domingo, 15 de março de 2009

O STF e a punição dos corruptos

15 de Março de 2009 - jornal Estado de São Paulo



No STF, punir corrupto é ainda ''dificuldade histórica''
Secretário dos Gaecos alerta para facilidade ?extraordinária? de recursos; especialistas opinam que Justiça comum poderia dar resposta mais efetiva

Fausto Macedo (autoria)

"Há uma dificuldade histórica no combate à corrupção", afirma o promotor de Justiça José Reinaldo Guimarães Carneiro, secretário executivo dos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaecos), braço do Ministério Público de São Paulo. "O colarinho branco tem uma facilidade extraordinária no acesso aos recursos. A grande quantidade de recursos previstos no Código de Processo Penal inviabiliza prestação de jurisdição séria."

A avaliação do promotor pode ser a resposta para uma pergunta recorrente: por que as demandas de competência do Supremo Tribunal Federal (STF) raramente chegam ao seu final ? - e, quando chegam lá, por que não há condenados?

Deputados, senadores e ministros de Estado são alvos de inquéritos e ações penais no STF, a quem cabe conduzir processos contra autoridades com foro privilegiado. No STF há 378 procedimentos - 275 inquéritos e 103 ações penais em que políticos respondem como réus e aguardam veredicto da corte.

São casos de desvio de dinheiro público, crimes de responsabilidade, crimes contra o sistema financeiro e fraudes em licitação. É crescente o número de ações abertas pelo STF contra acusados por corrupção.

Há 20 anos na carreira, professor de processo penal na Faculdade de Direito do Mackenzie, o promotor José Reinaldo avalia que, se o STF fosse uma corte exclusivamente constitucional, "a resposta aos casos de corrupção poderia ser dada nas instâncias inferiores de forma mais efetiva".

Ele defende a delação premiada sistematicamente para os crimes de grande potencial ofensivo, como nos Estados Unidos. "O acordo resolveria o problema da sociedade e do próprio acusado, que não teria de suportar uma demanda indefinidamente. Acabaria com a sensação de impunidade, que é real."

Para o subprocurador-geral da República Wagner Gonçalves, o foro privilegiado "gera distorção". "O STF não é uma corte para ações penais originárias, decorrentes de denúncia. Não é estruturado para fazer instrução. Quem está apto a fazer a instrução de ação penal é o juiz da primeira instância. A estrutura do tribunal é feita para revisão da decisão do juiz."

Gonçalves, 27 anos de Ministério Público Federal, ressalta que nos casos de foro cabe a defesa preliminar. "Antes do recebimento da denúncia, ouve-se o investigado que, de um modo geral, conta com advogados excelentes. Se esse tipo de ação tivesse solução rápida, ninguém iria querer foro privilegiado", assevera o subprocurador, coordenador da 2ª Câmara Criminal do Ministério Público Federal. "Há 3 classes de pessoas na sociedade brasileira. Os invisíveis, aqueles que estão limpando a rua, o pedinte que você não enxerga; os demonizados, traficantes de drogas, o pessoal do morro que é preso sem camisa e algemado com os braços para trás; e os imunes, dificilmente atingidos, a turma do colarinho branco, da prerrogativa de foro."

"O STF é uma corte muito pesada, não tem agilidade para fazer a instrução criminal", atesta a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

GRITO DE ALERTA

Com 34 anos de instituição, autora de célebre pesquisa de doutorado, há 10 anos, sobre crimes contra o sistema financeiro, Ela Wiecko deu o primeiro grito de alerta sobre a fragilidade do sistema. "Porcentagem mínima de processos chegava à sentença. Era menor ainda o índice de condenação. O modelo é o mesmo."

"A conduta de certas pessoas, pelos cargos que ocupam, é interpretada de forma mais benevolente", aponta. "Ainda é forte a presença de oligarquias nos Estados. A escolha de desembargadores e ministros de tribunais é uma troca de favores. Passa sempre pela chancela do Executivo, é tudo um compadrio. Às vezes tem uma decisão contrária, mas depois percebe-se que aquilo é só um faz-de-conta para dizer que apertou."

"Para os pequenos, o sistema é inflexível. Os fortes, políticos e empresários corruptos, esses sempre fogem das malhas", adverte Ela, professora de Direito penal e criminologia na UnB.

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