O jornalista Marcelo Leite no "Caderno Mais" da Folha de São Paulo de 14 de dezembro de 2008 expressa a seguinte opinião a respeito do caso Raposa Serra do Sol:
Um dia alguém ainda vai contar direito a história da decisão de quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma acachapante maioria de oito votos -por ora, pois faltam três- confirmou a homologação em formato contínuo da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol.
A meia dúzia de arrozeiros que inflamou Roraima e tantos preconceitos antiindígenas adormecidos Brasil afora terá de abandonar a área. O governador José Anchieta Júnior (PSDB) e os senadores roraimenses Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB), patrocinadores da causa contra os índios, ficaram dependurados na brocha.
Não era bem o que se esperava, para dizer o mínimo. O próprio STF se encarregou de atrair os holofotes sobre si e sobre a hipótese de uma decisão desfavorável à continuidade da terra indígena com um ato de ativismo judiciário explícito: a viagem de três ministros à terra indígena, em 22 de maio deste ano.
Disse na época o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, um dos excursionistas: "Temos uma tríplice fronteira, temos comunidades indígenas, que têm parentes em outros países, temos uma presença bastante grande -e este é um dos reclamos- de organizações não-governamentais de toda índole. Tudo está em discussão, de certa forma, no processo".
Para bom entendedor, suas tantas palavras sobre o tema sempre bastaram. Ainda que de modo inadvertido, faziam dupla com pronunciamentos bem mais diretos de oficiais como o general Augusto Heleno, ninguém menos que o comandante militar da Amazônia. Para Heleno, a política indigenista brasileira, tal como é praticada pela Funai com base nos artigos 231 e 232 da Constituição, é "lamentável, para não dizer caótica".
O STF entendeu diferente, ao menos no que respeita ao processo de homologação de Raposa/Serra do Sol contestado pelos fazendeiros, que chegaram a participar de manifestações em unidades militares de Roraima. Há dúvida ainda sobre o alcance das 18 exigências formuladas pelo ministro Direito e referendadas pela maioria dos votos, mas não há como falar nem em vitória parcial da coalizão antiindígena.
Dito de outra maneira, o Supremo pariu um rato. Bem o oposto do que vinha sugerindo o noticiário dos últimos meses. Nos dias anteriores à decisão de quarta, não faltaram reportagens antecipando a suposta tendência do STF favorável aos rizicultores e à homologação descontínua.
Basta juntar dois e dois para concluir que ou os jornalistas e suas fontes estavam desinformados, ou se prestaram -por ingenuidade ou má-fé- a uma tentativa canhestra de manipulação. Uma aposta, talvez, em que o preconceito antiindígena aliado a interesses latifundiários e militar-nacionalistas acabaria por constranger o Supremo.
Pois bem: deu oito a zero. Contra a homologação descontínua. Os ministros que já votaram no Supremo, mesmo com ressalvas à Funai e ONGs, aplicaram uma espécie de cala-boca na turma contra Raposa/Serra do Sol.
A tensão subjacente ao caso emergiu até entre ministros. Marco Aurélio Mello reagiu à proposta do relator Carlos Ayres Britto de suspender a liminar a favor dos fazendeiros, diante da maioria contrária a seu pleito, reafirmando seu direito de sustar o julgamento com um novo pedido de vista.
Gilmar Mendes ficou do seu lado. A decisão final, para 2009. E os fazendeiros, mais algumas semanas em seus arrozais.
domingo, 14 de dezembro de 2008
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