quarta-feira, 18 de novembro de 2009

ADPF da ação afirmativa

Monica Re mestre em direito da Puc-rio envia a seguinte matéria e pode ser obtida a petição inicial no endereço eletrônico abaixo




PGR pede constitucionalidade de lei fluminense que institui cotas nas
universidades estaduais
18/11/2009 11h37

ADPF afirma constitucionalidade das políticas de ação afirmativa no
acesso ao ensino público superior no Brasil

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ajuizou arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF 199) no Supremo Tribunal
Federal (STF), com pedido de medida cautelar, para declarar a
constitucionalidade da Lei 5.346/08, do estado do Rio de Janeiro, que
dispõe sobre o novo sistema de cotas para ingresso nas universidades
estaduais. Caso a Corte entenda improcedente o pedido, o PGR pede que
seja invalidada decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ)
que suspendeu a eficácia da lei fluminense, proferida na Representação
por Inconstitucionalidade 09/2009.

A referida lei institui o sistema de cotas para estudantes negros e
indígenas (20%), alunos da rede pública de ensino (20%), pessoas
portadoras de deficiência e filhos de policiais civis e militares,
bombeiros e inspetores de segurança e administração penitenciária,
mortos ou incapacitados em razão do serviço (5%). A lei admite a adoção
do sistema de auto-declaração para negros e pessoas integrantes de
minorias étnicas, cabendo à universidade criar mecanismos de combate à
fraude. Também está previsto o pagamento de bolsa-auxílio durante o
período do curso universitário dos estudantes carentes destinatários
da ação afirmativa.

De acordo com a ADPF elaborada pela vice-procuradora-geral da República,
Deborah Duprat, o estado do Rio de Janeiro foi pioneiro no país na
questão de políticas de ação afirmativa no ensino público
superior,com resultados extremamente positivos, ampliando o acesso à
universidade pública de estudantes de camadas excluídas da população e
pluralizando, com isso, o corpo discente dessas instituições, sem
qualquer prejuízo para a qualidade do ensino ou para o rendimento dos
alunos.

Segundo informa, nesse período, não se percebeu no estado qualquer
agravamento de tensão ou animosidade social ou racial que possa ser
correlacionado, direta ou indiretamente, com as medidas de
democratização do ensino público superior.

Decisão estadual – Segundo explica, a lei substituiu o anterior sistema
de cotas das universidades estaduais (Lei 4.151/03) e foi impugnada no
TJ/RJ, através da Representação de Inconstitucionalidade 09/2009, que
postulou a declaração de inconstitucionalidade, em face da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro, de toda a Lei Estadual 5.346/08. Mas, de
acordo com Deborah Duprat, foram questionadas apenas as cotas étnicas,
que criaram reserva de vagas em favor de negros e indígenas. Para ela, o
autor da representação argumenta sobre normas e valores hospedados na
Constituição Federal, notadamente o princípio da isonomia, a vedação de
discriminações raciais, o acesso igualitário ao ensino e a proteção à
segurança jurídica.

Ao apreciar questão de ordem suscitada pelo estado do Rio de Janeiro, o
TJ/RJ atribuiu eficácia ex nunc (não retroativa) à medida cautelar
concedida em maio de 2009, para excluir da sua incidência o vestibular
em curso das universidades mantidas pelo estado. Com a decisão, diversas
entidades da sociedade civil e do movimento negro encaminharam à
Procuradoria Geral da República representação pedindo a propositura de
ADPF no STF, “a fim de garantir a manutenção e permanência das políticas
de ações afirmativas já adotadas e bem sucedidas pela Uerj e demais
instituições de ensino público do Brasil”.

Insegurança - Para a vice-procuradora-geral, a decisão do TJ/RJ, apesar
de ser inaplicável ao vestibular que ainda está em curso, é um
verdadeiro convite à judicialização para os candidatos que se sentirem
prejudicados com a política de ação afirmativa em discussão, pois
sinaliza que, no âmbito daquela Corte, será praticamente certo o êxito,
em eventuais impugnações aos resultados do certame. “Por outro lado,
gera grave insegurança para todo o universo de beneficiários das cotas
instituídas pelo legislador fluminense”, afirma. Ela pede a concessão de
medida cautelar para, até o julgamento definitivo da ação, sustar os
efeitos da decisão do TJ/RJ.

Deborah Duprat informa que o STF discute no momento a
constitucionalidade das políticas de ação afirmativa no campo da
educação superior em várias ações e que houve convocação de audiência
pública para discussão do tema, a ser realizada nos dias 3 a 5 de
março de 2010. Nesse quadro, para ela, nada justifica que o TJ/RJ se
antecipe à iminente decisão do STF sobre o tema, sobretudo quando se
percebe a inclinação da Corte Estadual no sentido de invalidar a decisão
do legislador fluminense, que vem se esforçando por concretizar, no
campo da educação superior, os mandamentos constitucionais de promoção
da igualdade material e do pluralismo.

Na ADPF, os argumentos no sentido da constitucionalidade da Lei 5.346/08
são os seguintes:

Igualdade – Para a autora da ADPF, o princípio da igualdade, tal como
concebido no sistema constitucional brasileiro, não só é compatível,
como, em determinadas situações, até reclama a promoção de políticas de
ação afirmativa, para superação de desigualdades profundamente
entrincheiradas nas nossas práticas sociais e instituições. De acordo
com ela, o art. 3º, inciso IV, da Constituição, ao vedar os preconceitos
de “raça, sexo, cor, idade, e outras formas de discriminação”, não pode
ser visto como um empecilho para a instituição de medidas que favoreçam
os grupos e segmentos que são costumeiramente discriminados, ainda que
tais medidas adotam como fator de desigualação qualquer destes
critérios.

Normativa internacional – Segundo a vice-procuradora-geral, o Brasil é
signatário de diversos tratados internacionais, devidamente incorporados
ao nosso ordenamento, que são expressos no reconhecimento da validade da
promoção de políticas de ação afirmativa com o objetivo de promoção da
igualdade. É o caso da Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial.

Igualdade substantiva – Outro argumento que levanta em favor da
constitucionalidade das políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino
superior é o de que se trata de promoção da igualdade substantiva,
objetivo fundamental no contexto de um Estado Social, e de uma sociedade
que se pretende justa e solidária. “As provas de vestibular favorecem
aqueles que estudaram nas melhores escolas – no Brasil, quase que
invariavelmente privadas – que são caras, e portanto, inacessíveis aos
membros dos grupos desprivilegiados, compostos majoritariamente pelos
afrodescendentes”, informa.

Outros – Deborah Duprat cita ainda como justificativas relevantes: a
promoção do pluralismo, considerando que, em um país que tem como uma
das suas maiores riquezas a diversidade étnica e cultural, é preciso que
haja um contato real e paritário entre pessoas de diferentes etnias e
egressas de variadas realidades sociais; a justiça compensatória,
sobretudo em relação aos candidatos negros e com deficiência; e a
razoabilidade na alocação dos recursos públicos, que não pode prescindir
de considerações sobre os destinatários finais dos gastos estatais, o
que justifica a busca de critérios que visem a favorecer os grupos
tradicionalmente excluídos do acesso às universidades públicas.

A ADPF refuta ainda argumentos frequentemente invocados contra as
políticas de ação afirmativa nas universidades públicas:

Meritocracia – Esclarece que o sistema meritocrático prevê que “o acesso
aos níveis mais elevados de ensino” devem se dar de acordo com a
“capacidade de cada um”. Para ela, o raciocínio só seria válido se
elementos como a pobreza, a péssima qualidade do ensino público
fundamental e médio, o preconceito e desigualdade racial e as barreiras
existentes para as pessoas com deficiência não contaminassem
profundamente os procedimentos ditos meritocráticos, como os concursos
de vestibular, desigualando as oportunidades dos concorrentes.

Melhoria no ensino fundamental – Para Deborah Duprat, o argumento de que
não caberia a doação de políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino
superior, uma vez que a solução para a inclusão no ensino estaria na
melhoria dos seus níveis inferiores, padece de vício lógico, já que as
propostas não são incompatíveis, mas antes se reforçam mutuamente.
Segundo explica, melhorar a qualidade do ensino básico não exclui a
necessidade de também atuar no âmbito do ensino superior.

Auto-declaração - A autora da ADPF defende ainda a auto-declaração como
critério de seleção dos beneficiários das cotas étnicas como fórmula
razoável, diante das alternativas existentes. “Parece inequívoco que as
classificações raciais devem incorporar a ideia de auto-declaração, seja
porque ignorar a percepção que cada um tem da própria identidade seria
uma violência, atentatória à própria dignidade da pessoa humana, seja
porque o critério encontra-se previsto no art. 1º, item 1, alínea 'a' da
Convenção 169 da OIT, em vigor no ordenamento brasileiro”, defende.

Princípio da proporcionalidade – Para ela, as cotas instituídas na Lei
5.346/08 não ofendem a nenhum dos subprincípios em que se desdobra o
princípio da proporcionalidade. Em sentido estrito, de acordo com
Deborah Duprat, cumpre atentar para o valor que tem o ingresso no ensino
superior na emancipação real dos excluídos no Brasil. “A admissão em
boas universidades talvez seja a mais importante porta de acesso a
funções socialmente relevantes, que propiciam o empoderamento das
minorias estigmatizadas e a promoção da justiça material”.

Ela considera que as restrições a outros bens jurídicos acarretadas pela
medida não são tão intensas, já que mais da metade (55%) das vagas das
universidades públicais estaduais fluminenses permanece aberta à disputa
em igualdade formal de condições. “E os percentuais das cotas não são
tão elevados, considerando-se o quadro empírico subjacente”, conclui.

O relator da ação no STF é o ministro Cezar Peluso.

A integra da inicial está em :

http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/pdfs/ADPF%20-%20lei%20fluminense.pdf

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