quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O Caso dos grampos ilegais e a Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Profa Deisy Ventura envia o seguinte informe sobre o caso dos grampos ilegais ocorrido no Brasil em 1999 em futura audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.


Grampos ilegais: Brasil pode ser condenado em corte internacional

*O Estado brasileiro responde na Corte Interamericana de Direitos Humanos da
OEA por interceptações telefônicas ilegais feitas no Paraná, em 1999. Caso
teve motivação política, participação ativa de agentes públicos e, quase dez
anos depois, permanece impune. A audiência única do processo será nesta
quarta-feira (3) na Cidade do México. Ao mesmo tempo, peticionários e
testemunhas fazem coletiva de imprensa em Curitiba.*
Em meio a tantas notícias sobre grampos ilegais, sobre irregularidades em
investigações da Polícia Federal e escutas nas linhas telefônicas de
parlamentares e até do presidente do STF, o Estado Brasileiro corre risco de
ser condenado em uma corte internacional pela sua responsabilidade em um
caso de 1999 que envolve interceptações feitas com clara motivação política.
Uma juíza de direito, policiais militares e até o ex-Secretário de Segurança
do Paraná estão entre os envolvidos.
Em Curitiba, representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Justiça Global, da Rede
Nacional de Advogados Populares (RENAP) e da Terra de Direitos, todos
peticionários do caso, se reúnem para uma coletiva de imprensa a partir das
14h de quarta-feira, no auditório do Sindicato dos Engenheiros do Paraná, no
Centro (detalhes no final do email).
*A IMPORTÂNCIA DA AUDIÊNCIA*
A audiência desta quarta-feira será decisiva para o veredicto da Corte.
Será, também, a oportunidade para o Brasil se pronunciar diante da
comunidade internacional sobre a questão dos grampos ilegais. Há a
possibilidade de o Estado argumentar que não tem responsabilidade no
acontecido e afirmar que fatos como esses já não acontecem, o que, diante
das notícias veiculadas na imprensa, causaria grande constrangimento. O
processo leva a discussão das interceptações telefônicas para uma esfera
internacional e possibilita julgamento isento da responsabilidade do Estado
na ocorrência e na impunidade de casos como esse.
*DESCRIÇÃO DO CASO E ILEGALIDADES*
Foi no Paraná, em 1999, durante o governo de Jaime Lerner. O major Waldir
Copetti Neves, oficial da Polícia Militar do Paraná e, naquele momeno, chefe
no interior do estado do recém-extinto grupo de elite da PM paranaense
(Grupo Águia), solicitou à juíza Elisabeth Kather, da comarca de Loanda, uma
autorização para interceptar uma linha telefônica utilizada por lideranças
do MST. O pedido, por si só, já era completamente ilegal, uma vez que a
Constituição brasileira determina que somente à Polícia Civil compete a
investigação de infrações penais e a função de polícia judicial, ficando
a Polícia Militar destacada para o policiamento ostensivo e a preservação da
ordem pública.
Ilegal, também, foi a atitude da juíza de direito, que acatou imediatamente
o pedido simplesmente anotando na margem da mesma solicitação: "Defiro.
Oficie-se." A lei de interceptações orienta que somente seja violado o
direito à privacidade quando esgotam-se as possibilidades de produção
convencional de provas, e quando há argumentação judicial de um "bem maior"
(evitar homicídios, libertar reféns...) que justifique o ato. O juiz
encarregado deverá, obrigatoriamente, fundamentar por escrito sua decisão
positiva para um pedido de interceptação telefônica, deixando clara a razão
que faz a interceptação mais importante que o direito à privacidade. O que a
juíza fez foi um despacho, e não uma sentença. Além disso, o juiz deve, por
lei, comunicar a autorização de escuta telefônica ao Ministério Público,
coisa que a juíza Elisabeth também deixou de fazer.
Prosseguindo as ilegalidades do processo, a interceptação, que havia sido
autorizada apenas para uma linha telefônica, foi estendida, por livre
vontade da Polícia Militar, a uma outra linha, também utilizada por
lideranças do MST. Os policiais só pediram autorização para essa linha
quando foram prorrogar o prazo da primeira concessão. O prazo autorizado foi
extrapolado e, durante 49 dias, as conversas foram gravadas.
*A DIVULGAÇÃO DAS GRAVAÇÕES*
O então Secretário de Segurança Pública do estado do Paraná, Candido Manuel
Martins de Oliveira, chegou a convocar uma coletiva de imprensa para a
divulgação do conteúdo editado das fitas. A edição distorcia as declarações
e as gravações alcançaram grande repercussão. A origem desse material e a
legalidade de sua obtenção não foram questionadas publicamente.
*AS VIOLAÇÕES À CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS*
*O caso evidencia a violação de direitos previstos na Convenção Americana de
Direitos Humanos, assinada em 1992 pelo Brasil. A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos e os peticionários do processo junto à Corte sustentam que
o Brasil não respeitou os direitos à honra e à dignidade (artigo 11), à
liberdade de associação (artigo 16), às garantias judiciais e proteção
judicial (artigos 8 e 25), além da cláusula federativa (artigo 28).*
*OS PROCESSOS JUDICIAIS*
As vítimas entraram na Justiça - nas esferas civil, penal e administrativa
- contra o Secretário de Segurança, a juíza e o major Copetti, além do
coronel e então chefe da polícia Valdemar Krestschmer, e do Sargento
Valdecir Pereira da Silva, então lotado no 8o. Batalhão. Todos foram
absolvidos.
*TRÂMITE NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DH E RECOMENDAÇÕES AO ESTADO
BRASILEIRO*
A denúncia foi feita, em parceria, pelo MST, a CPT, a Justiça Global, a Rede
Nacional de Advogados Populares (RENAP) e a Terra de Direitos, e foi enviada
à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA em dezembro de
2000. Em 14 de novembro de 2001 foi realizada uma audiência com os
peticionários e representantes do Estado brasileiro. Nos anos seguintes,
diversas comunicações sobre o andamento do caso e sobre as providências
(não-)tomadas foram enviadas pelos dois lados e, em março de 2007, a CIDH
recomendou ao Estado:
a) Investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos;
b) Reparar plenamente as vítimas, tanto no aspecto moral quanto material;
c) Adotar medidas de educação para funcionários de justiça e de polícia, a
fim de evitar ações que impliquem violações ao direito de privacidade em
investigações;
d) Adotar medidas imediatas para o cumprimento dos artigos 8.1, 11, 16 e 25
da Convenção Americana, de maneira que sejam efetivos os direitos à proteção
especial da privacidade e à livre associação.
Em dezembro de 2007, os peticionários comunicaram à CIDH que a juíza
Elisabeth Kather havia sido condecorada com o título de cidadã honorária do
estado do Paraná e pediram o envio do caso à Corte IDH. Diante disso e do
não cumprimento das recomendações por parte do Brasil, a CIDH decidiu enviar
o caso à Corte.
Na audiência do dia 3, a Justiça Global, juntamente com as outras
organizações, estará representando juridicamente as vítimas. A Comissão
Interamericana também participará, sustentando seu parecer que
responsabiliza o Estado. Os peticionários pedem que a Corte:
" a) declare o Estado brasileiro responsável pelas violações do direito
às garantias judiciais (artigo 8 da Convenção Americana), do direito à
proteção judicial (artigo 25 da Convenção), do direito à proteção da honra e
da dignidade (artigo 11 da Convenção), do direito à liberdade de associação
(artigo 16 da Convenção), bem como pelo descumprimento das obrigações gerais
de respeito e garantia (artigo 1.1 da Convenção), do dever de adotar medidas
legislativas no
âmbito interno (artigo 2) e da cláusula federal (artigo 28 da Convenção);
b) determine que o Estado realize uma investigação completa e imparcial
para apurar os fatos ilícitos e arbitrários acima narrados e responsabilizar
no âmbito cível e administrativo todos as pessoas envolvidas na
interceptação ilegal das linhas telefônicas, na gravação das conversas e na
divulgação do seu conteúdo;
c) ordene que o Estado brasileiro adote as medidas necessárias para
revogar a Lei n. 15662, de 11 de outubro de 2007, do estado do Paraná, que
concede o título de Cidadã Honorária do Estado do Paraná à Elisabeth Kather;
d) determine que o Estado promova um ato de desagravo e apresente um
pedido público de desculpas às vítimas, a ser veiculado nos meios de
comunicação (TV, rádio e jornais), no mesmo espaço ou tempo que foram
veiculadas as matérias jornalísticas, em decorrência da divulgação ilegal
das gravações pelo então Secretário de Segurança Pública do Estado do
Paraná;
e) ordene o Estado brasileiro a inutilizar todas fitas que contém as
gravações das ligações telefônicas interceptadas ilegalmente;
f) ordene o Estado brasileiro a reparar integralmente as vítimas e seus
familiares, pelos danos morais e materiais causados pelas violações de
direitos humanos, acima descritas;
g) ordene o Estado brasileiro a pagar as custas e despesas decorrentes
da tramitação do caso nas instâncias jurisdicionais e administrativas
internas, bem como da tramitação do caso no sistema interamericano."
(veja a íntegra da petição à Corte

Um comentário:

Josué Mastrodi disse...

Prezado prof. Ribas:

Está ficando cada vez mais nítido --e já não era sem tempo-- que não existe busca por verdade nem mesmo nas ações de controle de constitucionalide.

Nunca se agiu em juízo na busca por "verdades", mas pelo direcionamento interpretativo mais consentâneo com certos interesses.

Assim como nas ações judiciais isso é claro na produção de prova pericial, em que os assistentes técnicos periciais conseguem divergir num mesmo e singular juízo de FATO, está evidente que os amici curiae não têm senão interesse particular no resultado da ação.

Ihering estava certo. Não existe direito sem luta. E ocultar o interesse pessoal sob o manto de "cientista objetivo e imparcial" é uma forma muito útil de potencializar as próprias chances.

Abraços,

Josué Mastrodi