Valor Economico
Judiciário: Futuro procurador-geral herdará clima de tensão com o STFSucessão coloca em xeque poder investigatório do MP
01/06/2009
Gurgel, o favorito: "Não confundam cordialidade com falta de firmeza"
A sucessão do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, será realizada sob o estigma de três processos polêmicos: as investigações sobre a morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André, a Operação Satiagraha e a ação penal do mensalão. Os três casos suscitaram discussões importantes sobre o poder investigatório do Ministério Público e levaram a debates diretos entre a instituição e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
O caso de Santo André envolve a possibilidade de promotores complementarem o trabalho de investigação da polícia, quando este último for considerado ineficiente para solucionar um crime. Neste caso, o STF vai julgar um pedido de habeas corpus proposto pelos advogados de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra. Sombra era muito próximo de Celso Daniel e estava no carro do então prefeito, em 18 de janeiro de 2006, quando ele foi metralhado numa ação cuja autoria até hoje é desconhecida. Daniel foi encontrado morto dois dias depois. A polícia concluiu que foi um crime comum (tentativa de sequestro seguida de morte). Mas a Promotoria decidiu aprofundar as investigações e produzir novas provas que indicariam que não foi crime comum e que Sombra estaria envolvido num esquema de corrupção na prefeitura. Os advogados de Sombra recorreram ao STF contestando a Promotoria. Eles alegaram que o MP não poderia fazer investigações criminais.
No STF, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, concluiu que o MP não poderia produzir provas complementares às da polícia. Em seguida, o então decano do STF, ministro Sepúlveda Pertence (hoje, aposentado), votou no sentido oposto: defendeu a atribuição do MP de promover investigações. Após esses votos, o ministro Cezar Peluso pediu vista. Isso ocorreu em 11 de junho de 2007 e, portanto, a espera pela definição se os procuradores poderão produzir provas complementares às da polícia, fará dois anos.
Já a Operação Satiagraha suscitou uma série de debates que envolvem os procedimentos de investigação do MP, como parcerias entre delegados da PF e de procuradores. Além disso, a deflagração da Operação, em 8 de julho de 2008, levantou debates a respeito do uso de algemas e do vazamento de investigações.
Por fim, o mensalão é considerado um marco para o MP, pois a denúncia feita pelo procurador-geral contra os 40 mensaleiros foi aceita pelo STF e firmou a independência dele frente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o seu partido, o PT.
Ruy Baron/Valor
Gonçalves, o segundo da lista: "Marcar posição com serenidade e equilíbrio"
Esses três casos serão julgados num clima de tensão entre o MP e o STF. A maioria dos ministros do Supremo aderiu a um movimento defendido pelo presidente da Corte, Gilmar Mendes, que é chamado internamente de "pedagogia dos direitos fundamentais". Neste movimento, os ministros têm sido favoráveis: à concessão de habeas corpus a apontados pela mídia como criminosos, ao fim do uso indiscriminado de algemas em operações da Polícia Federal, à garantia de que ninguém terá a sua casa invadida no meio da noite por policiais e nem será preso antes da tramitação final de seu processo. O conflito ocorre porque, para o MP, algumas dessas decisões do STF podem abrir brechas a que advogados peçam a anulação de investigações e eventualmente restringir a ação de procuradores e promotores.
Esse temor do MP está fundamentado em decisões recentes do STF. No início do ano, o Supremo baixou a sua 14ª súmula determinando que os advogados de defesa terão amplo acesso a provas produzidas em investigações. Em seguida, o tribunal declarou que as pessoas investigadas possuem absoluta presunção de inocência até a sentença de última instância. Em agosto de 2008, o STF já havia limitado as algemas. Essas decisões foram defendidas no Supremo como formas de evitar um "Estado policial", em que pessoas são expostas ao público algemadas, presas sem saber o motivo e processadas sem acesso a provas. Mas, para o MP, o STF foi muito rigoroso em seu e acabou por dificultar e limitar novas investigações.
"A súmula das algemas criou um brecha para advogados pedirem a anulação dos processos", apontou Antonio Carlos Bigonha, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) - entidade que enviou lista tríplice a Lula com os nomes mais votados pela categoria para o comando do MPF. Bigonha acredita que muitos advogados podem pedir a anulação de investigações com uso de algemas. O mesmo vale para os casos em que não houve o amplo acesso a provas nos processos: após a súmula 14, advogados podem pedir a anulação das investigações. Por fim, o presidente da ANPR avaliou que o STF está sendo muito amplo com a concessão de habeas corpus.
Bigonha entende, por exemplo, que, após uma condenação de 2ª instância, o investigado já poderia ser preso. Esse seria o momento em que o suspeito já foi investigado pelo MP, condenado por um juiz, apelou e foi condenado novamente por um tribunal. No entanto, para a maioria dos ministros do STF, a regra geral é que o suspeito só será preso com a tramitação final do processo, passando por todas as instâncias da Justiça. A exceção está para os casos em que se comprova a periculosidade do suspeito ou a possibilidade de ele interferir nas investigações. Nesses casos, dependendo das alegações, o STF mantém a prisão.
Esses reveses recentes no STF fizeram com que a ANPR buscasse o Congresso para tentar garantir os mecanismos de investigação dos procuradores. A entidade está defendendo a causa em projetos de lei na Câmara e no Senado. "Queremos manter a prerrogativa de produzir a prova ao lado da polícia", afirmou Bigonha. "É uma forma de resguardar a titularidade da ação penal."
Hoje, essa tensão entre os procuradores e o Supremo tem sido administrada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Por isso, sua sucessão tornou-se fundamental. Será o novo procurador quem fará a articulação junto aos ministros do STF na tentativa de manter as prerrogativas de investigação da categoria. Essa articulação é feita no dia a dia do STF. É ele quem dá pareceres em todos os processos do plenário do STF, onde são julgados os casos mais relevantes, como a demarcação de terras indígenas, as pesquisas com células-tronco, a Lei de Imprensa e as ações envolvendo autoridades, como senadores, ministros, deputados federais e até o presidente da República. O procurador-geral também pode ingressar com ações contestando leis aprovadas pelo Congresso e sancionadas pelo Executivo. "O maior poder do MP é o do procurador-geral da República", definiu Bigonha
segunda-feira, 1 de junho de 2009
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