quinta-feira, 10 de julho de 2008

Medida Cautelar em HC nº 95.009-4 SP - o Caso Daniel Dantas

Na Medida Cautelar em "Habeas Corpus nº 95.009-4 São Paulo" tendo como relator o Ministro Eros Grau apresentava um carater preventivo como garantia de salvo conduto. Pedido este que resultava de indícios de movimentação investigativa da Polícia Federal em relação ao Sr. Daniel Dantas conforme revelava uma reportagem da Folha de São Paulo. O paciente perdeu em todas as instâncias a obtenção desse "Habeas Corpus" preventivo inclusvie obviamente no Superior Tribunal de Justiça. Assim, viu-se obrigado apelar para o Supremo Tribunal Federal. Na parte de sua decisão a favor da concessão do citado "Habeas Corpus", o Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ministro Gilmar Ferreira Mendes, reconhece. reiterando mais uma vez além do afirmado no histórico da concessão, que o preventivo se transformou em "libertário". A principal fundamentação do pedido de "Habeas Corpus", e essa é uma reiterada por várias vezes pelo atual Presidente de nossa Corte Maior no sentido de que não se pode autorizar prisão preventiva apenas para carater de oitiva (é a mesma argumentação usada na prisão preventiva dos envolvidos na operação Furacão). No sentido de que o nosso blog possa ser um instrumento de informação e reflexão, postamos a fundamentação teórica do referido "Habeas Corpus" lastreada em Martin Kriele (jurista constante nos julgados do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, principalmente na definição de Estado Constitucional ou Estado Juiz), Claus Roxin (diferenciando estado totalitário e democracia) e, por fim, Noberto Bobbio. A título de adensamento do debate, ressalte-se na postagem do citado "Habeas Corpus" a passagem de Kriele de que o Estado territorial deve ser mais forte que qualquer força social (empresas e sindicatos, por exemplo) e outorgar proteção aos mais fracos (minorias étnicas, à oposição, artisitas e intelectuais). Além desse ponto a merecer destaque para nós na argumentação do Sr. Daniel Dantas e outros envolvidos no grupo financeiro Opportunity, a postagem abaixo traz, também, a própria decisão de concessão da medida requerida.
"Como observa Martin Kriele, o Estado territorial
moderno arrosta um dilema quase insolúvel: de um lado, há
de ser mais poderoso que todas as demais forças sociais do
país – por exemplo, empresas e sindicatos –, por outro,
deve outorgar proteção segura ao mais fraco: à oposição,
aos artistas, aos intelectuais, às minorias étnicas (Cf.
KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado -
Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado
Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin.
Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150).
O estado absolutista e os modelos construídos
segundo esse sistema (ditaduras militares, estados
fascistas, os sistemas do chamado “centralismo
democrático”) não se mostram aptos a resolver essa questão.
Segundo ressalta Kriele:
“(...) A Inglaterra garantiu os direitos
humanos sem necessidade de uma constituição
escrita. Por outro lado, um catálogo
constitucional de direitos fundamentais é
perfeitamente compatível com o absolutismo,
com a ditadura e com o totalitarismo.
Assim, por exemplo, o art. 127 da
Constituição soviética de 1936 garante a
`inviolabilidade da pessoa´. Isso não
impediu que o terror stalinista tivesse
alcançado em 1937 seu ponto culminante. A
constituição não pode impedir o terror,
quando está subordinada ao princípio de
soberania, em vez de garantir as condições
institucionais da rule of law. O mencionado
artigo da Constituição da União Soviética
diz, mas adiante, que `a detenção requer o
consentimento do fiscal do Estado´. Esta
fórmula não é uma cláusula de defesa, mas
tão-somente uma autorização ao fiscal do
Estado para proceder à detenção. Os fiscais
foram nomeados conforme o critério político
e realizaram ajustes ao princípio da
oportunidade política, e, para maior
legitimidade, estavam obrigados a respeitar
as instruções. Todos os aspectos do
princípio de habeas corpus ficaram de lado,
tais como as condições legais estritas para
a procedência da detenção, a competência
decisória de juízes legais independentes, o
direito ao interrogatório por parte do juiz
dentro de prazo razoável, etc. Nestas
condições, a proclamação da
`inviolabilidade da pessoa´ não tinha
nenhuma importância prática. Os direitos
humanos aparentes não constituem uma defesa
contra o Arquipélago Gulag; ao contrário,
servem para uma legitimação velada do
princípio da soberania: o Estado tem o
total poder de disposição sobre os homens,
mas isto em nome dos direitos humanos.
(Kriele, Martín. Introducción a la Teoría del
Estado. cit., p. 160-161)
A solução do dilema – diz Kriele – consiste no
fato de que o Estado incorpora, em certo sentido, a defesa
dos direitos humanos em seu próprio poder, ao definir-se o
poder do Estado como o poder defensor dos direitos humanos.
Todavia, adverte Kriele, “sem divisão de poderes e em
especial sem independência judicial isto não passará de uma
declaração de intenções”. É que, explicita Kriele, “os
direitos humanos somente podem ser realizados quando
limitam o poder do Estado, quando o poder estatal está
baseado na entrada em uma ordem jurídica que inclui a
defesa dos direitos humanos”. (KRIELE, Martín. Introducción a
la Teoría del Estado, cit. p.150)
Nessa linha ainda expressiva a conclusão de
Kriele:
“Os direitos humanos estabelecem
condições e limites àqueles que têm
competência de criar e modificar o direito
e negam o poder de violar o direito.
Certamente, todos os direitos não podem
fazer nada contra um poder fático, a
potestas desnuda, como tampouco nada pode
fazer a moral face ao cinismo. Os direitos
somente têm efeito frente a outros
direitos, os direitos humanos somente em
face a um poder jurídico, isto é, em face a
competências cuja origem jurídica e cujo
status jurídico seja respeitado pelo
titular da competência.
Esta é a razão profunda por que os
direitos humanos somente podem funcionar em
um Estado constitucional. Para a eficácia
dos direitos humanos a independência
judicial é mais importante do que o
catálogo de direitos fundamentais contidos
na Constituição (g.n)”. KRIELE, Martín.
Introducción a la Teoría del Estado, cit.
p. 159-160.
Tem-se, assim, em rápidas linhas, o significado
que os direitos fundamentais e, especialmente os direitos
fundamentais de caráter processual, assumem para a ordem
constitucional como um todo.
Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos
fundamentais de caráter processual – aqui merece destaque a
proteção judicial efetiva – que permite distinguir o Estado
de Direito do Estado Policial!
Não se pode perder de vista que a boa aplicação
dessas garantias configura elemento essencial de realização
do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. Como
amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa
humana impede que o homem seja convertido em objeto dos
processos estatais. (Cf. MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz
Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck , 1990, 1I
18)
Na mesma linha, entende Norberto Bobbio que a
proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é
justamente o que diferencia um regime democrático daquele
de índole totalitária:
“A diferença fundamental entre as duas
formas antitéticas de regime político,
entre a democracia e a ditadura, está no
fato de que somente num regime democrático
as relações de mera força que subsistem, e
não podem deixar de subsistir onde não
existe Estado ou existe um Estado despótico
fundado sobre o direito do mais forte, são
transformadas em relações de direito, ou
seja, em relações reguladas por normas
gerais, certas e constantes, e, o que mais
conta, preestabelecidas, de tal forma que
não podem valer nunca retroativamente. A
conseqüência principal dessa transformação
é que nas relações entre cidadãos e Estado,
ou entre cidadãos entre si, o direito de
guerra fundado sobre a autotutela e sobre a
máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído
pelo direito de paz fundado sobre a
heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem
tem razão’; e o direito público externo,
que se rege pela supremacia da força, é
substituído pelo direito público interno,
inspirado no princípio da ‘supremacia da
lei’ (rule of law).” (BOBBIO, Norberto. As
Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98)
Em verdade, tal como ensina o notável mestre
italiano, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é
que permite avaliar a real observância dos elementos
materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de
barbárie.
Nesse sentido, forte nas lições de Claus Roxin,
também compreendo que a diferença entre um Estado
totalitário e um Estado (Democrático) de Direito reside na
forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase
dada à eficácia do instrumento processual penal da prisão
provisória. Registrem-se as palavras do professor Roxin:
"Entre as medidas que asseguram o
procedimento penal, a prisão preventiva é
a ingerência mais grave na liberdade
individual; por outra parte, ela é
indispensável em alguns casos para uma
administração da justiça penal eficiente.
A ordem interna de um Estado se revela no
modo em que está regulada essa situação de
conflito; os Estados totalitários, sob a
antítese errônea Estado-cidadão,
exagerarão facilmente a importância do
interesse estatal na realização, o mais
eficaz possível, do procedimento penal.
Num Estado de Direito, por outro lado, a
regulação dessa situação de conflito não é
determinada através da antítese Estadocidadão;
o Estado mesmo está obrigado por
ambos os fins: assegurar a ordem por meio
da persecução penal e proteção da esfera
de liberdade do cidadão.Com isso, o
princípio constitucional da
proporcionalidade exige restringir a
medida e os limites da prisão preventiva
ao estritamente necessário." (ROXIN, Claus.
Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores
del Puerto; 2000, p. 258)
Nessa linha, sustenta Roxin que o direito
processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez
que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental.
(Cf.ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal, cit., p.10).
A prisão provisória é medida excepcional que,
exatamente por isso, demanda a explicitação de fundamentos
consistentes e individualizados com relação a cada um dos
cidadãos investigados (CF, art.93,IX e art. 5o, XLVI).
A idéia do Estado de Direito também imputa ao
Poder Judiciário o papel de garante dos direitos
fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita
cautela para que esse instrumento excepcional de constrição
da liberdade não seja utilizado como pretexto para a
massificação de prisões provisórias.
Na ordem constitucional pátria, os direitos
fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF,
art. 5o, §1o).
A realização dessas prerrogativas não pode nem
deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que
conduzem investigação de caráter criminal.
Em nosso Estado de Direito, a prisão provisória é
uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser
utilizada como meio generalizado de limitação das
liberdades dos cidadãos.
No caso concreto, visualiza-se que a manutenção
da prisão temporária tem por escopo a premissa de que a
custódia dos pacientes será imprescindível para a
regularidade dos trabalhos investigatórios, assim como para
a imediata colheita de seus depoimentos.
Resulta claro que a prisão temporária há que ser
embasada em decisão judicial devidamente fundamentada nas
hipóteses previstas no art. 1º da Lei n° 7.960/89.
Como se observa, o provimento cautelar vincula-se
à demonstração prévia de seus pressupostos, quais sejam, a
plausibilidade do direito subjetivo invocado e a urgência
da pretensão cautelar.
Abre-se, portanto, a esta Corte, a via para o
deferimento da medida liminar reparadora do estado de
constrangimento ilegal causado pelas decisões das
instâncias inferiores, ainda que essas tenham sido
proferidas monocraticamente (não conhecimento da causa ou
indeferimento de liminar, casos em que se possibilita o
afastamento da Súmula no 691 do STF).
Logo, vislumbro patente situação de
constrangimento ilegal apta a afastar a aplicação da Súmula
no 691/STF para admitir o cabimento deste pedido, nos
termos dos precedentes firmados por esta Corte (cf. HC no
85.463/RJ, Rel. Carlos Britto, 1ª Turma, unânime, DJ de
10.2.2006; HC no 84.345/PR, Rel. Joaquim Barbosa, 2ª Turma,
unânime, DJ de 24.3.2006; e HC no 87.353/ES, de minha
relatoria, 2ª Turma, unânime, julgado em 7.11.2006).
Pelo exposto, conclui-se:
a) o conhecimento do pedido de liberdade por esta
Corte se mostra possível em virtude da conversão da
natureza do presente writ, de preventivo para liberatório;
b) não há fundamentos suficientes que justifiquem
o decreto de prisão temporária dos pacientes, seja por ser
desnecessário o encarceramento para imediato
interrogatório, seja por nada justificar a providência para
fins de confronto com provas colhidas;
c) ainda que tais fundamentos fossem suficientes,
o tempo decorrido desde a deflagração da operação policial
indica a desnecessidade da manutenção da custódia
temporária para garantir a preservação dos elementos
probatórios.
Nesses termos, defiro o pedido de medida liminar
para que sejam suspensos os efeitos do decreto de prisão
temporária expedido pelo Juízo da 6ª Vara Criminal Federal
da Seção Judiciária de São Paulo nos autos dos processos
nºs. 2007.61.81.001285-2; 2008.61.81.008936-1; e
2008.61.81.008919-1, no que se refere aos pacientes e às
demais pessoas arroladas no pedido de extensão
protocolizado nesta Corte sob nº 97.672.
Deixo, porém, de analisar a possibilidade de
extensão pretendida na referida petição para Maria Alice
Carvalho Dantas e Humberto José Rocha Braz, por não estarem
abrangidos pelo decreto de prisão temporária.
Expeçam-se os alvarás de soltura em favor de:
1) Daniel Valente Dantas;
2) Verônica Valente Dantas;
3) Daniele Silbergleid Ninnio;
4) Arthur Joaquim de Carvalho;
5) Carlos Bernardo Torres Rodenburg;
6) Eduardo Penido Monteiro;
7) Dório Ferman;
8) Itamar Benigno Filho;
9) Norberto Aguiar Tomaz;
10) Maria Amália Delfim de Melo Coutrin;
11) Rodrigo Bhering de Andrade.
Comunique-se com urgência.
Junte-se aos autos a Petição n° 97672/2008.
Após, abra-se vista dos autos ao Procurador-Geral
da República (RI/STF, art. 192).
Brasília, 9 de julho de 2008.
Ministro GILMAR MENDES
Presidente
(art. 13, VIII, RI-STF"

3 comentários:

Prof. Ribas disse...

Gostaria de responder o comentário podesses dois últimos anos. Outro ângulo que é interessante perceber como no início do século XX tivemos a teoria do alargamento do Habeas Corpus e como agora estamos vivenciando ao contrário. A primeira legitimou o STF e a outra como experimentada nessas últimas horas está deslegitimando o papel do STF como protogonista de certas pautas políticas da sociedade brasileirastado de Anderson a respeito da crise institucional vivenciado pelo Poder Judiciário. É importante que procuremos "desfuncionalizar" a citada crise. Vejo a crise por dois ângulos. Um como uma consquência natural de todo esse processo de judicialização da política (notadamente nos anos 90 do século passado tendo como atores os juízes federais de primeira instância) e agora o ativismo jurisdicional do STF .

Prof. Ribas disse...

Gostaria de responder ao comentário postado por Anderson. Devemos "desfulanizar" a crise institucional vivenciada pelo Poder Judiciário nessa semana. Ela é o resultado da judicialização da política dos anos 90 do século passado na qual o papel dos juízes de primeira instância foi fortalecido e, também, do ativismo judicial experimentado notadamente nesses dois últimos anos pelo STF. Cabe ressaltar, ainda, que temos de ver a crise por dois ângulos. Um que, no início do século XX, houve a teoria do alargamento do Habeas Corpus. Teoria esta que legitimou o papel político do STF naquele período. Outro ângulo que estamos passando por uma nova teoria do alargamento do Habeas Corpus. Mas, nesse contexto, corremos risco de deslegitimar o protagonismo político do STF conquistado perante a sociedade brasileira.

Anônimo disse...

Caro Prof. Ribas,

Talvez fosse o caso mesmo de deslegitimar o protagonismo político do STF.

Que protagonismo deve ter um tribunal que somente se refere a si mesmo como "Suprema Corte", em evidente macaquiamento da Suprema Corte Norte-Americana?

Penso que - e trata-se de modesta colocação - que talvez fosse interessante fulanizar a crise no sentido de compreender como o fulano Gilmar Mendes ingressou no STF (e não me refiro a partido X ou Y, "tão distantes mas tão próximos").
Talvez a partir desse fulano cheguemos a algum lugar interessante.

Abraços!