terça-feira, 12 de maio de 2009

Ativismo judicial e o poder executivo

Valor Economico
Com fórum agrário, amplia-se ativismo judicial sobre o Executivo
Juliano Basile, de Brasília
12/05/2009


O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e o presidente do STF, Gilmar Mendes: ativismo agrário e carcerário
Numa resposta aos conflitos envolvendo pecuaristas e sem-terra, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instalou, ontem, o Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Agrários. O objetivo é acompanhar todas as ações judiciais envolvendo conflitos agrários e verificar as razões de eventuais descumprimentos.

O fórum discutirá a criação de novas varas agrárias e novas formas de mediação de conflitos. Com a medida, o presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes, acredita que será possível resolver conflitos no campo, como invasões de propriedades e processos de desapropriação. "É importante que se busquem as causas do reiterado descumprimento de decisões judiciais em algumas regiões do país", afirmou Mendes, que preside também o Supremo Tribunal Federal (STF).

O evento marcou ainda uma postura ativa do ministro que decidiu agir sobre problemas que são tradicionalmente tratados pelo Poder Executivo. Mendes ingressou em assuntos, como a violência no campo e as deficiências do sistema prisional, com metas e agenda a cumprir. Ele afirmou, ontem, que pretende levar mutirões carcerários a todos os 27 entes da federação (26 Estados mais o Distrito Federal) até abril de 2010, quando deixa a presidência do CNJ e do STF. O objetivo desses mutirões é verificar os processos de todos os presos para localizar aqueles que não devem mais ficar na cadeia, mas continuam lá por conta de procedimentos burocráticos. Segundo Mendes, os mutirões já levaram à liberdade de mais de 2,2 mil pessoas, que estavam irregularmente em prisões. "É o equivalente a mais de quatro estabelecimentos penais de porte médio", comparou. Agora, Mendes deverá fazer mutirões em varas agrárias para verificar caso a caso os descumprimentos de decisões.

O STF já sofre questionamentos a respeito de supostos avanços em assuntos tradicionalmente de competência do Congresso, como a fixação de regras para as greves no serviço público e as decisões a respeito de quais procedimentos devem ser adotados em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Questionado a respeito deste novo ativismo - agora, sobre o Poder Executivo -, Mendes respondeu que esses mutirões na área carcerária e agrária também são "missões do Judiciário".

"Não pretendemos a sobreposição de ações, e temos consciência de que nossa missão não é substituir-nos aos órgãos governamentais responsáveis pelas políticas públicas", disse o presidente do STF e do CNJ. "Mas temos também a convicção de que o sistema de Justiça tem ouvidos e mãos para reverter grande parte do quadro sombrio que se instala no campo e nas cidades e para a prevenção de novos conflitos", completou, referindo-se às invasões de propriedades urbanas e rurais.

A instalação do fórum se deu dois dias de um tiroteio entre integrantes do MST e seguranças da Agropecuária Santa Bárbara, em Eldorado dos Carajás. Foi o segundo tiroteio em menos de um mês. A Santa Bárbara tem o banqueiro Daniel Dantas como sócio e sofre invasões desde julho de 2008, quando foi deflagrada a Operação Satiagraha da Polícia Federal com o objetivo de investigá-lo.

O ouvidor agrário nacional do Incra, Gercino Silva, defendeu que seja feita vistoria nas terras da Santa Bárbara. Segundo ele, se a vistoria constatar que as terras são produtivas e cumprem função social (seguem as leis trabalhistas e ambientais), o Incra forneceria um atestado aos proprietários e enviaria cópia ao MST para pedir aos sem-terra para deixar o local. Mas, a proposta foi rechaçada por ambos os lados em conflito.

A Santa Bárbara não aceita a vistoria, sob a alegação de que essas informações estão no processo em que pediu a reintegração de posse e confirmariam a produtividade das terras e o cumprimento às leis. Outro problema, para a fazenda, é que a vistoria seria feita pelo Incra que é parte interessada no processo, no qual defende a desapropriação para reforma agrária.

"Nós também não concordamos com a proposta do ouvidor", respondeu Ulisses Manaças, da direção nacional do MST. Ele afirmou que as terras não devem ser analisadas pelo critério da produtividade, mas sim, pela transferência feita pela família Mutran, que as recebeu do Estado e vendeu, depois, para a Santa Bárbara. O MST contesta essa venda entre particulares e defende que as terras são públicas e deveriam ser coletivizadas. "O problema fundamental é que houve uma transação ilegal", disse Manaças.

A Santa Bárbara informou que os sem-terra roubaram um trator da empresa, ontem, em Eldorado, e desafiaram os seguranças a buscá-lo numa atitude que os fazendeiros consideraram "provocadora". O trator estaria sendo utilizado para transportar crianças, já que a entrada da fazenda Maria Bonita, do grupo, estaria bloqueada pelo movimento.

Manaças informou por telefone, de Belém, que não tinha informações sobre roubo de trator. "Mas, sabemos que há um clima de instabilidade por conta do ataque dos seguranças", rebateu o líder do MST.

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