terça-feira, 22 de setembro de 2009

Os limites constitucionais e o terrorismo

Prof Farlei Martins Ucam e doutorando de direito da Puc-rio envia a seguinte matéria:




Deutsche Welle
21.09.2009
Políticos alemães divergem quanto a limites constitucionais do combate ao
terrorismo

Até que ponto os métodos de prevenção e de combate ao terrorismo comprometem
os direitos do cidadão? A segurança interna é um tema polêmico na Alemanha e
ponto crítico na campanha eleitoral.

A segurança interna de um país é um âmbito complexo, que envolve desde
criminalidade no cotidiano até atentados terroristas, passando por questões
como tráfico humano e operações militares no exterior. Afinal, pelo menos
desde que o antigo ministro da Defesa Peter Struck declarou que "a segurança
da Alemanha também pode ser defendida no Hindu Kush [Afeganistão]", as
fronteiras também se tornaram indefiníveis do ponto de vista semântico.

Durante os quatro anos da legislatura que se encerra este ano na Alemanha, o
governo democrata-cristão e social-democrata seguiu a política de segurança
interna definida no acordo de coalizão selado em 2005. "Diante da ameaça do
terrorismo internacional, segurança interna e externa estão cada vez mais
estreitamente ligadas", ressalta o documento.

Alemanha na mira do terrorismo?

Na última sessão do Parlamento alemão antes das eleições parlamentares de 27
de setembro, a premiê Angela Merkel lembrou do que ocasionou o
estabelecimento de uma nova ordem de segurança: os atentados de terroristas
islâmicos ocorridos nos Estados Unidos no dia 11 de setembro de 2001. Merkel
também lembrou que o 11 de Setembro foi sucedido por outros atos de terror
avassaladores – inclusive na Europa, em Madri e em Londres.

"A Alemanha também está na mira dos terroristas, como sabemos", advertiu a
premiê. Isso porque o país participa da intervenção da Otan no Afeganistão,
onde tem milhares de soldados estacionados. Na internet, por exemplo,
aumenta o número de vídeos em que extremistas islâmicos ameaçam cometer
atentados na Alemanha. Até agora o país foi poupado: em parte, por sorte; em
parte, em decorrência da atuação dos órgãos de segurança.

No entanto, as autoridades não podem garantir cem por cento de segurança,
advertiu Merkel. "Não se pode acusar o Estado de não ter tentado tudo para
garantir a segurança das cidadãs e dos cidadãos", declarou a premiê ao
Bundestag, câmara baixa do Parlamento.

Defesa da Constituição vigia abusos no combate ao terrorismo

Para dar conta das ameaças existentes ou apenas supostas, o governo lançou
inúmeras leis. Uma delas permite que o Departamento Federal de Investigações
atue de forma preventiva. Além disso, o Estado estava para adquirir o
direito de acessar computadores pessoais através da internet, uma
determinação que – no entanto – pôde ser bloqueada por acusações de
inconstitucionalidade.

Houve outro caso em que o Tribunal Constitucional Federal aceitou as ações
movidas contra o governo, ao rejeitar uma lei que concederia às forças de
segurança o direito de abrir fogo contra aviões de passageiros sequestrados.
Afinal, isso comprometeria a dignidade humana, além de representar um grande
risco de se matarem inocentes.

Outra medida polêmica é a centralização dos dados digitais arquivados para o
combate ao terrorismo. Esse arquivo central contém todas as informações
coletadas por autoridades policiais, órgãos de proteção à Constituição,
outros serviços secretos federais e instituições dos 16 estados federados
alemães.

A ideia de um arquivo central é facilitar a identificação de suspeitos de
terrorismo, como – por exemplo – os que depositaram malas-bomba em trens na
cidade de Colônia há três anos, que por sorte não detonaram.

O ex-presidente do Serviço Federal de Informações (BND) e atual
vice-ministro do Interior, August Hanning, defende a medida: "Não podemos
vigiar o transporte ferroviário da mesma forma que o tráfico aéreo. Por isso
é tão importante conseguir de antemão as informações necessárias. Por isso
um arquivo antiterrorismo é tão importante".

Solapamento do Estado de direito

Opositores da centralização do arquivamento, como a copresidente do Partido
Verde Claudia Roth, denunciam que isso compromete a separação – prevista por
lei – entre serviço secreto e polícia no âmbito da persecução penal. "Temos
que manter e respeitar esse limite com toda clareza, senão estaremos minando
o Estado de direito", justificou Roth.

Uma outra medida da política de combate ao terrorismo é o chamado registro
de reserva. Isso significa que todo o fluxo de informação via telefone e
internet fica arquivado durante seis meses na Alemanha. Essa lei também
acabou sendo amplamente restrita pelo Tribunal Constitucional Federal.

Além disso, contou com a forte resistência de políticos liberais. Max
Stadler, especialista de política interna do Partido Liberal no Parlamento,
explicita: "Trata-se de dados de pessoas completamente inocentes. Isso é uma
novidade, pois anteriormente o Estado só podia intervir na esfera privada se
houvesse suspeitas concretas".

Outros pontos polêmicos da política de segurança são ameaças penais de envio
de suspeitos para os chamados acampamentos de terroristas, o registro de
dados biométricos em documentos de identidade ou a reintrodução – em maio
passado – da regra referente à testemunha principal, que permite reduzir sob
certas condições a pena de criminosos coniventes que depuserem contra outros
réus.

Para o encarregado de proteção de dados eleito pelo Parlamento, Peter
Schaar, muitas regulamentações vão longe demais. Ele exige uma revisão
geral, a fim de questionar as vantagens e o grau de eficiência das novas
leis, bem como o alcance da intromissão na esfera privada.

Adoção de direito penal bélico, inspirado nos EUA?

Um dos mais conhecidos opositores da política de segurança da coalizão de
governo alemão é o ex-ministro do Interior Gerhart Baum (77). Baum exerceu o
Ministério no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, durante o auge do
terrorismo de extrema esquerda da Fração do Exército Vermelho (RAF) na
Alemanha.

O democrata liberal se preocupa com a substância do Estado de direito e
considera inaceitável que sequer se discuta o uso da tortura como método de
investigação ou a manutenção de presídios ilegais pelos EUA. "De repente o
criminoso se torna um inimigo contra o qual se usam meios bélicos. Essa foi
também a filosofia dos americanos, estabelecer uma espécie de direito penal
para inimigos, algo que infelizmente volta a encontrar defensores na teoria
geral alemã do Estado".

O político liberal de esquerda acabou de publicar um livro cujo título é um
apelo: Salvem os direitos fundamentais – liberdade civil versus delírio de
segurança. É entre esses extremos que oscila a política de segurança interna
da Alemanha.

Autor: Marcel Fürstenau (sl)
Revisão: Augusto Valente

Um comentário:

Guilherme Costa disse...

É muito pertinente a remissão à polêmica teoria do Direito Penal do Inimigo. Em certo sentido, a suposta paranóia institucional erigida no ambiente alemão é a mesma que aqui também, por vezes, se faz presente diante das dificuldades de se conter a criminalidade nas grandes cidades.

Na opinião dos criminólogos contemporâneos, mergulhar fundo em um sistema punitivo dual (aquele que se divide em "para os cidadãos" e "para os não cidadãos") é ingressar em um ciclo vicioso no qual a violência acarreta mais violência.