sábado, 14 de março de 2009

A inconstitucionalidade e a questão das cavernas

Folha de São Paulo de 13 de março de 2009

Supremo julgará proteção às cavernas
Ação de inconstitucionalidade contesta decreto federal que anulou status de conservação de ambientes subterrâneos

Procurador-geral diz que nova legislação foi imposta sem debate; ambientalista afirma que mudança põe 70% das cavernas sob risco

O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, ajuizou no STF (Supremo Tribunal Federal) uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o decreto do governo federal que autoriza a destruição de cavernas no Brasil.
O decreto, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicado em novembro no "Diário Oficial da União", permite que milhares de grutas sofram "impactos negativos irreversíveis" no país.
O Brasil possui cerca de 7.300 cavidades identificadas. Antes, a lei conferia proteção a todas elas. Com as mudanças do decreto, cavernas naturais passarão a ser classificadas por quatro critérios de relevância -máximo, alto, médio e baixo. Só o maior dá proteção total.
Segundo o procurador, os critérios de utilização de cavernas só podem ser fixados por lei, e não por um decreto.
"O patrimônio espeleológico foi, mediante singelo decreto, absolutamente suprimido, sem que assim se tenha observado o democrático e plural debate na arena legislativa, na qual teriam vez opções de ordem política, alheias à administração, por meio de leis-medidas, como a que se exigiria", afirma o procurador-geral, na ação.
Segundo ele, o decreto "toma para si o papel de traçar o regime de exploração desses espaços, adotando critérios não-determinados pela comunidade científica para, pretensamente, eleger os sítios que devam, ou não, ser preservados".
Conforme o decreto, grutas com "alta relevância" poderão ser destruídas desde que o empreendedor se comprometa a preservar duas similares. As de "baixo grau de relevância", no entanto, poderão ser impactadas sem contrapartida.
Ambientalistas estimam que 70% das formações brasileiras possam ser destruídas sob o novo decreto e atribuem a mudança a uma pressão de empresas, principalmente mineradoras e hidrelétricas, que veem as grutas como um empecilho.
"Para nós, a notícia [da contestação ao decreto] é excelente", diz Marcelo Rasteiro, secretário-executivo da SBE (Sociedade Brasileira de Espeleologia). "Esse decreto foi feito de maneira truculenta, sem que o governo ouvisse ninguém. Assinamos um manifesto, com apoio de mais de 200 entidades, contra essa medida. A maioria dos países tem avançado na área de proteção ambiental, e o Brasil, com esse decreto, andou para trás", afirma.
Ele diz contestar a ideia de que essas cavidades seja empecilhos ao desenvolvimento. "Não há estudo que prove que as cavernas atrapalham. A produção mineral cresce exponencialmente no país. Agora caiu, e não foi por questões ambientais, mas econômicas", afirma.

Boicote
Rasteiro diz ainda que o governo tinha, após a assinatura do decreto, 60 dias para estabelecer os critérios de relevância, o que ainda não foi feito.
"Não vamos participar da elaboração desses critérios para não legitimar a medida."
O relator da ação no Supremo será o ministro Eros Grau.
Rômulo Mello, presidente do Instituto Chico Mendes, órgão que administra unidades de conservação federais, diz que os procuradores do governo estão analisando a ação e "tomando providências para subsidiar o Supremo". "Enquanto isso, vamos tocar o processo."
Ele diz que a definição sobre os critérios de relevância das cavernas deve ser finalizada até abril. "Estamos ouvindo um segmento amplo da sociedade. Só não terminamos esse processo [nos 60 dias previstos] em razão do período de férias."
Mello reitera que houve "discussões suficientes" antes do decreto, que, segundo ele, é um avanço, pois define formas claras proteger as cavernas.

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