Valor Econômico de 18 de junho de 2009
As concessionárias de telefonia saíram derrotadas ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento sobre a legalidade da assinatura básica de cerca de R$ 40,00 mensais cobrados nas contas telefônicas dos consumidores. No caso julgado pelos ministros, a Telemar e a Brasil Telecom tentavam reformar uma decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis da Bahia contrária à cobrança. Segundo as operadoras, o tema não poderia ser analisado nos juizados especiais cíveis por ser uma causa complexa e por se tratar da concessão de um serviço público onde se discute os contratos entre as concessionárias de telefonia e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) - e não entre elas e os consumidores. Mas, por sete votos a dois, o Supremo definiu que se trata de uma relação de consumo, discussão pertinente aos juizados.
O julgamento deve influenciar cerca de 300 mil processos que aguardavam um posicionamento da corte e estavam com a tramitação suspensa no país por determinação do Supremo. As concessionárias tinham a expectativa de que, ao decidir pela incompetência dos juizados para julgar a questão, todas as decisões dos juizados a respeito fossem anuladas e os processos migrassem para a Justiça estadual comum - o que foi sugerido pelo ministro Marco Aurélio, voto vencido no julgamento. Assim, decisões desfavoráveis - principalmente dos juizados do Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal - poderiam ser anuladas. O Supremo, no entanto, entendeu que a palavra final sobre a cobrança da assinatura básica é dos juizados.
De acordo com Leonardo Greco, advogado da Telemar, há hoje 130 mil processos sobre a matéria nos juizados estaduais que têm como rés a Telemar e a Brasil Telecom. "Se o Supremo abrir esse precedente, milhares de causas discutindo políticas públicas irão para os juizados", diz. Mas, para o advogado Roberto Soligo, representante do Instituto de Educação para o Consumo Olário de Oliveira França, admitido como "amicus curiae" (parte interessada) na ação, é inconstitucional a Resolução nº 85 da Anatel que estabeleceu a tarifa básica sob a justificativa de preservar a infraestrutura dos serviços. "Não existem taxas básicas de outros serviços, como o fornecimento de água e luz", diz.
Durante o julgamento de ontem, o ministro Carlos Britto, relator do caso, definiu, em primeiro lugar, que a matéria seria inquestionavelmente de competência da Justiça estadual, pelo fato de a Anatel não figurar no polo passivo das ações. De acordo com Britto, a partir de agora a decisão final que ficará valendo em relação à cobrança da assinatura básica é a da turma recursal dos juizados de cada Estado- última instância para o julgamento dos casos do tipo. A contestação das decisões dessas turmas só poderia ser feita por meio de um recurso extraordinário ao Supremo, que decidiu não analisar o tema por tratar de normas infraconstitucionais. "Esses recursos não serão mais recebidos nessa corte", frisou o ministro. Para o ministro Ricardo Lewandowski, que seguiu o entendimento do relator, nessas ações discute-se o princípio da transparência dos contratos de telefonia - matéria de direito do consumidor.
O entendimento, no entanto, não foi unânime na corte. Para o ministro Marco Aurélio, a matéria é complexa e inclusive necessitaria de prova pericial para que se analisasse o equilíbrio econômico do contrato, o que não pode ser feito no âmbito dos juizados. Segundo ele, os valores da assinatura básica são essenciais para a continuidade dos serviços prestados, e o que está em jogo são as balizas para concessão de serviços públicos. "Alguém terá que pagar essa despesa", disse. O ministro Eros Grau, que também discordou da maioria no pleno do Supremo, disse que o conceito de cidadão-consumidor é diferente do usuário de serviço público, votando pelo não provimento do recurso.
Na prática, ainda não se sabe qual será o desfecho da decisão tomada ontem pelo Supremo. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar um recurso contra uma decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) contrária à cobrança da assinatura básica de telefonia em junho do ano passado, entendeu que ela é legal e editou uma súmula - de número 356 - consolidando sua jurisprudência. No entanto, conforme a Súmula nº 203 da corte, no caso de decisões de turmas recursais de juizados, não cabe recurso especial para contestá-las.
Ainda que o julgamento do STJ favorável à cobrança da assinatura básica tenha sido dado em uma ação proveniente da Justiça estadual, alguns juizados acabaram se adequando ao seu entendimento e revertendo suas posições contrárias à tarifa. É o caso dos Juizado Especial Cível do Paraná, que chegou a ter um enunciado contra a cobrança da tarifa básica. O dispositivo, no entanto, foi revogado após a edição da Súmula nº 356 do STJ. Em Santa Catarina não há enunciados, mas, segundo Marco Buzzi, coordenador estadual dos juizados especiais do Estado, a tendência é de que as sete turmas recursais sigam o que determina a súmula do STJ.
Em outros Estados, os juizados já vinham, mesmo antes da súmula do STJ, decidindo de forma favorável à cobrança da assinatura básica. É o caso dos juizados cíveis de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em São Paulo há até uma orientação - o Enunciado nº 22 do Colégio Recursal Unificado do Estado - que desde novembro de 2007 já pacificava o entendimento favorável à legalidade da cobrança. "Esse sempre foi entendimento predominante no Estado", afirma a juíza presidente do colégio recursal, Monica Rodrigues Dias de Carvalho. No Rio, apesar de não haver um enunciado sobre o tema, o juiz titular do 2º Juizado Especial Cível, Luiz Flavio Citro, afirma que a questão já vinha sendo julgada de forma favorável à cobrança. Em Minas, a situação é semelhante.
De acordo com o advogado Sérgio Terra, que representa a Brasil Telecom em alguns processos, a decisão do Supremo não causará impacto financeiro às empresas de telefonia. Segundo ele, o entendimento da súmula do STJ está mantido porque, apesar de não ser vinculante, a maioria dos juizados já se curvou a ela. "O que estava em discussão era se os juizados eram ou não competentes para julgar o tema", diz o advogado Pedro Bentes Pinheiro Filho, do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados, que atua para algumas concessionárias de telefonia e acompanha o tema. "Cada juizado poderá decidir sobre a matéria, mas isso não quer dizer que cada um julgará o tema como quiser, pois o STJ pode ser provocado em uma reclamação", acredita.
Procuradas pelo Valor, as empresas Telefônica e Telemar preferiram não se manifestar sobre o assunto.
(Colaboraram Adriana Aguiar, Cristine Prestes e Laura Ignacio, de São Paulo)
quinta-feira, 18 de junho de 2009
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