domingo, 6 de setembro de 2009

O STF e o caso Battisti

Folha de São Paulo de 06 de setembro de 2009

STF decide nesta quarta se irá julgar extradição de Battisti
Tendência é que ministros julguem questão, contrariando entendimento de que concessão de refúgio encerra processo

Refúgio foi concedido pelo ministro Tarso Genro (Justiça); governo da Itália entrou com mandado no Supremo questionando ato

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidirá nesta quarta-feira se julgará ou não o pedido de extradição do ex-militante da extrema-esquerda italiana e hoje refugiado Cesare Battisti. A tendência, segundo a Folha apurou, é que, em placar apertado, os ministros enfrentem o mérito da questão, o que vai contra entendimento recentemente firmado pela Corte.
Conforme a lei em vigor, a concessão de refúgio impede o seguimento do processo. Foi essa a interpretação dada pela Corte ao julgar constitucional o artigo 33 do Estatuto dos Refugiados, em março de 2007, quando apreciou o pedido de extradição do ex-militante das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) Olivério Medina, que também havia conseguido refúgio no Brasil.
A análise do artigo foi determinada por nove votos contra um. Foi vencido o ministro Gilmar Mendes, relator do caso e hoje presidente do Supremo. Para ele, o dispositivo viola a independência entre os Poderes e retira do STF a competência de apreciar extradições.
Não fosse uma peculiaridade, Battisti, preso em 2007, teria usado o precedente de Medina e estaria em liberdade: seu refúgio, inicialmente negado pelo Conare (Conselho Nacional de Refugiados), foi concedido em grau de recurso pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, gerando conflito internacional.
O ministro considerou haver "fundado temor de perseguição política" de Battisti em relação ao Estado italiano, no qual, em 1993, ele foi condenado à prisão perpétua pelo envolvimento em quatro assassinatos. Os crimes ocorreram nos anos 70, quando Battisti militava no PAC (Proletários Armados pelo Comunismo).
Em tese jurídica tanto inovadora quanto polêmica, o advogado Nabor Bulhões, representante da Itália, entrou com mandado de segurança para questionar o ato do ministro.
Argumenta não haver fundamento para a alegação de perseguição e que um ato administrativo não pode nascer blindado da análise do Judiciário.

Constrangimento
Como questão preliminar à extradição de Battisti, Bulhões tecnicamente obrigou o STF a apreciar a decisão do ministro Tarso Genro. Mas a Corte não precisará rever sua posição sobre o Estatuto dos Refugiados.
Para questionar a validade do ato executivo é possível, por exemplo, argumentar que a perseguição não foi comprovada, que se trata de crime comum, em que a lei veda refúgio.
Outro caminho seria entender a situação de Battisti como de asilado político e não de refugiado. Ambas as figuras impedem a entrega de um nacional ao país onde corre risco de perseguição.
O asilo tem amparo constitucional, passa ao largo das exigências do Estatuto dos Refugiados e certamente será levantada no julgamento.
Inédito de verdade seria argumentar que os fatos alegados para a concessão do refúgio não foram os mesmos que sustentaram o pedido de extradição. Haveria, assim, um sujeito na condição de refugiado por um determinado fato, tendo sob julgamento sua extradição cujo pedido foi baseado em outro.
Advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso prepara-se também para um eventual julgamento da extradição. "O empenho e o barulho da Itália, 30 anos depois, revelam a perseguição política que se prolonga indefinidamente. Alguém imagina tamanho esforço para punir um criminoso comum?"
Tão logo concedido o refúgio a Battisti, a Itália protestou veementemente. O governo chamou ao país o embaixador no Brasil, Michele Valensise.
Posteriormente, o então representante da Acnur (o braço da ONU para refugiados) no Brasil, Javier Lopez, distribuiu um memorial aos ministros do STF com o entendimento das Nações Unidas sobre a questão, alegando que o refúgio é decisão soberana do Executivo.
Lopez chegou a agendar audiências com ministros da Corte, mas foi chamado a Genebra por seu superior e deixou o Brasil antes do prazo regular.
Secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto é presidente do Conare e deu o voto decisivo contrário à concessão do refúgio a Battisti naquela instância. Diz ele: "Nunca vi uma reação tão contundente como a da Itália".
Hoje vivem 4.153 refugiados no Brasil, de 72 nacionalidades.

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