sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O amianto no Brasil

O Jornal O Valor Econômico na sua edição de 12, 13 e 14 e dezembro de 2008 publica importante matéria sobre o amianto no Brasil. Leiam!




Começa fiscalização contra amianto


Um semestre após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que assegurou a vigência da lei paulista que veta o amianto no Estado, começa a fiscalização nas indústrias do setor de fibrocimento situadas no interior de São Paulo. Em uma ação conjunta da Secretaria da Saúde e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), onze empresas foram visitadas e quatro delas receberam notificações para deixar de usar a substância em 60 dias. Os próximos alvos da fiscalização são as fábricas da capital paulista.
O amianto já foi banido da maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos, diante de números crescentes de ações judiciais movidas por trabalhadores que desenvolveram doenças em decorrência do contato com a substância. No Brasil, no entanto, a substância persiste - o país é o terceiro maior produtor de amianto do mundo, atrás apenas da Rússia e do Cazaquistão. A discussão jurídica recente surgiu diante da entrada em vigor de leis estaduais que proíbem o uso do amianto e que passaram a ter sua constitucionalidade questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão da corte em relação à Lei paulista nº 12.684, de 2007, ainda em caráter liminar, foi o primeiro posicionamento dos ministros sobre o tema. Mas o Supremo está em vias de julgar uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) proposta pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTP) contra a Lei federal nº 9.005, de 1995 - esta que autoriza o uso controlado do amianto branco, também conhecido como crisotila.



A proibição do crisotila por meio de leis estaduais tem como pano de fundo uma disputa no mercado brasileiro de fibrocimento entre empresas que trabalham com o produto - em especial na produção de telhas e caixas d'água - encabeçadas pela Eternit e pela Brasilit. Enquanto a primeira é a líder no mercado de produtos que contêm amianto no país, a Brasilit, que pertence ao Grupo Saint Gobain, é a única que produz no Brasil o polipropileno, uma fibra alternativa ao amianto - a outra alternativa para substituir o produto é o álcool de polivinila (PVA), cerca de 40% mais caro e importado do Japão e da China.
Em busca da diversificação e do risco do banimento do amianto, matéria-prima responsável por 80% de sua receita, a Eternit passou a atuar em outros segmentos como louças sanitárias e placas cimentícias. No entanto, empresas de menor porte estão praticamente sem alternativas para se manter caso o amianto seja banido de vez. De acordo com Marina de Aquino, presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), que reúne 15 empresas do segmento - cinco no Estado de São Paulo -, a entidade não adotou nenhuma orientação específica aos seus associados, já que aguarda o fim do julgamento do caso no Supremo. "Cada empresa tem adotado a estratégia que lhe convém", diz.
Das onze empresas fiscalizadas no interior do Estado, em sete delas não foi preciso estabelecer termos de ajustamento de conduta - ou elas já haviam deixado de utilizar o amianto ou os setores dos produtos que continham a fibra foram interditados sem que isso representasse um prejuízo significativo para as indústrias. Entre as outras quatro empresas fiscalizadas, apenas na multinacional Richard Klinger, do ramo de peças automotivas, não haverá impacto econômico. As demais empresas tentam estender o prazo de adaptação à lei paulista por meio de recursos administrativos enquanto estudam a possibilidade - bastante inviável, segundo seus próprios diretores - de substituição do amianto por fibras alternativas.
Segundo Simone Alves dos Santos, diretora de serviços do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo e que coordena a fiscalização, a grande reclamação das empresas notificadas é a quantidade insuficiente de fibras alternativas para suprir o mercado brasileiro. Esse é o principal problema enfrentado pela Confibra, uma das empresas notificadas e que já apresentou recurso administrativo para estender o prazo de 60 dias para a adaptação. Situada em Hortolândia, no interior paulista, a Confibra, segundo seu diretor, Alberto Martins Neto, detém 20% do mercado de fibrocimento do Estado e 6% das vendas nacionais. Ele conta que a empresa já experimentou o PVA chinês, mas o produto leva três meses para chegar ao Brasil e, segundo ele, não há oferta de um estoque maior da matéria-prima. "Quando sobra das vendas para a Ásia e Europa, nos oferecem um contêiner", diz Neto. Na Confibra, 70% dos produtos são feitos a partir do amianto do tipo crisotila. De acordo com Neto, caso tenha que parar a produção, a curto prazo seria necessário dispensar boa parte dos 120 funcionários da fábrica de fibrocimento.
A inviabilidade do cumprimento do prazo de substituição do amianto estipulado pela Vigilância Sanitária é uma queixa unânime das empresas notificadas. Para José Carlos Bonfogo, diretor da Decorlit, empresa de pequeno porte em Leme que tem 95% de sua produção baseada no amianto, o razoável seria estabelecer um prazo de sete a dez anos. Isso porque, segundo ele, levaria cerca de três anos na montagem de uma fábrica que trabalhasse com PVA. Ele ainda diz que outra dificuldade seria atestar a qualidade da fibra alternativa. "Ainda não se sabe como as telhas de PVA vão se comportar em um clima quente como o nosso", diz Bonfogo. Outra empresa que já apresentou recurso administrativo é a Enfibra, também de Leme, que atende cerca de 7% do mercado nacional de produtos de fibrocimento para a construção civil. A empresa preferiu se manifestar apenas por carta, na qual afirma que "por preconceito e falta de conhecimento, os magistrados e a própria sociedade se apressam em condenar o uso do amianto crisotila, sem pensar nas suas conseqüências". De acordo com informações da assessoria de imprensa da Enfibra, não é segredo que a fábrica fechará as portas caso o amianto seja banido de vez.
Por enquanto, o setor de fibrocimento é o único seriamente afetado caso o Supremo declare inconstitucional a lei federal que permite o amianto crisotila - sua fibra também é usada na fabricação de juntas de motores e tubulações. A multinacional Richard Klinger, de origem austríaca e presente em nove países, deixou de usar o amianto em sua unidade industrial em Várzea Paulista desde a decisão do Supremo que manteve a vigência da lei paulista em julho. Segundo Albert Maier, consultor sênior da Klinger, a substituição do produto não causou impacto econômico, pois, segundo ele, os produtos com amianto são usados em apenas 20% do setor, para fins de manutenção, já que as peças novas são fabricadas a partir de fibras de carbono, artificiais ou de celulose. "Nos outros países, a Klinger deixou de usar o amianto há 18 anos, mas aqui fomos forçados pelo mercado", diz Maier. Procurada pelo Valor, o Grupo Saint Gobain, dono da Brasilit, preferiu não se manifestar.

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