domingo, 17 de maio de 2009

A França e a resistência contra a Lei da Internet

Folha de São Paulo de 17 de maio de 2009

Franceses lançam ciber-resistência a lei
Norma pretende banir da internet acusados de download ilegal; indústria comemora, mas especialistas preveem efeito pífio

Parlamento Europeu aprova lei contra medida francesa, mas precisa de sanção do Conselho de Ministros; blogs ensinam a burlá-la



Internautas franceses preparam um movimento de ciber-resistência à nova lei de proteção de direitos autorais que pretende banir da internet quem for acusado de fazer downloads ilegais.
Um dos blogs mais ativos nesta empreitada, o linuxma nua.blogspot.com, lançou o "plano de resistência ABCDE FUCK", que ensina internautas a burlar os mecanismos de vigilância e os incentiva a infernizar a vida da futura polícia cibernética, a Hadopi, prevista na Lei de Criação e Internet (LCI), aprovada pelo Legislativo na quarta-feira passada.
A nova norma obriga os provedores de internet a fornecer a identidade de quem baixar da rede material protegido por "copyright". Os usuários apanhados receberão advertências, a primeira por e-mail, a segunda por meio de carta registrada. Se não se emendarem, poderão ser banidos por até um ano da internet. Um pormenor vem causando especial irritação: o internauta excomungado estará obrigado a seguir pagando pelos serviços de acesso.
A medida é polêmica em vários planos. Para começar, ela é juridicamente discutível, pois cria uma pena -o banimento- a ser aplicada por autoridade administrativa, e não judicial.
O Parlamento Europeu aprovou na semana passada emenda a uma lei de telecomunicações que especificamente proíbe governos nacionais de impedir o acesso de cidadãos à internet sem ordem judicial. A emenda ainda precisa passar pelo Conselho de Ministros.
Também se discute a questão processual. Como a LCI fala em controlar "atos suscetíveis de constituir infração" a direitos autorais, e não "atos que constituam infração", fala-se em inversão do ônus da prova. Do jeito que está, dizem os adversários da norma, caberia ao internauta acusado provar que não fez o download e não à ciberpolícia demonstrar o ilícito -como seria de esperar pelo princípio de presunção da inocência, que figura na Constituição francesa há 200 anos.
Mas não são questões jurídicas as que mais animam o debate. Os opositores da lei falam em liberticídio e fim da privacidade. Acusam o presidente Nicolas Sarkozy de ter bancado a iniciativa só para agradar à sua mulher, a cantora Carla Bruni.
As indústrias fonográfica e cinematográfica comemoram a aprovação da LCI, que ainda precisa passar pelo Conselho Constitucional, como mais uma de uma série de vitórias.
No mês passado, a Justiça sueca condenou os responsáveis pelo site Pirate Bay, que permitia a troca de arquivos de música, a um ano de prisão (com sursis) e a pagar indenizações no valor de 30 milhões de coroas (R$ 7,7 milhões).
No próximo dia 20 é a vez de o site holandês Mininova ir a julgamento. Representantes da indústria querem obrigar o site a filtrar material protegido por direitos autorais.
É muito provável, entretanto, que essas sejam vitórias de Pirro. Pierre Kosciusko-Morizet, que representa a associação dos provedores de internet da França, acredita que a LCI terá efeitos antipirataria pífios.
Internautas poderão recorrer a sites que fornecem acesso anônimo à rede. Banidos poderão refazer a assinatura em nome de parentes.
Não são poucos os que acreditam que a batalha da indústria contra os downloads já está perdida. É o que diz, por exemplo, o economista americano Paul Krugman. À medida que as tecnologias de reprodução avançam, bens como músicas e texto se tornam imateriais -e difíceis de comercializar. O caminho, crê o Nobel de Economia, é vender produtos e serviços derivados dessas obras.

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