistas", seus bens seriam apreendidos.
Ontem, o governo afirmou que o decreto antisseparatista é uma resposta à suposta conspiração para matar Morales que o governo diz ter desbaratado em abril em Santa Cruz, o rico bastião governado pela oposição.
O suposto complô ainda está sob investigação, inclusive de uma comissão parlamentar. Na ação contra os suspeitos de terrorismo, a polícia mantou três pessoas, entre elas o croata-húngaro-boliviano Eduardo Rózsa Flores. Rózsa Flores afirmara, em entrevista só divulgada após sua morte, que lutava por Santa Cruz e que era financiado por empresários locais.
Para líderes cruzenhos, o objetivo da norma é intimidar a oposição. Empresários dizem que colhiam fundos não para atentados, mas para promover a autonomia administrativa.
O promotor e o juiz que darão a ordem de apreensão serão de La Paz. Se o julgamento dos acusados sentenciá-los culpados, os bens serão expropriados. A sanção já é aplicado em casos de narcotráfico.

Imprensa e governo
Já pelo decreto que abrange mídia escrita, TV e rádio, o governo torna obrigatória uma norma existente desde a década de 70 segundo a qual jornalistas, incluídas representações sindicais, têm direito a um espaço fixo de opinião diário para expressar suas opiniões. No caso da TV e rádio, são três minutos em um noticiário diário.
O presidente da Associação Nacional de Imprensa da Bolívia (ANP, na sigla em espanhol), Marcos Dipp, afirmou à Folha que não vê maiores problemas na legislação. "Não havia necessidade de novo decreto. Tivemos essa coluna durante muito tempo aqui [no Correo del Sur, jornal da cidade de Sucre]. A questão é como isso se dará. Temos uma tremenda limitação de espaço."
Para o jornalista Renán Estenssoro, ex-sindicalista e diretor da Fundação para o Jornalismo, o decreto é retoma uma conquista que caiu em desuso. Um problema, diz, será negociar o tempo livre para que jornalistas usem a prerrogativa.
Estenssoro também critica a "manipulação política" do tema. "O governo usará isso na confrontação com os meios." Questionado, o presidente da ANP evitou polemizar. "Não interpreto dessa maneira."
Dipp citou, no entanto, que a norma reaparece quando um tribunal julga uma ação de Morales contra o jornal "La Prensa", de La Paz, por calúnia e difamação, e quando o presidente cita que a mídia como suspeita de apoiar o separatismo.
Segundo a lei de imprensa local, o tribunal é formado por um corpo de notáveis ligados à comunicação escolhidos por um juiz local. "Para a ANP, ações como essa são ferramentas de amedrontamento. Mas é alentador que o governo recorra ao tribunal, que é a via correta, deixando de lado agressões públicas constantes."
Morales tem um longo histórico de confrontação com meios de comunicação, alguns abertamente opositores como o canal de TV Unitel. A resposta do governo foi lançar neste ano o jornal estatal "Cambio".
Sindicatos de jornalistas também reclamam dos ataques do presidente à categoria. (FLÁVIA MARREIRO)

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