quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O Senado, o Cade e o STF

Valor Economico 29.09.09
Concorrência: Presidente Lula fará sua 24ª indicação para o órgãoSenado fica mais rigoroso nas escolhas para o Cade

Juliano Basile, de Brasília
29/09/2009
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará nos próximos dias a sua 24ª indicação para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça. Caso o nome seja aprovado pelo Senado, Lula conseguirá indicar o equivalente a três "Cades". Se, com relação ao Supremo Tribunal Federal (STF), Lula recebe críticas por ter indicado oito ministros e ter a maioria de sete entre as 11 cadeiras existentes no Cade, Lula já nomeou dois presidentes diferentes e trocou as seis vagas de conselheiros três vezes cada uma.

Ao contrário do Supremo que é um "tribunal político", voltado para decidir as grandes questões nacionais, o Cade é visto como um "colégio de doutores" que discutem teses acadêmicas e procuram aliar o conhecimento econômico à lei ao julgar fusões, aquisições e cartéis. Por esse motivo, para o Cade, a regra geral tanto no governo Lula quanto na gestão Fernando Henrique Cardoso, é a de que as indicações deveriam ser de professores e pesquisadores com vasto currículo acadêmico e acima de qualquer questão partidária.

O atual decano do Cade, conselheiro Fernando Furlan, é um dos maiores exemplos dessa regra. Ele possui doutorado na Sorbonne e estudos nas prestigiadas universidades de Harvard, Georgetown e Michigan. Com esse currículo, Furlan foi indicado por dois presidentes diferentes para o Cade. FHC indicou-o para procurador-geral e Lula nomeou-o conselheiro.

Outro exemplo dessa regra é o conselheiro Cézar Mattos. Doutor em economia, com passagens pelas universidades de Oxford e Berkeley, Mattos trabalhou no Cade como assessor, durante os anos FHC, e, no ano passado, foi nomeado conselheiro por Lula.

O problema para Lula é que, na medida em que o "colegiado de doutores" aumentou o rigor com grandes empresas, elas passaram a reclamar cada vez com os senadores. Até o veto à compra da Garoto pela Nestlé, em 2004, a sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado era vista como um procedimento meramente formal. A aprovação era questão de tempo. O Cade, até aquele ano, tinha condenado alguns cartéis e imposto condições a poucas fusões. Mas, a partir daquele ano, as restrições a grandes aquisições passaram a ser mais constantes e o combate aos cartéis aumentou consideravelmente.

Em agosto de 2005, o Cade impôs à Vale a venda da Ferteco ou o fim do direito de preferência para a compra de minério da mina Casa de Pedra, da CSN. Esse julgamento provocou forte descontentamento na Vale, que foi até o STF na tentativa de reverter a decisão e, ao fim, perdeu a causa.

Neste ano, o Cade deu novos sinais de rigor. Em 22 de julho, o órgão aplicou multa de R$ 352 milhões à AmBev por causa de um programa de fidelização de pontos de venda da companhia. Na semana seguinte, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça ingressou com ações contra a Oi e a Claro pedindo respectivos R$ 295 milhões e R$ 301 milhões por causa de problemas constantes dessas empresas com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). A SDE também abriu investigações em diversos setores da economia, como chocolates, bebidas, construção civil e aviação. O Cade vai julgar esses processos e essa atuação, encarada internamente como a aplicação rigorosa da lei antitruste, leva advogados e empresários a se queixar com os senadores. Como resultado, os senadores passaram a questionar mais os indicados.

No Senado, os votos contrários aos indicados para o Cade tornaram-se mais constantes e não há mais garantia de aprovação dos nomes levados pelo presidente. Isso ficou claro na última vez em que o Legislativo votou um nome para o Cade. Em 26 de agosto, o plenário do Senado aprovou a indicação do procurador-geral do órgão antitruste, Gilvandro Araújo, por margem apertada de votos nunca antes registrada. Foram 29 votos a favor e 24 contrários. Araújo é bastante ligado ao presidente do Cade, Arthur Badin, e ocupa uma posição estratégica no órgão. Cabe ao procurador-geral fazer a defesa na Justiça das decisões antitruste. Como todas as empresas que sofrem reveses no Cade recorrem ao Judiciário, Araújo tornou-se o responsável pela aplicação na prática das decisões antitruste. Isso pesou contra ele no Senado, pois as empresas derrotadas no Cade são grandes companhias com representantes que mantêm diálogo constante com senadores.

Para se ter uma ideia de como o Senado está marcando o Cade, no mesmo dia em que Araújo foi votado, o plenário analisou a recondução de um diretor da Agência Nacional de Águas, Dalvino Trocolli. O diretor da ANA obteve 35 votos favoráveis e apenas 17 contrários: uma diferença de 18 votos.

O próprio Badin enfrentou resistências no Senado. Quando foi reconduzido para o comando da Procuradoria, em 2007, ele teve 13 votos contrários. Em junho do ano seguinte, Badin foi indicado para a Presidência do Cade e esperou dois meses para ser sabatinado na CAE. Lá, conseguiu unanimidade: 21 votos a favor. Mas a votação de seu nome no plenário só ocorreu em novembro, com 27 votos a favor e 16 contrários.

Como ocorreu com Badin, todos os indicados são duramente questionados pelos senadores a respeito de fusões e aquisições específicas, como os casos Oi-BrT, Nestlé-Garoto, Sadia-Perdigão e as denúncias de cartel contra indústrias de sucos de laranja.

A expectativa é a de que Lula opte por um nome técnico, capaz de contornar essas resistências. O novo indicado deverá vir da SDE ou da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda. A SDE e a Seae são os dois órgãos que instruem os processos antitruste antes de o Cade julgá-los. É provável que a vaga seja de um economista, pois o Cade convive tradicionalmente com um equilíbrio entre economistas e advogados e, atualmente, a balança está pesando mais para os últimos. Dos seis integrantes do Cade, só um é economista: César Mattos.

Até aqui, das 23 indicações feitas em seis anos e meio de governo, Lula conseguiu emplacar 20 nomes no Cade. Por razões diferentes, três delas não se confirmaram.

A primeira foi em 2004, depois de o órgão antitruste vetar a compra da Garoto pela Nestlé. Na época, o então conselheiro Cleveland Prates Teixeira foi reconduzido por Lula para um novo mandato de dois anos no Cade. Ele foi aprovado na CAE, mas o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), preferiu não arriscar a votação do nome de Teixeira no plenário por causa das queixas ao caso Nestlé e ele acabou desistindo do cargo.

A segunda indicação que não se confirmou foi a de Denise Abreu, que ficou conhecida por sua atuação polêmica na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), de onde saiu, durante o apagão aéreo, sem concluir o seu mandato. Em 2005, antes de integrar a Anac, Denise foi indicada para o Cade com forte apoio do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Logo após a indicação, o nome de Denise foi retirado e ela nem chegou a ser sabatinada.

A terceira indicação que não se confirmou foi a do economista Enéas de Souza. Ele é muito próximo do ministro da Justiça, Tarso Genro, e foi indicado em 2008. Ele foi sabatinado pela CAE e aprovado pelo Senado, mas não quis tomar posse.

Agora, Lula espera confirmar a sua 21ª nomeação para preencher a vaga deixada pelo economista Paulo Furquim, que renunciou ao Cade no dia 16. Para que o novo nome seja confirmado, há um caminho a ser percorrido: indicação pelo presidente, sabatina na CAE, aprovação no Senado, nomeação pelo presidente e, por fim, a posse.

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