O jornal "O Valor" de 14 de novembro de 2008 traz a seguinte matéria sobre a Justiça na China.
O funcionamento da Justiça da China
Shin Kim e Arquelau So
Quem ainda não recebeu mensagens, convites ou informativos a respeito da China? Sem dúvida, o tema é um dos mais instigantes dos últimos anos. Infelizmente, para nós, brasileiros, discussões sobre a China ainda continuam superficiais. Saber como se comportar em uma mesa de negociação, entregar cartões de visita com as duas mãos, não recusar uma bebida ou comida que lhe é servida por um chinês ou ainda entender a importância do "guanxi" (relacionamento) obviamente são dicas importantes para o início de qualquer relacionamento. No entanto, para que possamos ultrapassar o nível superficial de conhecimento, entender a China ou os chineses requer muito estudo, aprendizado e, se possível, o convívio direto com os chineses. E, especialmente para os profissionais do direito, entender o sistema judiciário na China é um dos aspectos fundamentais para assessorar investidores estrangeiros interessados naquele país.
De fato, para muitos investidores estrangeiros a insegurança jurídica em virtude da falta de um sistema judiciário independente é um dos fatores relevantes na decisão de iniciar ou não determinado empreendimento na China. Assim, é importante que o investidor compreenda melhor o sistema judiciário chinês e esteja ciente de que o Governo da República Popular da China vem envidando esforços para a melhoria do sistema.
O sistema judiciário da República Popular da China é dividido em órgãos judiciais, compostos pelo Supremo Tribunal Popular, por tribunais populares locais de diversos níveis e por tribunais populares especiais; e por órgãos supervisores do Estado, compostos pela Suprema Procuradoria Popular, pelas procuradorias populares locais de diversos níveis e pelas procuradorias populares especiais. Os órgãos supervisores e judiciais da China são subordinados ao Comitê Central do Partido Comunista, sendo o Supremo Tribunal Popular o órgão judicial de maior hierarquia, e a Suprema Procuradoria Popular, o órgão supervisor de maior hierarquia.
De acordo com a Lei da Organização dos Tribunais da República Popular da China, os órgãos judiciais são compostos pelos tribunais populares básicos ("chuji renmin fayuan"); pelos tribunais populares intermediários ("zhongji renmin fayuan"); pelos tribunais populares especiais (militares, marítimos e ferroviários); pelos tribunais populares superiores ("gaoji renmin fayuan"); e finalmente, pelo órgão de maior hierarquia, o Supremo Tribunal Popular ("zuigao renmin fayuan").
As sessões dos tribunais populares são públicas, salvo nos casos relacionados a segredo de Estado, intimidades pessoais ou delinqüência juvenil. O acusado tem direito à defesa, que pode ser feita por si próprio, por advogados, parentes próximos ou tutor. Em virtude da estrutura do sistema judiciário, a maior parte dos juízes dos tribunais populares básicos é indicada pelo órgão administrativo local do Congresso Nacional do Povo - órgão máximo da República Popular da China. Entre os presidentes e vice-presidentes dos tribunais locais, apenas 19,1% possuem bacharelado em direito. Esse percentual diminui para 15,4% entre os juízes locais.
Ainda hoje, grande parte das despesas, custos e salários dos juízes locais é suportada pelo orçamento do governo local. Ademais, o cargo de juiz local não apresenta qualquer estabilidade, e qualquer um deles pode ser substituído a qualquer tempo pelo órgão administrativo local do Congresso Nacional do Povo.
No entanto, vale salientar que nos últimos anos o Poder Judiciário chinês vem envidando esforços para melhorar a qualidade técnica dos magistrados, sobretudo nos órgãos judiciários das grandes cidades. Por exemplo, o Tribunal Superior de Xangai vem indicando desde 1998, para os cargos de juízes dos tribunais locais, bacharéis em direito e com experiência profissional. Um dos motivos é o fato de que o Tribunal Superior de Xangai vem mantendo certa autonomia orçamentária, pois parte de sua fonte não é mais oriunda exclusivamente do governo local, o que acarreta em maior autonomia para tomar decisões, inclusive no que tange à indicação dos magistrados.
A valorização do profissional de direito, inclusive dos magistrados, vem aumentando de forma gradativa nos últimos anos. A China sabe da importância de manter uma estrutura judiciária adequada que possa garantir segurança jurídica não só aos investidores estrangeiros, mas principalmente à população chinesa. Incentivados pelo progresso do tribunal de Xangai, outros tribunais de outras jurisdições vêm tomando as mesmas medidas, incluindo cidades e províncias importantes como Pequim e Guangdong, o que demonstra a direção que a China tomará nos próximos anos.
Como qualquer país em desenvolvimento, a China enfrenta desafios relevantes. Com relação ao sistema judiciário, seria precipitado afirmar que uma estrutura centralizada é o único fator que pode gerar insegurança jurídica. Afinal, há países que, mesmo diante da independência formal do Poder Judiciário, se deparam com os mesmos desafios que a China para alcançar uma justiça correta e não protecionista.
Shin Kim e Arquelau So são, respectivamente, sócia responsável e advogado do "China Desk" do escritório TozziniFreire Advogados
sábado, 15 de novembro de 2008
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