O Professor Marcelo Cattoni envia para ser postada essa entrevista do Professor Luis Werneck Vianna, da área de Cîência Política do Iuperj e especialista no tema de judicialização da política, tendo circulada no Consultor Jurídico do dia 27 de julho de 2008. O citado pesquisador procura contextualizar numa perspectiva social os últimos acontecimentos decorrentes de operações da Policia Federal nos casos do Daniel Dantas e Eike Batista. O Prof. Luis Werneck Vianna procura enquadrar a necessidade, principalmente, da classe média brasileira de mobilizar-se para questões centrais como é o caso da Reforma Agrária. É, nesse ponto, que a sociedade brasileira poderia avançar. Pontua, também, a visão de estrutura classes, hoje, reinante no Brasil como foi antevista por Francisco de Oliveira. E, por fim, dentro do objetivo de estudo de nosso blog, reconhece, sem ser crítico, "o papel de guardião da constituição e das liberdades "exercido pelo Supremo Tribunal Federal,
*O que o senhor considera como as questões centrais na sociedade brasileira,
que devem ser discutidas com mais ênfase?*
Luiz Werneck Vianna — O tema do crescimento econômico, da reforma agrária,
da democratização da propriedade. Para isso ninguém mobiliza ninguém.
*Pode-se afirmar que os anos dourados do neoliberalismo brasileiro
produziram uma nova burguesia nacional da qual Daniel Dantas e Eike Batista
são hoje personagens centrais? O que distingue essa nova burguesia da "velha
burguesia nacional" do período desenvolvimentista?*
Luiz Werneck Vianna — Eike Batista não é um homem das finanças, e sim um
homem da produção. O Daniel Dantas, não. Ele é um homem do setor financeiro.
Este setor apresentou enormes possibilidades. Esses executivos do setor
financeiro não têm 40 anos. Se examinarmos os currículos deles, veremos que
são formados por boas universidades, com doutorado no exterior. Apareceu um
novo mundo para esses setores médios e educados da população, especialmente
os economistas. Passa-se da posição de economista para a posição de
banqueiro hoje muito facilmente.
*Como o senhor interpreta essas relações aparentemente ambíguas que o
banqueiro Dantas tinha, ao mesmo tempo, com o mercado financeiro
internacional e os fundos de pensão do Estado do qual fazem parte
sindicalistas? Acabou-se a velha contradição capital–trabalho?*
Luiz Werneck Vianna — Essa questão dos fundos previdenciários existe em toda
parte, não apenas no Brasil. E o controle disso tem sido em boa parte
corporativo. Quem mexeu com a questão e falou no surgimento de uma nova
classe foi o Francisco de Oliveira. Não sei se devemos concordar
inteiramente com o que ele diz, mas, pelo menos, é uma alusão importante. O
capital hoje tem uma outra forma de circular, e isso não ajuda o mundo
sindical a se reorganizar. O que vemos é um sindicalismo inteiramente
cooptado pelo Estado. Dantas jogou com as oportunidades que viu. Até agora,
as únicas coisas concretas pelas quais ele pode ser pego são o suborno ao
policial e seu problema com o Imposto de Renda. Esse é o capitalismo
operando. Daqui a pouco vão querer "prender" o capitalismo. E não creio que
isso esteja na intenção da Polícia Federal. O mal não está nessas figuras,
como se a sociedade fosse melhorar se nos livrássemos delas. Não vai
melhorar. A sociedade vai melhorar se organizando em torno das suas questões
centrais.
*O banqueiro Dantas estabeleceu uma rede de conexões políticas tecida ao
longo de três governos — Collor, FHC e Lula. Como entender o poder de Daniel
Dantas, sua capacidade de manipulação e envolvimento de tantas pessoas, de
diferentes governos, nessa malha de corrupção?*
Luiz Werneck Vianna — Era necessário que nessa rede público-privada
aparecessem personagens. Essa rede não podia se montar sem pessoas
concretas. Dantas foi uma. O ponto da privatização estabeleceu um caminho
para que esses homens encontrassem a sua oportunidade.
*O senhor considera que o caso Dantas ameaça o conceito de República, ou se
pode afirmar que efetivamente o Brasil nunca desfrutou do status de
República?*
Luiz Werneck Vianna — Não ameaça nada. Esse é um *affaire* midiático, com
cortinas de fumaça. Os piores instintos da sociedade estão sendo suscitados
com tudo isso. Vejo as primeiras fumacinhas de uma síndrome fascista entre
nós. E isso deve ser denunciado, combatido, e com política, com mais
política. O que constatamos, ao longo desse episódio, é que a política
recua. Está faltando sociedade organizada, reflexiva, e a política está
reduzida ao noticiário policial.
*Como o senhor analisa a postura do Supremo Tribunal Federal nesse caso?
Como interpreta o comportamento do ministro Gilmar Mendes?*
Luiz Werneck Vianna — Interpreto bem. O papel da Suprema Corte é defender a
Constituição, as liberdades individuais, e também não deixa de incorporar
essa preocupação com o testemunho do espetacular que essas operações
policiais manifestam. Uma outra questão vinculada a isso é a escuta
telefônica. Estamos indo para um estado policial? E a sociedade aprende a
apontar como culpado o "malvado" lá da ponta, responsável por todos os
males, que, caso preso e execrado, fará com que ela melhore. Num ano
eleitoral, tudo se discute, menos a política. Não podemos defender a idéia
de que um grande inquérito, um grande processo pode resolver as máculas da
nossa história, criar um novo tipo de um encaminhamento feliz para nós (e
isso é feito pela polícia, pelos grampos telefônicos, pela repressão!). Isso
não lembra a linguagem do regime militar, quando ele se impôs? De que o
grande inimigo é a corrupção? Só que agora tudo está sendo feito numa escala
nova, imensa, com um domínio total dos meios de comunicação. O próprio
Congresso se tornou uma ampla comissão parlamentar de inquérito, apurando,
investigando e não discutindo políticas e soluções para os problemas. Além
do mais, temos um grupamento novo na sociedade: a Polícia Federal é nova.
Ela foi extraída da classe média. Seu pessoal é concursado, bem formado, com
curso superior. Seus integrantes estão autonomizados a ir para as ruas com
esse sentimento messiânico, que aparece no relatório do delegado Protógenes,
de que a Polícia pode salvar o mundo.
*Qual é a sua opinião sobre o combate à corrupção no Brasil? Este episódio
recente abre a possibilidade de mudanças?*
Luiz Werneck Vianna — Nesse processo, a ordem racional legal avança, se
aprimora, se aperfeiçoa. No entanto, o que tento combater é uma visão
salvadora, justiceira, messiânica do papel policial para a erradicação dos
nossos males, como se não devesse haver nenhum impedimento entre a ação da
polícia e a sociedade, como se não devêssemos ter habeas corpus, como se as
pessoas pudessem ser presas, retiradas das suas casas nas primeiras horas da
manhã, algemadas, e tudo isso passando por câmeras de televisão... Não creio
que isso seja um indicador de democracia.
*Que tipo de sentimento esse episódio provoca na população brasileira?
Revolta, descrédito nas instituições?*
Luiz Werneck Vianna — Descrédito. E também aprofunda o fosso entre a
sociedade e a política, mantém a sociedade fragmentada, isolada, esperando
que a ação desses novos homens, dessas corporações novas, nos livre do mal.
Talvez eu tenha dado muita ênfase à dimensão negativa de tudo isso, mas
também vejo que esse processo pode ser corrigido se a ordem racional legal
for defendida por recursos democráticos, sem violência, com respeito às
leis, à dignidade da pessoa humana. É possível se avançar na ordem racional
legal, investigando a corrupção, prendendo seus responsáveis, mas sem que
isso assuma o caráter de escândalo, de espetáculo, no qual parece que temos
um agente de salvação em defesa da sociedade. Isso sim é perigoso .
quarta-feira, 30 de julho de 2008
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