sexta-feira, 4 de julho de 2008

Veríssimo : Injustiça e Desordem

A Constituição Federal fala, em seu art. 3º, I, da justiça social como objetivo fundamental da República brasileira. Fala também em legalidade, tanto em seu art. 5º, II, como no caput do art. 37. Há casos, porém, em que ordem e justiça, enquanto valores, mostram-se incompatíveis, e somos obrigados a tomar uma posição, para um ou para outro lado nesse embate. A coluna do escritor Luis Fernando Veríssimo, publicada no dia de ontem no jornal O GLOBO, vem a despertar uma boa reflexão sobre este conflito axiológico; conflito que, não raramente tem o Judiciário de enfrentar na resolução dos chamados "hard cases".
E, afinal, que papel virá a exercer a nossa Corte Maior, diante dos novos e violentos rumos que para os quais caminha a questão fundiária brasileira?

"Injustiça e Ordem - Verísimo

Quando Goethe disse que preferia a injustiça à desordem, a Europa recém fora sacudida pela revolução francesa e enfrentava outro terremoto, o bonapartismo em marcha. Sua opção não era teórica, era pela específica velha ordem que os novos tempos ameaçavam. Por mais injusta que fosse, a velha ordem era melhor do que as paixões incontroláveis libertadas pela revolução. Mas a frase de Goethe atravessou 200 anos, foi usada ou repudiada por muitos, na teoria ou na prática e em vários contextos, e chega aos nossos dias mais atual do que nunca. Você não pode pensar na questão agrária brasileira, por exemplo, sem cedo ou tarde ter que se perguntar se prefere a justiça ou a ordem.

A injustiça no caso é flagrante e escandalosa. Mesmo que se aceite todas as teses sobre o desvirtuamento do movimento dos sem-terra e se acate a demonização dos seus lideres, militantes e simpatizantes, a dimensão do movimento é uma evidência literalmente gritante do tamanho da iniqüidade fundiária no Brasil, que ou é uma ficção que milhares de pessoas resolveram adotar só para fazer barulho ou é uma vergonha nacional. A iniqüidade que criou essa multidão de deserdados no país com a maior extensão de terras aráveis do mundo é a mesma que expulsou outra multidão para as ruas e favelas das grandes cidades, deixando o campo despovoado para o latifúndio e o agronegócio predatório. A demora de uma reforma agrária para valer, tão prometida e tão adiada, só agrava a exclusão e aumenta a revolta.

Quem acha que desordem é pior do que injustiça tem do que se queixar, e a que recorrer. As invasões e manifestações dos sem-terra se sucedem e assustam. Proprietários rurais se mobilizam e se armam, a violência e o medo aumentam, a reação se organiza. Agora mesmo no Rio Grande do Sul, enquanto endurece a repressão policial às ações do MST, um documento do ministério publico estadual prega a criminalização de vez do movimento, caracterizando-o como uma guerrilha que ameaça a segurança nacional, com ajuda de fora. É improvável que uma maioria de promotores de justiça do estado, transformados em promotores de ordem acima de tudo, tivesse abonado o documento como estava redigido, com seu vocabulário evocativo de outra era. Mas ele dá uma idéia da força crescente do outro lado da opção definidora, dos que escolheram como Goethe."

fonte:http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=782962&tit=Injustica-e-desordem

4 comentários:

Prof. Ribas disse...

A postagem de Guilherme Costa apresenta uma discussão importante. Não se trata apenas do conflito entre justiça e ordem. Mas a dificuldade de que se traduz o processo democrático principalmente numa sociedade como a nossa tão desigual econômicamente e socialmente. Mas messmo assim o processo democrático se faz necessário. É graças a ele que lentamente estamos reduzindo questões como desnutrição conforme nos informa os jornais de edição de 4 de julho de 2008.

Prof. Ribas disse...

A postagem de Guilherme Costa apresenta uma discussão importante. Não se trata apenas do conflito entre justiça e ordem. Mas a dificuldade de que se traduz o processo democrático principalmente numa sociedade como a nossa tão desigual econômicamente e socialmente. Mas messmo assim o processo democrático se faz necessário. É graças a ele que lentamente estamos reduzindo questões como desnutrição conforme nos informa os jornais de edição de 4 de julho de 2008.

Rafael Vieira disse...

Essa questão vai muito além do que se apresenta. Não se trata de ordem ou justiça, acho que essa discussão é sobre a constituição em seus mais primordiais detalhes, colocados no corpo constitucional após momentos de luta. Não se pode rasgar a constituição em nome de um discurso que parece mais um discurso pré-1964 falando sobre "segurança nacional" e classificando o MST como "movimento de esquerda". A obra de Giorgio Agamben, o Estado de Exceção é mais atual do que nunca.

Prof. Ribas disse...

A postagem de Rafael Vieira é importantissima. Pois, traduz, obviamente, o impasse da teoria da constituição nesse início do século XXI ou pós 11 de setembro. Vale lembrar que, no começo de 2007, numa suspensão de mandado de segurança a respeito de pagamento de servidores públicos gaúchos pela Governadora Yeda Crusius, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes exarou despahco indicando estarmos diante da "constituição do possível" (a esse respeito veja o artigo elaborado pelos Professores Deilton Ribeiro e José Ribas Vieira publicado pela revista eletrônica da Subsecretaria da Casa Civil do Palácio do Planalto). Esta constituição do possível ou as limitações da presença da constituição alertada por Dieter Grimm, no seu famoso texto "O futuro da constituição" aponta estarmos enfrentando uma dificuldade de regularmos sociedades cada vez mais fragmentadas socialmente. Daí o apelo para o estado de exceção bem retratado por Giorgio Agamben.