sexta-feira, 20 de março de 2009

O papel do STF e o ativismo judicial

Prof Farlei Martins envia a seguinte notícia. Lembramos que sobre assunto é importante ver a nossa obra Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Editora Jurua




O Estado de São Paulo

Sexta-Feira, 20 de Março de 2009


Moderação e Justiça constitucional

José Reinaldo de Lima Lopes

Podem o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros assumir papel ativo
no palco da política nacional? Quando se ultrapassam as fronteiras? Arbitrar
conflitos entre Poderes e entre o Estado e os cidadãos sempre foi importante
nas democracias modernas. Nos EUA essa responsabilidade foi atribuída à
Suprema Corte, nas monarquias constitucionais do século 19 essa era a
atribuição do rei - "poder neutro", nas palavras de Constant, "poder
moderador", na expressão brasileira. Essa função seria bem cumprida se o
órgão encarregado fosse pautado pela neutralidade, se ele se comportasse
como poder não ativo.

No Brasil o declínio do prestígio e da relevância do moderador teve um
momento de virada quando, em 1868, o imperador, sem que estivesse instalada
no Parlamento uma crise de confiança no gabinete, despachou o ministério
Zacarias, por influências externas ao jogo regular dos partidos. Deixara de
ser neutro para se tornar protagonista da vida política partidária. As duas
décadas seguintes foram inúteis para lhe restaurar genuína solidariedade e
respeito.

No Brasil republicano a tarefa de moderação e arbitragem das controvérsias
foi passada ao STF, como já demonstrava plenamente a consciência dos
constituintes de 1891, registrada nos debates da Assembleia que nos deu a
primeira Constituição não monárquica. Essa tarefa permaneceu, dando origem a
uma longa tradição - de fato, a terceira corte constitucional do mundo,
atrás apenas da norte-americana e da argentina. Mas, como todo poder de
caráter moderador, o prestígio do órgão depende de sua consciência do
próprio papel no Estado.

Não é próprio de um órgão judicante tomar iniciativas. Juízes, mesmo os
constitucionais, agem e se pronunciam apenas quando provocados. Ainda mais
quando têm o poder de decidir casos com força normativa geral -
pronunciar-se sobre conflitos em andamento e fora dos autos não lhes é
permitido. Não se manifestam por antecipação sobre assuntos que poderão lhes
chegar às mãos. Suas opiniões são conhecidas por seus votos, cuja
consistência e coerência são analisadas pela opinião pública, aí incluída a
opinião dos juristas e da doutrina constitucional, cuja tarefa é justamente
acompanhar e criticar a interpretação do direito feita pelas cortes
constitucionais.

Alguns diriam que nos falta aprendizado, porque a tradição do Judiciário
constitucional no Brasil foi interrompida pelas mudanças constitucionais.
Exceto pelas intervenções das ditaduras de 1937 e 1969, o Supremo não foi
tocado pelos governantes brasileiros. Ministros passaram de um regime a
outro, de tal modo que, salvo casos episódicos, com eles passou também uma
certa cultura jurídica. Ministros antigos vinham interpretar leis novas ou
mesmo constituições novas, e assim a transição de um regime a outro se deu
frequentemente de forma progressiva. Há menos interrupção do que às vezes se
imagina.

Essa moderação do próprio órgão é de esperar num tribunal. Na década de 70
Lorde Devlin, membro da alta corte inglesa, a seção legal da Câmara dos
Lordes, dizia com seu fino humor: "Os juízes, como toda outra categoria de
homens idosos que tenham vivido vidas geralmente não aventurosas, tendem a
ser tradicionalistas em suas ideias. Este é um fato natural" (apud Mário
Cappelletti, Juízes legisladores?, 1993). Por isso, quando juízes se tornam
ativistas, tendem a ser ativistas conservadores. O olhar histórico é
informativo: o que se chama ativismo judicial não é outra coisa senão a
interferência dos juízes nos outros ramos de governo e seus exemplos mais
clássicos nos EUA não vêm da progressista e democratizante "Warren Court"
(1953-1969), mas das decisões no período anterior à Guerra Civil, que
congelaram a escravidão em estatuto constitucional, e outras na passagem do
século 19 ao 20, que transformaram o liberalismo econômico em doutrina
jurídica, como disse o dissidente juiz Holmes, num misto de humor e
amargura. E o ativismo conservador num tribunal cujos membros são vitalícios
cria obstáculos de longa duração às reformas sempre necessárias em qualquer
sociedade viva.

O STF adquiriu funções de arbitramento de conflitos públicos e políticos em
1891. Como tribunal judiciário dependia sempre de provocação; envolveu-se em
conflitos famosos na Primeira República, quando foi chamado por Rui Barbosa
a limitar o estado de sítio, garantindo direitos individuais. Na ditadura
militar (1964-1985) foi silenciado por meios institucionais, pela cassação
de seus mais combativos e altaneiros ministros e pelo silêncio violentamente
imposto à sociedade civil. Foi trazido de volta à cena com a
redemocratização, que começara com uma onda de movimentos populares, que por
sua vez já tinham aprendido o caminho dos tribunais.

É verdadeira inovação o comportamento dos ministros do Supremo Tribunal
manifestando-se publicamente sobre temas conflituosos da sociedade
brasileira. Mais cedo ou mais tarde o assunto pode chegar ao Tribunal e os
que já se manifestaram sobre o caso deverão se dar por suspeitos: podem
passar a impressão de que já têm uma ideia de como julgar o caso antes mesmo
de ter examinado os fatos concretos, as circunstâncias e as diversas
interpretações da Constituição reivindicadas pelas distintas partes. Por
isso tudo, é sempre de esperar do Judiciário um certo silêncio.

Como todos sabemos, importamos a ideia de uma corte constitucional dos EUA.
Foi a fonte de inspiração de nossa instituição e talvez possa ainda ser
fonte de inspiração de certos costumes. Quando um presidente vai ao
Congresso para fazer seu discurso anual sobre o estado do país, os nove
ministros da Suprema Corte estão sempre presentes na primeira fila. São os
únicos que não aplaudem o orador. Mantêm, ali, como símbolo da função que
representam, atitude de vigilante discrição.

José Reinaldo de Lima Lopes é professor da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e da Escola de Direito de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas

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