O jornal "Valor Economico" por indicação do Prof. Fernando Gama publica a seguitne matéria de Maria Cristina Fernandes em 14 de novembro de 2008 sobre o ativismo judicial. Nesta matéria não há uma distinção entre ativismo e judicialização.
O poder vai até encontrar limites
O Congresso Nacional teve um ano e oito meses para votar uma lei sobre fidelidade partidária e não o fez. Da primeira decisão da Justiça Eleitoral até agora, o Supremo Tribunal Federal se posicionou duas vezes sobre o tema e confirmou decisão do Tribunal Superior Eleitoral de que o mandato do parlamentar pertence ao partido.
O procurador-geral da República foi até onde deu, questionando a constitucionalidade da decisão tomada fora do âmbito parlamentar. Não faltam aos parlamentares exemplos de seu dia a dia para demonstrar que a decisão judicial sequer tangencia as razões da troca de partido. E que nada é mais efetivo sobre o tema do que normatizar a relação das bancadas e o tempo de TV que lhes é destinado. E ainda sem o efeito colateral de reforçar os poderes discricionários das capatazias partidárias.
A incontinência verbal do presidente do Supremo Tribunal Federal, que não se furta a escapulir dos autos para discorrer em manchetes desde o caso Isabela Nardoni até a Lei da Anistia, tem contornos particulares. Como a pororoca e a jabuticabeira, só existe no Brasil, mas não é besteira.
Não há dúvidas de que o mais polêmico período do ativismo judicial no Brasil se alimenta da inércia política. É um parlamento que assiste calado ao ministro Gilmar Mendes fazer declarações como a de que o "Congresso precisa desenvolver racionalidade argumentativa" (Valor, 09/06), tarefa em que o Supremo o substituiria com mais eficiência.
É assim que o ministro, do alto de sua condição de notório conhecedor do controle da constitucionalidade no país, defende o poder dos sábios de toga em detrimento da legitimidade do poder constituído pela vontade popular. É bem verdade que seus representantes a maltratam com freqüência, mas, ao contrário das cortes vitalícias, o eleitor pode mandá-los de volta para casa de quatro em quatro anos.
O Conselho Nacional de Justiça, criado para exercer sobre o Judiciário o controle que no Legislativo é exercido pelas urnas, é comandado pelo mesmo presidente do Supremo e tem dez juízes entre seus 15 integrantes.
O deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), que participou da tramitação do projeto de lei que criou a CNJ, diz que a composição foi a possível naquele momento. "O Poder Judiciário não o aceitava de forma alguma. Temia que violasse sua independência. E se impôs como majoritário em sua composição", lembra o deputado, que até março respondia pela Secretaria Nacional de Justiça.
A mesma busca de consenso que resultou num texto com concessões em excesso ao Judiciário em seu controle externo é, paradoxalmente, o que fundamenta os ministros do Supremo na defesa do seu ativismo. Gilmar Mendes não é o único a defender a necessidade de sua atuação complementar ao Congresso em decorrência de redação em aberto dos projetos, tendência dominante na produção legislativa desde a Constituição de 1988.
Antes de ganhar impulso pela inércia congressual, o ativismo judicial foi fomentado pela ação de parlamentares que passaram a remeter ao Supremo querelas irresolutas na arena política.
E, finalmente, com a reforma do Judiciário, a Corte Suprema, em resposta à cobrança pela morosidade, pediu e levou efeitos vinculantes para suas decisões que, se alcançam razoável consenso em matérias tributária e previdenciária, causam espécie em questões penais, como na resolução sobre algemas. "Foi uma decisão monocrática em período de recesso", diz Biscaia.
Este não é o único período de intenso ativismo judicial do Supremo. De 1964 até o AI-5, a Corte teve uma jurisprudência muito ativista em favor dos direitos humanos. A partir daí conformou-se uma maioria que impôs 35 anos de auto-contenção. Os últimos ministros da geração formalista indicada pelos presidentes militares deixaram a Corte no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
A renovação de 7 dos 11 ministros do Supremo no governo Lula praticamente reescreveu a Constituição, diz um atento observador da cena jurídica brasiliense que considera esta geração, de longe, a mais ativista da história da Casa.
Sem uma hegemonia clara, e com muitos ministros que, falam, a torto e a direito, fora dos autos, a Casa acaba servindo de parâmetro para todo o Poder Judiciário. E gerando juízes que não se acanham a afirmar em público - "Nós somos a Constituição".
Gilmar Mendes e Fausto De Sanctis estão em lados opostos do balcão mas são filhos deste mesmo ativismo. O primeiro, muito provavelmente, prevalecerá sobre o segundo. Este poder irá até encontrar limites. O presidente da República não os colocará porque pretende terminar seu mandato.
Resta o Congresso. Há obviamente o temor em confrontar um poder que pode vir a julgá-los mas há casos isolados em que o Congresso reviu decisões importantes do Supremo sem que qualquer crise institucional fosse aventada.
Tome-se, por exemplo, a legislação sobre os crimes hediondos. Quem era condenado por este crime cumpria pena em regime fechado. O Supremo decidiu que este condenado tinha direito à progressão da pena, como os demais. O Congresso não gostou e votou lei estabelecendo que os condenados por crime hediondo podem progredir a pena, mas não no mesmo ritmo dos demais. Foi uma boa tradução da harmonia entre os poderes de que fala a Constituição. Aconteceu antes de Gilmar Mendes pontificar.
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
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