quinta-feira, 31 de julho de 2008

Cotejando os procedimentos e crítérios para as indicações para a Corte Suprema americana e o nosso Supremo Tribunal Federal

O Professor Francisco Cunha Silva Neto envia para ser postada a matéria do Professor norte-americano Eric Lockwood editada eletrônicamente no Consultor Jurídico de 30 de junho de 2008. Trata-se de uma perspectiva bem objetiva a respeito de subsídios para comparar a indicação para Corte Suprema americana com as do nosso Supremo Tribunal Federal Americano.
*Entrevista - Eric Lockwood*
Eric Lockwood é da cidade norte-americana de Boston. Formou-se em ciências
políticas pela Cornell University, e se especializou em direito pela Boston
College. É advogado licenciado no Estado de Massachusetts. Trabalhou em
Boston como advogado de imigração, lidando com vários tipos de processos,
incluindo a concessão de asilo político, e em 2005 fez estágio no Tribunal
Penal Internacional da ex-Iugoslávia, em Haia, na Holanda. Nestes últimos
meses está no Brasil, e tem atuado como voluntário na Conectas Direitos
Humanos, ajudando a pesquisar a jurisprudência do sistema inter-americano e
de outras cortes internacionais.
Confira, a seguir, a entrevista que ele concedeu ao *Direito Público e
Cultura Jurídica*.
*As regras para a nomeação dos juízes da corte suprema são assemelhadas no
Brasil e nos Estados Unidos, cujas constituições prevêem a indicação do
candidato pelo Presidente e o consentimento do Senado. Aqui, no entanto, a
participação da sociedade civil parece ser menos intensa do que nos Estados
Unidos. Como é a experiência norte-americana de participação da sociedade
civil no processo de nomeação dos candidatos à Suprema Corte?*
*Eric F. Lockwood* - Nos Estados Unidos, a sociedade civil está participando
cada vez mais vigorosamente no processo de indicação dos candidatos. Quando
o juiz Robert Bork foi indicado em 1987 pelo Presidente Reagan, houve a
participação de mais de 400 grupos da sociedade civil. Antigamente, os
grupos da sociedade civil concentravam o seu *lobby* nos poderes legislativo
e executivo. Quando se viu que a Suprema Corte estava influenciando a
política em certas áreas e afetando diretamente os seus objetivos, estes
grupos começaram a ser mais ativos. Por exemplo, os grupos contra-aborto se
mobilizaram depois da decisão *Roe v. Wade*, que legalizou o aborto em todo
o território nacional. A mídia é parcialmente responsável pelo aumento na
atuação dos grupos de interesse. Ao cobrir todos os aspectos da indicação
tão intensamente, incluindo o envolvimento de grupos da sociedade civil, os
meios de comunicação acabam transmitindo a impressão que estes grupos detêm
o poder de influenciar o processo. Essa percepção tem o efeito de atrair
novos membros e apoio financeiro, o que fortalece estes grupos e garante o
seu espaço no debate sobre futuras indicações.
*Neste momento, a sociedade brasileira vem discutindo se o modelo adotado
para a escolha de juízes do STF compromete a autonomia do judiciário perante
o executivo. Na experiência norte-americana, pode-se dizer que os justices
tendem a votar favoravelmente aos interesses do grupo que os indicou?*
*Eric F. Lockwood* - Não necessariamente. Na verdade, há vários momentos na
história da Suprema Corte americana onde os juízes mostram uma fidelidade
maior à Constituição do que ao presidente que os indicou. O Presidente
Truman até chegou a comentar que um amigo, no dia em que chega a ser
confirmado à Suprema Corte, pára de ser amigo. Um dos exemplos mais fortes
dessa independência judiciária seria o caso do Presidente Nixon. Três juízes
da Suprema Corte, todos indicados pelo Presidente Nixon, votaram contra ele
no caso *U.S. v. Nixon* em 1974, sobre o escândalo Watergate, forçando-o a
renunciar. Vale frisar também que nessas últimas décadas, o Senado, quando
vê que há uma amizade muito forte entre o presidente e o indicado, duvida
mais da capacidade do indicado a exercer sua função judiciária com
imparcialidade. Um exemplo é o caso da Harriet Miers, indicada pelo atual
Presidente Bush e que acabou desistindo da indicação (mas que também foi
criticada por outros motivos).
*A Constituição brasileira estabelece que os candidatos a juiz do STF devem
possuir "notável saber jurídico e reputação ilibada". Seria pertinente a
fixação de outros parâmetros, com a intenção de delimitar um perfil para
juiz de uma corte suprema? O que é mais importante: o perfil do candidato ou
o processo de escolha?*
*Eric F. Lockwood* - Se o processo de escolha for bem estruturado, creio que
só chegarão à Suprema Corte juízes de grande mérito e integridade. Eu
acredito mais num processo inteligente do que em um processo que tenta
estabelecer muitos parâmetros, que podem acabar sendo arbitrários e
limitantes. Nos Estados Unidos, a Constituição não diz absolutamente nada a
respeito das características que um juiz da Suprema Corte deve possuir. É
notável que a Constituição americana fixe parâmetros para outros cargos – de
senador, deputado e presidente – mas não menciona nada a respeito das
qualidades que um juiz da Suprema Corte deveria ter. Acredito que estes
critérios de "notável saber jurídico e reputação ilibada" já estejam
embutidos na forma como o Senado americano avalia os indicados. Pode-se
dizer que à Harriet Miers, indicada pelo presidente Bush em 2005, faltava um
notável saber jurídico – ela tinha um domínio muito fraco de direito
constitucional – e esta foi uma das razões pelas quais ela acabou desistindo
da indicação. O juiz Douglas Ginsburg, indicado pelo Presidente Reagan em
1987, também acabou tendo que desistir da indicação, porque foi descoberto
que ele tinha usado drogas enquanto professor em Harvard. Ou seja, o Senado
estava prestes a recusá-lo por haver uma falta de reputação ilibada.

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