sábado, 21 de março de 2009

O STF e a lei de anistia

Jornal Valor Economico de 21 de março de 2009

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve negar o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que seja revista a concessão de anistia aos policiais e militares que praticaram atos de tortura.

Um dos motivos é que, numa primeira análise, ministros da Corte estão verificando que, se os efeitos da anistia concedida em 1979 não forem considerados iguais para todos (tanto para os militares que apoiaram o golpe de 1964 quanto para os militantes de organizações de esquerda), o governo federal teria de parar de conceder indenizações a pessoas que perderam os seus parentes ou que ficaram desempregadas durante a ditadura.

Mais do que isso, se prevalecer a tese de que a Lei da Anistia (nº 6.683, de 1979) não foi recepcionada pela Constituição de 1988, o governo teria de cobrar de volta o valor pago a título de indenização a pessoas e famílias que sofreram perdas irreparáveis no regime militar.

Essas pessoas foram indenizadas pela Comissão de Anistia - um órgão que funciona no Ministério da Justiça e que julga caso a caso os pedidos de indenização. Desde 2002, quando foi concedida a primeira indenização, o governo federal já pagou R$ 2,5 bilhões aos anistiados. Ao todo, 25 mil pedidos foram aceitos. Outros 13 mil foram negados. Ainda restam 22 mil casos para serem julgados. O Ministério da Justiça estima que os anistiados políticos deverão receber até R$ 4 bilhões no fim de 2010, quando se espera que todos os pedidos de indenização estejam definitivamente julgados.

O problema, segundo relatou um ministro do STF, é que todos esses processos podem ser anulados se o tribunal aceitar a tese da OAB e, por tabela, definir que a anistia não foi recepcionada pela Constituição. Segundo esse ministro, essa tese é uma loucura, pois, além de cobrar R$ 2,5 bilhões de volta, o governo teria que encerrar as atividades da Comissão de Anistia.

A OAB ingressou, em outubro, com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o primeiro artigo da Lei da Anistia. Para a entidade, é necessária uma interpretação mais clara deste artigo que considerou perdoados os crimes "de qualquer natureza" no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Segundo a OAB, a lei "estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crime". A entidade quer que a anistia não seja concedida aos autores de crimes comuns praticados por agentes públicos, como homicídio, lesão corporal, estupro e abuso de autoridade contra opositores ao regime político da época.

Em fevereiro, a Advocacia-Geral da União (AGU) contestou ao STF o pedido da OAB. Num parecer enviado aos ministros do STF, a AGU ressaltou que a Lei da Anistia "foi ampla, geral e irrestrita", perdoando todos os crimes cometidos durante a ditadura, inclusive aqueles praticados por agentes públicos. "Uma vez que a anistia abrange os mais diversos crimes, comuns ou políticos, qualquer que seja a natureza - desde que tenham sido praticados em decorrência de razões políticas - é contraditório falar-se em enumeração dos referidos delitos, sob pena de conferir-se à medida caráter restritivo e dissidente da pretensão do legislador", diz o parecer assinado pelo advogado-geral, ministro José Antonio Dias Toffoli.

A discussão a respeito da revisão dos crimes cometidos durante a ditadura foi reaberto pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que, no ano passado, num debate promovido pela Comissão de Anistia, defendeu a tese de que os crimes dos agentes públicos são comuns, e não políticos.

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