Editorial do jornal O Estado de São Paulo, de 03.07.2008:
O ministro Gilmar Mendes não é o primeiro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) a chamar a atenção pela loquacidade - mas isso não o torna menos passível de críticas. Pela função que exerce, o que confere às suas palavras uma importância singular, não raro prefigurando decisões finais em matérias de interesse público, sujeitas a controvérsias, o titular da mais alta instância judicial do País deveria ser o primeiro a se pautar pela lei não escrita, de que juiz só fala nos autos. Há de se pagar um preço por estar no topo do Poder a que incumbe a guarda da Constituição.
Consiste, entre outras coisas, em ser parcimonioso ao extremo com as palavras, ainda mais quando exprimem juízos de valor - se não pela solenidade do cargo, pelos efeitos potenciais das manifestações que a imprensa inevitavelmente divulgará com destaque por terem partido de quem partiu. Dessa servidão estão evidentemente isentos os políticos de carreira que comandam o Executivo e o Legislativo. E quando se tem um presidente que fala pelos cotovelos, como é o caso do atual, o titular do Judiciário que peca pela prolixidade dá a impressão de querer competir com ele por espaço na mídia.
Não faz muito, o ministro Gilmar Mendes apareceu numa reportagem contando passagens de sua vida afetiva, numa exposição pública no mínimo inusitada pelo grau de detalhamento da narrativa. Pode-se estranhar, mas, como se diz, cada um sabe de si. O mesmo critério não se aplica, porém, às suas declarações da terça-feira, ao divulgar balanço das atividades do Supremo no primeiro semestre. Solicitado a comentar a anunciada iniciativa da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) de divulgar no seu site os nomes dos candidatos às eleições deste ano que respondem a processos, ele não se limitou a observar que essa lista pode embutir ''graves injustiças''.
Enveredando pela retórica, declarou: ''Eu tenho horror a populismo e muito mais a populismo de índole judicial.'' Separem-se as coisas. Mendes é apontado como um dos seis membros do STF que devem indeferir o recurso contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomada por 4 votos a 3, segundo a qual os Tribunais Regionais não podem negar o registro aos chamados candidatos de ''fichas-sujas'' que ainda não estiverem condenados em última instância. Decerto a opinião pública gostaria de ver barrado, ainda assim, o seu acesso às urnas. Mas, infelizmente, quem sabe, não há nada na Lei de Inelegibilidades que respalde uma sentença nesse sentido.
Ora, qualquer que seja a avaliação de mérito do problema, isso não autoriza um magistrado - muito menos o presidente da Suprema Corte, repita-se - a aplicar o rótulo de ''populismo judicial'' a uma intenção, embora polêmica, da principal associação de juízes do País. Talvez Mendes não se tenha dado conta de que, ao fazê-lo, deixou o flanco aberto para ser acusado do mesmo. Igualmente espalhafatosos foram os seus dizeres a respeito do vazamento de informações de operações da Polícia Federal (PF) - ''terrorismo lamentável'', ''coisa de gângster''. Ele lembrou que, no curso da Operação Navalha, sobre fraudes em licitações, chegou à imprensa o nome Gilmar Mendes em conexão com o notório Zuleido Veras.
Tratava-se, na realidade, de um homônimo, e não se pode afirmar cabalmente que a Polícia Federal aproveitou a coincidência para ''fazer terrorismo'' contra o STF ou o seu presidente, embora a divulgação tenha se seguido a críticas dele ao que considerava investigações espetaculosas e até exorbitantes da PF e do Ministério Público. Se o ministro entende, como deixou claro, que delegados e procuradores tomam atitudes de ''retaliação e até de controle ideológico contra juízes'', a resposta adequada não está em revidar pela imprensa. Substantiva, esta sim, é a proposta, que ele já teria levado ao presidente Lula, de criação de uma lei de abuso de autoridade para punir, ''nas esferas administrativa e criminal'', vazamento de informações e denúncias improcedentes contra membros do Judiciário.
Independentemente do que se pense da idéia, o essencial é distinguir a iniciativa da performance do ministro diante da mídia. Com perdão pela platitude, não é a sua figura que está em jogo, mas a instituição que dirige.
Um comentário:
Por essa razão, mesmo relevando uma questão emocional nessas entrevistas do Presdiente do STF Ministro Gilmar Ferreira Mendes, reforça-se o aspecto de que o denominado "ativismo judicial" no Brasil está se tornando um fenômeno político-jurídico independente. Assim, não estariamos mais diante de uma simples judicialização politica. Mas de um processo institucional com contornos difíceis. Tanto é verdade que na citada postagem do Prof Farlei Martins aparece a expressão usada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes de "um populismo judicial". Isto é, os próprios orgãos judiciais estão se acusando mutuamente de procedimentos de ativismo judicial sem controle.
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