Consultor Jurídico de 12 de março de 2009
Segurança jurídicaSupremo admite ADPF para pacificar jurisprudênciaO Supremo Tribunal Federal admitiu uma nova função para a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Nesta quarta-feira (11/3), o Plenário considerou que a ADPF é um instrumento legítimo para garantir segurança jurídica quando há no Judiciário diversas decisões conflitantes em relação a direitos fundamentais. O entendimento foi firmado ao julgar questão preliminar da ADPF proposta pelo presidente da República para garantir as regras que proíbem a importação de pneus usados.
Na ação, o presidente contesta decisões judiciais que permitem a importação de pneus usados, com o argumento de que elas colocam em risco preceitos fundamentais como o direito à saúde e a um meio ambiente equilibrado. Antes de entrar no mérito da questão — se é ou não constitucional a importação dos pneus —, os ministros julgaram a possibilidade de admitir a ADPF neste caso.
Por nove votos a um, os ministros admitiram a ação. A relatora, ministra Cármen Lúcia, sustentou que o tribunal pode conhecer da ação sempre que o princípio da segurança jurídica estiver em risco, por conta da multiplicação de interpretações e decisões divergentes sobre a matéria. De acordo com Cármen, a ação pode ser usada também como meio de impugnação.
Citando o presidente do Supremo, ministros Gilmar Mendes, a ministra ressaltou que decisões judiciais controversas e “incongruências hermenêuticas podem configurar ameaça a preceito fundamental”. Assim, a ADPF é perfeitamente admissível para garantir a segurança jurídica e evitar a multiplicação de decisões contraditórias.
Ao concordar com a relatora, o ministro Menezes Direito afirmou que a ADPF “alcança disciplina amplíssima e não está confinada aos direitos previstos no artigo 5º da Constituição. Se assim não fosse, deixaríamos descobertos diversos outros direitos fundamentais contemplados em outros artigos da carta”. Os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Cezar Peluso, Celso de Mello e Gilmar Mendes também admitiram o uso da ADPF para evitar a multiplicação de decisões conflitantes. Ellen Gracie não estava presente à sessão. Marco Aurélio ficou vencido.
Queima de etapas
Citando o ministro Francisco Rezek, Marco Aurélio afirmou que se pode “baratear a tal ponto essa ação de nobreza maior por contra da importância do tema de fundo”. Para Marco, se há diversas decisões sobre o tema em curso nas instâncias inferiores da Justiça, elas devem ser combatidas por recurso específicos previstos em lei.
“A ADPF não é um sucedâneo recursal contra decisões judiciais. Temos remédios jurídicos previstos na legislação para isso, por meio dos quais se chega aos tribunais superiores e ao órgão de cúpula do Judiciário, que é o Supremo”, defendeu Marco Aurélio.
O ministro ressaltou que, de acordo com a legislação que regula o tema, a ADPF serve para atacar ato do poder público que ofenda direito fundamental. “Não vejo ato a ser atacado porque não incluo a jurisdição como poder público.” Marco Aurélio considerou a admissão da ação uma “queima de etapas”.
Pneus no mérito
A definição sobre a validade das regras que proíbem a importação de pneus usados foi adiada. Depois do voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, que manteve as normas e cassou as decisões judiciais que ainda garantiam a chegada de pneus da União Européia, o ministro Eros Grau pediu vista do processo e suspendeu a sessão.
Carmén Lúcia julgou a ADPF procedente em parte. Para a ministra, as decisões judiciais sobre o tema que transitaram em julgado não podem ser cassadas, sob pena de se ferir o princípio da coisa julgada. Em seu voto, que foi lido por quase duas horas, a relatora destacou que a atividade econômica deve se submeter às regras que protegem a saúde e o ambiente social. “A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais”, disse.
A ministra concordou com o argumento do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que sustentou que o governo pode interferir no domínio econômico com o objetivo de preservar o meio ambiente. Toffoli também lembrou que os últimos quatro presidentes, em cinco mandatos, estabeleceram políticas públicas no sentido de proibir a importação de pneus usados. “É uma política de Estado que nós estamos defendendo”, argumentou.
De acordo com os números da defesa da União, o Brasil importou, nos últimos três anos, quase 15 milhões de pneus usados da Europa. Segundo Toffoli, isso representa 30% do total do comércio mundial. A importação, sustentou o governo, afronta os preceitos fundamentais garantidos nos artigos 170, 196 e 225 da Constituição Federal. Os dispositivos dizem respeito ao direito à saúde, à garantia da ordem econômica e à manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A relatora Cármen Lúcia ainda afirmou que, pelo princípio da precaução, o governo não precisa demonstrar cabalmente os danos para estabelecer medidas de proteção ao meio ambiente. E que o poder público, neste caso, nada mais fez do que cumprir com seu dever de fixar medidas para garantir o desenvolvimento sustentável. “A livre iniciativa é que deve se adaptar aos princípios de proteção do direito à saúde e ao meio ambiente saudável.”
Os defensores da indústria de reforma de pneus sustentaram que as carcaças nacionais não se prestam à remodelagem. Por isso, é necessária a importação. Defenderam também que, no lugar da proibição, o STF poderia fazer uma liberação condicionada ao cumprimento de exigências legais de meio ambiente. Apontaram, ainda, o que taxaram de incoerência de se permitir a importação dos países que compõem o Mercosul, e não de outras regiões. Os argumentos não surtiram efeito.
A ministra reservou para o fim do seu voto uma ironia: “É extremamente curioso o argumento das empresas em prol da importação. Eu fico sempre achando que a cada dia aprendo mais porque me impressiona a generosidade de países que, tendo problemas ambientais como um passivo de 3 bilhões pneus, resolvem vender a preço de miséria para nossos tristes trópicos exatamente algo que é tão bom, tanto para gerar empregos, quanto para melhorar as condições ambientais”.
quinta-feira, 12 de março de 2009
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Um comentário:
Cabe ressaltar a tendência de fortalecimento da via concentrada de jurisdição constitucional neste episódio. Não vejo porque um caso como este não poderia ter chegado ao Supremo por RE. Talvez tivéssemos as mesmas consequências, mas não daríamos tanta plasticidade à ADPF, fato que o Min. Marco Aurélio levanta.
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