quarta-feira, 30 de julho de 2008

A súmula vinculante obliqua

O Professor Francisco Cunha envia para ser postada matéria circulada pelo "Jus Navegandi" com severas críticas contra resolução recente do STJ instituindo a súmula para disciplinar recursos repetitivos.
*STJ: a súmula vinculante por via oblíqua*

*Carlos Alberto Etcheverry*
desembargador integrante da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, mestre em Direito
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O ministro Humberto Gomes de Barros, presidente do Superior
Tribunal de Justiça, editou no dia 14 deste mês a Resolução nº7/2008, que
regulamenta o processamento e julgamento de processos repetitivos, tendo em
vista a recente modificação do Código de Processo Civil pela Lei
nº11.672/2008.
Este último diploma legal, como se sabe, criou possibilidade de,
quando houver multiplicidade de recursos especiais envolvendo a mesma
matéria de direito, ser feita a apreciação de apenas um espécime, cuja
decisão deverá fundamentar a negativa de seguimento dos demais recursos, se
contrariarem a orientação firmada pelo STJ, com retorno dos autos ao órgão
fracionário que prolatou o acórdão para manter ou reconsiderar o que
decidira anteriormente.
O regulamento em questão, entretanto, fez mais do que
disciplinar o processamento e julgamento dos recursos repetitivos no STJ,
pois invadiu a esfera de competência dos tribunais de segunda instância e do
Poder Legislativo, uma vez que:
a) atribui ao presidente dos tribunais de segunda instância a
faculdade de suspender o andamento de recursos ainda não julgados e de
processos no primeiro grau de jurisdição (art. 1º, §§ 3º e 4º), o que a lei
não prevê;
b) determina que os órgãos fracionários reconsiderem suas
decisões, se contrariarem a posição firmada pelo STJ, o que contraria
disposição expressa da lei regulamentada, que faculta a manutenção do
julgado (art. 10, II);
c) determina que os "*processos suspensos em primeiro grau de
jurisdição serão decididos de acordo com a orientação firmada pelo Superior
Tribunal de Justiça" *(art. 12), o que também não é previsto na lei
regulamentada.
Ou seja, com uma penada o Ministro Humberto Gomes de Barros
contrariou de forma flagrante:
a) o art. 96, I, "a" da Constituição Federal, que atribui aos
tribunais, *privativamente*, a competência para elaborar seus regimentos
internos e dispor sobre a competência e funcionamento de seus órgãos
jurisdicionais;
b) o art. 44 da Constituição Federal, pois usurpou função -
legislar - que é privativa do Poder Legislativo;
c) o princípio constitucional da independência do juiz, que
deflui da regulamentação constitucional da separação dos poderes e das
garantias asseguradas à magistratura, cuja única exceção é a da súmula
vinculante do Supremo Tribunal Federal.
A resolução nº7/2008, assim, caracteriza-se como o mais violento
atentado ao Estado Democrático de Direito desde a Revolução de 1964. E o
mais chocante também, considerando-se que foi praticado pelo presidente de
um tribunal superior e não por um general qualquer durante um regime de
exceção.
Será que tão cristalina inconstitucionalidade terá passado
despercebida do eminente ministro? E esta não é a única pergunta que vem à
mente: o que autorizou o ministro Humberto Gomes de Barros a supor que
poderia agir como agiu sem encontrar resistência no próprio STJ, nos
tribunais inferiores, na magistratura de primeiro grau e na própria
sociedade civil? A pergunta que faço, no que diz respeito aos primeiros,
parte do pressuposto, naturalmente, de que seus presidentes desconheciam o
que estava sendo gestado. Admitir que conheciam e concordaram implica um
grau alarmante de subserviência e falta de dignidade, para dizer o mínimo.
Uma resistência não menor, é de se imaginar, será encontrada
também no Poder Legislativo. O que a resolução sob exame concretiza, de
fato, é a súmula vinculante do STJ, ainda que canhestramente travestida de
"regulamentação" do processamento e julgamento de processos repetitivos.
Implantar a súmula vinculante de forma oblíqua, entretanto, equivale a
passar uma rasteira no Poder Legislativo, por melhores que sejam as
intenções, o que é inadmissível no Estado Democrático de Direito.
De qualquer forma, é conveniente lembrar - considerando-se a
hipótese de a resolução nº7/2008 vir a ser referendada pelos pares do seu
autor - que a legitimidade de qualquer instituição social, em particular de
um órgão como o STJ, não advém apenas da legalidade da forma de investidura
de seus integrantes ou da força de que dispõe para ser obedecida, mas também
do consentimento dos cidadãos, resultante do reconhecimento de que o poder
exercido pela instituição foi obtido de forma legítima e atende ao interesse
da coletividade. Se é assim, que legitimidade se poderia atribuir a súmulas
vinculantes cuja edição resultou de uma competência obtida de forma espúria?

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