quinta-feira, 4 de junho de 2009

Novamente o caso dos pneus

Valor Economico de 04 de junho de 2009
Comércio exterior: Decisão sobre a proibição da importação de pneus usados é adiada novamente pelo STFLentidão da Justiça gera atrito com parceiros


Welber Barral, secretário de Comércio Exterior: demora nas decisões da Justiça cria problema para negociadores
Decisões de tribunais de instâncias inferiores e a demora na tramitação dos recursos pelo Judiciário fragilizam a posição dos negociadores brasileiros nas discussões com parceiros comerciais, alerta o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral. Casos como a importação de pneus usados por meio de limiares e restrições à importação de arroz de sócios do Mercosul se tornaram foco de atrito para o governo, e a demora na solução desses problemas preocupa as autoridades, diz o secretário.

"Há uma crescente disparidade entre a dinâmica do comércio internacional e o ritmo lento do Judiciário", afirma. Sem saber, Barral antecipou-se ao resultado da sessão de ontem, no Supremo Tribunal Federal (STF). Após quase dois anos e meio de tramitação, o caso dos pneus usados chegou a constar da pauta de votações do Supremo, mas não foi votado, por falta de tempo. Não é a primeira vez que a decisão é postergada.

Contestada na Organização Mundial do Comércio (OMC) pela União Europeia, a proibição de importação de pneus usados pelo Brasil foi considerada legítima pelo órgão de solução de conflitos da instituição, mas só se não houvesse exceções - as constantes liminares judiciais obtidas pelos importadores desses pneus usados ou reformados contrariam essa determinação da OMC. O governo apelou ao Supremo para cassar as liminares, e firmar decisão no Judiciário contra a prática. Desde setembro de 2006, o pedido do executivo, conhecido como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, tramita no tribunal.

Apenas em março deste ano, a relatora do processo, ministra Carmen Lúcia, apresentou seu voto, a favor da posição do governo; mas um pedido de vistas feito pelo ministro Eros Grau provocou a suspensão do julgamento. Grau devolveu o processo há duas semanas, mas, com a impossibilidade de se votar o tema ontem, não há data para voltar ao plenário.

"Desde 17 de dezembro acabou o prazo para cumprirmos a decisão da OMC", lamenta Barral. A OMC determinou que o Brasil teria de suspender a restrição a importação de pneus usados, caso não acabasse com as exceções garantidas pelo Judiciário. Uma ação mais eficiente do governo conseguiu, nesse meio tempo, reduzir a entrada de pneus usados no país, que já foi de mais de 10 milhões em 2005, para cerca de 7 milhões nos anos de 2006 e 2007 e, no ano passado, caiu para pouco menos de 3,8 milhões. Há oito liminares em vigor no país, cinco delas autorizando a importação de até 13,5 milhões de pneus, e três delas sem limites.

Autoridades do governo envolvidas em negociações internacionais comentam que os representantes da União Europeia têm, nas reuniões em Genebra, cobrado do governo o cumprimento da determinação da OMC, com a liberação das importações. No governo brasileiro, acredita-se que os europeus só não anunciaram retaliações comerciais contra o Brasil porque o tema é sensível na Europa - onde organizações ecológicas apoiam o argumento brasileiro de que a importação de pneus usados é extremamente nociva ao ambiente, pela ameaça de aumentar a quantidade de resíduos sólidos sem possibilidade de reciclagem.

"Nas discussões comerciais, esse tema é levantado, e nos obriga a ficar na defensiva", queixa-se Barral. O caso dos pneus não é o único a provocar constrangimentos aos negociadores brasileiros: frequentes liminares, no Rio Grande do Sul, com restrições à importação do arroz uruguaio têm sido usadas como argumento por parceiros no Mercosul para justificar medidas protecionistas contra produtos brasileiros, conta Barral.

Para o especialista Mário Berenholc, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, a demora nas decisões do Judiciário não é "maléfica em si". Até agora, lembra ele, as decisões do Supremo têm sido em favor dos dispositivos dos acordos internacionais, e tem havido preocupação no Judiciário com a consolidação de decisões das instâncias superiores, com a criação d e mecanismos como a súmula vinculante, que obriga as instâncias inferiores a acatar decisões dos tribunais superiores. "Problema sério seria se as decisões dos tribunais superiores fossem contrárias às disposições dos acordos internacionais", comenta.

Berenholc reconhece, porém, que a capacidade de alguns assuntos para voltar á pauta do Judiciário chega a surpreender os próprios especialistas. É o caso de uma disputa que frequenta os tribunais desde 1973, a cobrança de impostos estaduais sobre o bacalhau importado da Noruega. Prevista em acordo, a isenção do imposto é contestada pelos governos estaduais, que tentam desde a década de 70, na Justiça, cobrar do produto o ICMS, que não é aplicado sobre o similar nacional, o peixe seco e salgado.

A última decisão judicial, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto data de março, e, como nota Berenholc, confirma o entendimento em favor de um tratado internacional, no caso o Tratado Geral de Tarifas e Comércio (GATT, da sigla em inglês), que rege a OMC e proíbe tratamento diferenciado entre produto importado e nacional. Alguns Estados, na ausência do tributo, exigiam documentos que comprovassem a "inexibilidade", o que é ilegal, segundo decidiu o STJ.

"A insegurança gerada por medidas judiciais acaba sendo usada como argumento por parceiros a quem nos queixamos por usarem mecanismos pouco transparentes de comércio", diz Barral. O problema não parece perto de ter solução. Na lista de temas a serem tratados pelo STF, está o questionamento de patentes garantidas pelo governo ao abrigo do acordo internacional sobre propriedade intelectual vinculada ao comércio (Trips, da sigla em inglês).

O questionamento, sob alegação de que as patentes já caducaram de acordo com a lei nacional, partiu da Procuradoria-Geral da República, e não há data para julgamento pelo Supremo. Dependendo do resultado do caso, o Brasil pode ter problemas na OMC, prevê um experiente diplomata.

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