segunda-feira, 7 de julho de 2008

A politização da Corte Suprema americana

O jornal O Valor Econômico publica na sua edição de 7 de julho de 2008 matéria importantissima a respeito do perfil político da Corte Suprema americana. Nesse contexto, destaca-se a intrepretação dos votos dados em recentes decisões sobre o porte de arma e pena de morte. É nesse quadro que os dois pretendentes presidenciais McCain e Barak Obama, se um deles for eleito, deverão pautar as escolhas para as futuras vagas na Corte Suprema. A leitura do artigo é uma reflexão crítica do que se tornou o tribunal superior dos Estados Unidos.


A arena política mais suprema


Quando a Suprema Corte dos Estados Unidos toma decisões importantes, despontam as discussões sobre as intenções dos criadores da Constituição e até que ponto seus propósitos deveriam servir de guia mais de 200 anos depois. Os responsáveis por esta Constituição miraculosamente durável desejariam tal debate. Não acho, contudo, que ficariam muito impressionados com muito mais do que teriam visto. Na verdade, estou certo de que ficariam consternados e até repugnados com o que a Corte se tornou.

A forma como lidou com o caso "Bush contra Gore", em 2000, marcou um perigoso mau momento, quer seja visto como um trabalho incompetente e negligente (como eu o vejo), ou como uma direta tomada de poder. Este, no entanto, não foi um caso isolado. Apesar das hábeis asseverações em contrário de seus membros, a Suprema Corte tornou-se um órgão intensamente político. É uma comissão de bacharéis em togas - partidários, não eleitos, selecionados por sua opção política e indicados de forma vitalícia. A corte é tão polarizada quanto as agências do governo que fiscaliza. Longe de estar aquém da política cotidiana e de defender a integridade do sistema, os juízes estão lá embaixo, na sujeira, trocando murros, descansando vez ou outra para limpar-se, emitir uma opinião e refletir sobre sua dignidade.

Muitos deploram este estado das coisas, embora deixem de ver que as críticas valem igualmente para ambas as facções beligerantes. São quatro liberais inabaláveis e quatro conservadores igualmente inabaláveis - "liberal" e "conservador" não em termos jurídicos, mas em termos de política corriqueira. Há, também, o nono juiz, Anthony Kennedy, cujo voto ambivalente com freqüência resolve a questão, como aconteceu em três importantes veredictos na semana passada. Em tempos assim, o juiz Kennedy torna-se a "Corte de Um Só", cuja palavra é lei, mais poderoso do que o presidente (a não ser que o próximo presidente faça novas indicações que alterem a política do tribunal por décadas).

Não importa o quanto neguem, os conservadores e liberais da corte são todos ativistas políticos quando lhes convêm. Os conservadores ocultam seu ativismo por trás de uma doutrina de moderação jurídica: quando desejam invalidar decisões de parlamentares eleitos, justificam o ato com uma leitura minuciosa da Constituição e considerações sobre os costumes dos EUA do Século XVIII. Os liberais não escondem tanto seu ativismo, dignificando-o sob a doutrina jurídica da evolução de costumes. Mas, curiosamente, isto também é prontamente invocado para impor-se sobre políticos - que precisam ser eleitos e, portanto, (supõe-se) têm maior contato com o desenvolvimento dos costumes do que os juízes.

Vejamos duas das decisões da semana passada. Em decisão por 5 votos a 4 - com o juiz Kennedy aderindo aos conservadores - a corte derrubou o veto de 32 anos a revólveres e pistolas no Distrito de Colúmbia. A segunda emenda, escreveu Antonin Scalia, no lado da maioria, era para ratificar o direito das pessoas como indivíduos (e não como membros de uma "milícia") para guardar e portar armas. Algumas restrições foram constitucionais, escreveu, mas não de forma a acabar com esse direito.

Obama ficou contra posições liberais e ao lado da maior parcela da opinião pública, ao apoiar decisão conservadora dos juízes da Suprema Corte

No dia anterior, também em decisão por 5 a 4 - o juiz Kennedy votando, desta vez, com os liberais - a corte derrubou a pena de morte na Louisiana pelo estupro de crianças. Há leis similares em cinco outros Estados, agora consideradas inconstitucionais. A corte julgou que a popular lei da Louisiana desafiava os "costumes em evolução da decência". (Seriam exatamente costumes de quem?).

Em ambos os casos, as exigências da Constituição estavam longe de serem claras e a corte ficou dividida, mas as decisões dos políticos eleitos foram rapidamente sobrepujadas, em um caso por uma pequena maioria conservadora, em outro por uma vantagem liberal idêntica. Ao ler as opiniões dissidentes e da maioria, achei impossível não chegar à conclusão de que as filosofias jurídicas antagonistas são uma cortina de fumaça. Esqueçam o originalismo e os evolução de costumes: conservadores contrários ao controle de armas ganharam o primeiro caso e liberais opositores da pena de morte, o segundo. Isso é tudo o que se precisa saber. Praticamente chegou-se a este ponto: para qualquer decisão, digam-me o que um blogueiro conservador desejaria e o que um blogueiro liberal desejaria e eu lhes direi o que oito dos nove juízes irão votar. Indo mais direto ao ponto, é exatamente isso o que a maioria dos eleitores vê: a Corte Suprema, na visão deles, fez de si mesma, simplesmente, mais uma arena política.

Curiosamente, Barack Obama e John McCain externaram basicamente a mesma opinião nas duas decisões: concordaram com a decisão sobre as armas e discordaram sobre a da pena de morte. Em outras palavras, ambos assumiram uma posição conservadora nas duas questões, mesmo com um deles sendo liberal. Pergunto-me o que Obama, um advogado de Direito Constitucional por formação, estava pensando.

Certamente foi um cálculo político, mas talvez (espero) não inteiramente. Em ambos os casos, ele ficou contra posições costumeiras liberais e ao lado do peso da maior parte da opinião pública - o que quer dizer, a favor do direito limitado à posse de armas e da pena de morte para os crimes mais repulsivos. É uma boa política. Seus comentários em ambos os casos sugeriram uma preferência, em decisões acirradas, por ceder à vontade de políticos eleitos - embora não no caso das armas, já que interpretou a segundo emenda como garantindo um direito individual (lado para o qual o consenso acadêmico-legal se transferiu).

A disposição de Obama a inclinar-se contra a preferência do partido e os sinais de uma preferência pelo pudor jurídico são encorajadores. Indicam que, se eleito, ele poderia indicar juízes sem inclinação a ativismo político - conservador ou liberal. Isso daria significado ao "pós-partidarismo". Seria bom para a democracia. E tornaria Obama um melhor advogado de defesa da posição da corte no país do que os próprios juízes.

Um comentário:

Farlei Martins Riccio disse...

A reportagem pode ser complementada com o nosso post anterior: Casos que dividiram a Suprema Corte norte-americana no período 2007-2008 em http://supremoemdebate.blogspot.com/2008/06/casos-que-dividiram-suprema-corte-norte.html