quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Valor Econômico cobre a palestra de Canotilho

Prof Farlei Martins envia a seguinte matéria do Jornal Valor Econômico




Valor Econômico, 04/11/2009
Judiciário: Constitucionalista português inspirador da Carta de 1988
questiona legitimidade da atuação da Corte

STF tem ativismo sem paralelo, diz jurista

Juliano Basile, de Brasília
04/11/2009

O jurista português José Joaquim Gomes Canotilho acredita que o Supremo
Tribunal Federal está avançando em assuntos do Legislativo e do Executivo,
num "ativismo judicial exagerado que não é compreendido na Europa". Por
outro lado, ele reconhece que, ao entrar nessas questões, o STF faz alertas
aos outros Poderes, com mensagens positivas e busca de soluções para
problemas práticos do Brasil.

Canotilho é um dos principais constitucionalistas de Portugal. Professor
Catedrático da Universidade de Coimbra, suas ideias fundamentaram a
Constituição Portuguesa de 1976 e a Carta Brasileira de 1988. Ele defendeu
que a Constituição deve ser um programa para o país. Em 1976, Portugal
necessitava de um programa, após a Revolução dos Cravos, e, em 1988, o
Brasil precisava de um para a Nova República. O problema, segundo Canotilho,
é que o nosso programa de 1988 está sendo conduzido pelo STF e ele questiona
se é função do Judiciário resolver questões como demarcações de reservas
indígenas, infidelidade de políticos aos seus partidos e uso das algemas
pela polícia.

"Meus amigos do Supremo me disseram que, quando as políticas não se movem,
eles fazem as políticas em acordo com a Constituição", afirmou Canotilho,
que é bastante conhecido pelos ministros do STF.

Na última vez em que ele esteve na sede do tribunal, em Brasília, em agosto
de 2008, mais da metade dos onze ministros da Corte pararam as suas
atividades para cumprimentá-lo no gabinete de Gilmar Mendes, de quem é
amigo. A amizade, no entanto, não impede Canotilho de questionar o papel do
Supremo. Ele fez estudos sobre decisões recentes e concluiu que o STF segue
metodologia única no mundo. Para Canotilho, o Supremo não julga partindo das
normas. O tribunal procura agir a partir de problemas concretos e tenta
encontrar soluções práticas. "Perguntei ao Gilmar se era mesmo o tribunal
que pegava um helicóptero e ia ver as terras dos índios e definir os
limites. De fato, o STF tenta captar a realidade", concluiu.

Só que esse tribunal não é compreendido na Europa, pois lá é "nonsense" (sem
sentido) tribunal definir política pública. "O STF faz coisas que nenhum
tribunal constitucional faz", disse Canotilho ao Valor. O maior exemplo,
segundo ele, são as súmulas vinculantes - orientações dadas pelo STF que
devem ser seguidas por todos os juízes do Brasil. "Eu compreendo a tentativa
de dar alguma ordem, mas o problema é que as súmulas vinculantes se
transformam em direito constitucional enquanto não são revogadas pelo
próprio tribunal. Elas não são apenas legislação. São verdadeiras normas
constitucionais." Em outras palavras, é como se o STF promovesse novas
definições para a Constituição.

Essa advertência de Canotilho ao STF aproxima-se muito de outra, feita, há
três anos, a empresários que queriam criar um movimento de revisão da
Constituição, na sede da Fiesp, na avenida Paulista. "Eles me disseram que
cada geração poderia fazer a Constituição que quiser. Então, eu perguntei a
eles: vocês têm povo para fazer a Constituição? Não havia. Era uma elite de
São Paulo."

Por outro lado, Canotilho vê um aspecto extremamente positivo no STF. Para
ele, o Supremo transforma julgamentos em alertas, "numa vigilância aos
outros poderes de que não podem ficar parados". Assim, se o Congresso não
aprova a lei de greve dos servidores públicos, e o Brasil enfrentou uma
crise sem precedentes por conta da paralisação dos controladores de voo, o
Supremo decide, por analogia, que eles terão de cumprir as regras de greve
para o setor privado. "Esse tribunal procura respostas para problemas que
não se colocam na França, ou na Alemanha, e cuja solução não é fácil."

Para Canotilho, o STF chegou a uma "solução razoável" no caso da fidelidade
partidária. O tribunal decidiu que os parlamentares podem mudar de partido,
mas perdem o mandato se trocarem de legenda na mesma legislatura em que
foram eleitos. "É a mensagem de que o parlamentar é escolhido numa lista.
Nos outros países, isso está resolvido a nível legislativo. No STF, vai ser
regulado com súmulas."

Outra decisão interessante, segundo ele, foi a que proibiu a exposição de
pessoas algemadas pela Polícia Federal. "A partir da visão de que as algemas
podem ser humilhantes para a pessoa humana se buscou a igualdade para todo o
cidadão e essa mensagem em termos da dignidade das pessoas está correta."

Apesar de incompreendido na Europa, o Supremo brasileiro é citado "como um
caso paradigmático de evolução na discussão sobre os entendimentos entre os
poderes". Neste ponto, Canotilho vê outro aspecto positivo no STF, pois o
tribunal procura entrar em sintonia com demandas da população, que não são
atendidas pelo Congresso e pelo Executivo. No caso da fidelidade partidária,
por exemplo, é difícil acreditar que os parlamentares fossem punir os seus
semelhantes por mudarem de partido. "Neste aspecto, o tribunal está adotando
uma posição de alerta, chamando a atenção dos outros poderes para que tomem
posição", afirmou Canotilho. "Mas a minha posição é a de que não são os
juízes que fazem a revolução. Nunca o fizeram. Só que eles podem pressionar
os outros poderes políticos dessa forma. E eu creio que é essa a posição do
STF."

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