Valor Econômico
Juliano Basile, de Salvador
25/11/2009
Roberto Gurgel, procurador-geral da República: "A lei atual favorece um número de recursos excessivo e exagerado"
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, acredita que, sem o poder de conduzir investigações, o Ministério Público se tornará uma instituição capenga.
O debate sobre esse poder, disputado pela Polícia Federal, está sendo travado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) numa ação de grandes proporções políticas: um habeas corpus de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, no caso do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, ocorrido em janeiro de 2002.
O habeas foi impetrado pela defesa de Sombra porque, após a polícia concluir que foi crime comum (sequestro seguido de morte), promotores complementaram as investigações para identificar possível crime político (um eventual envolvimento de Sombra num esquema de corrupção na prefeitura).
Esse processo acabou se tornando chave para o MP, pois definirá se procuradores e promotores podem auxiliar o trabalho de produção de provas da polícia. O assunto é polêmico, pois a PF defende que cabe a si o papel de produzir provas em investigações, enquanto ao MP seria dada a tarefa de fazer as ações penais.
Já Gurgel defende uma complementaridade entre o trabalho da PF e do MP. "A parceria entre ambos é absolutamente essencial para o sucesso da ação penal", afirmou.
Conhecido na sede do MP como Jô Soares, por causa de sua semelhança física com o famoso comediante, o novo procurador-geral costuma fazer defesas polidas no STF. É extremamente discreto e evita entrar em polêmicas com os ministros. Por outro lado, procura sempre enfatizar aos procuradores que a sua cordialidade não deve ser vista como falta de firmeza. Um exemplo dessa atuação é a defesa que ele faz para que os agentes políticos possam ser réus em ações de improbidade. Esse é mais um tema polêmico que será decidido pelo STF e nele Gurgel tem uma posição dura. Para o procurador-geral, se o STF retirar os políticos do rol de processados por improbidade, "haverá um desastre de impunidade no país", pois muitas ações serão extintas.
O procurador-geral também pede ao Supremo que não seja excessivamente garantista. O risco, em sua avaliação, é que, para proteger os direitos de defesa dos acusados, o STF acabe inviabilizando as ações penais.
Ainda com relação ao STF, Gurgel adotou posição antiativista no julgamento de Cesare Battisti. No início, ele foi favorável à extradição por entender que os crimes do italiano eram comuns, e não políticos. Com a concessão do refúgio, ele passou a defender a permanência do italiano no Brasil, alegando que o tribunal não poderia rever a posição do Executivo. Mas, quando o STF derrubou o refúgio dado a Battisti, ele passou a defender que a última palavra fosse do presidente, e não do tribunal. Essa posição acabou prevalecendo num julgamento em que o procurador-geral foi o único a não entrar em discussões ríspidas na Corte, o que não significa que ele estivesse ausente.
Gurgel relaciona-se muito bem com os ministros do Supremo e segue à risca o estilo de seu antecessor no cargo, o procurador Antonio Fernando de Souza, que é bastante tímido e quieto, mas foi responsável pela ação mais forte do MP nos últimos anos, a denúncia do mensalão. Avesso a entrevistas, o chefe do MP conversou com o Valor ao fim do encontro da Estratégia Nacional de Combate ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), que reuniu mais de 70 órgãos públicos, em Salvador.
Valor: A discussão no STF sobre o poder de o Ministério Público investigar é, hoje, a mais importante para a instituição?
Roberto Gurgel: O poder investigativo é absolutamente necessário para que se tenha um Ministério Público efetivo. Sem ele, o MP se torna uma instituição capenga. É uma questão de fundamental importância para nós. O poder investigativo já foi reconhecido pelo STF nos crimes envolvendo policiais. É por esse motivo que afirmamos que o Supremo tem reconhecido essa nossa competência.
Valor: Mas a Polícia Federal defende para si a competência para a investigação de crimes. Há um conflito com a PF?
Gurgel: O MP só deverá investigar nas hipóteses em que a polícia não tem as melhores condições para fazê-lo. Há hipóteses em que policiais estão envolvidos e são alvos de investigações. Nesses casos, o MP deve fazer a investigação. Mas é importante que o poder investigativo chegue para outras hipóteses. Um exemplo está nos casos em que estão envolvidas autoridades com foro privilegiado. São pessoas que teriam condições de criar embaraços para as investigações. Então, nós temos de verificar caso a caso.
Valor: Qual a melhor solução para esse debate? Qual seria o papel do MP e qual o da PF?
Gurgel: O MP não pretende substituir a polícia na atividade investigatória. Nas conversas com a PF, buscamos pontos de convergência. A parceria entre o MP e a PF é absolutamente essencial para o sucesso da ação penal. O relacionamento com a direção da PF foi bom em outras gestões e continua excelente. Temos pontos em comum a respeito da maioria das questões.
Valor: O senhor entende que o STF tem sido excessivamente garantista em suas decisões e que isso tem dificultado a realização de investigações de organizações criminosas?
Gurgel: Eu acho que nós temos de ter a imensa preocupação em assegurar os direitos do acusado. Mas deve haver igual preocupação com a tutela penal efetiva. Ela é imprescindível. O que é preciso é chegar a uma justa medida. As garantias (de direitos aos acusados) devem ser seguidas, mas a ação penal também deve ser garantida.
Valor: É preciso mudar a legislação penal para reduzir a quantidade de recursos que permite que um processo criminal jamais chegue ao fim?
Gurgel: A legislação atual favorece um número de recursos excessivo e exagerado. Isso precisa ser mudado. O processo penal deve assegurar todos os direitos fundamentais, mas deve também ser concluído em tempo hábil.
Valor: Como o senhor vê o debate, no STF, a respeito de os agentes políticos serem submetidos a ações de improbidade administrativa?
Gurgel: Essa é uma questão em aberto no Supremo. Não há decisão final a esse respeito. Os agentes políticos devem sim estar submetidos à Lei de Improbidade e não a crime de responsabilidade. Se eles forem acionados por crime de responsabilidade, só vão responder à ação enquanto estiverem no exercício do cargo. Essa tese é de extrema gravidade, pois, se for observada, resultará em impunidade. Fizemos um levantamento e descobrimos que 60% dessas ações são ajuizadas depois que eles deixam o cargo.
Valor: O senhor está dizendo que, se o STF livrar os políticos da Lei de Improbidade, as ações contra eles podem simplesmente ser extintas?
Gurgel: Se esse entendimento for consagrado - de que não cabe aos agentes públicos responder por improbidade, mas por crime de responsabilidade -, eles ficariam ser qualquer tipo de punição. Seria absolutamente desastroso. E é na ação de improbidade que se consegue de volta os bens desviados e se pode impedir que o agente político continue exercendo a função pública. A ação de improbidade é o grande temor dos prefeitos, pois os tira do cargo e indispõe seus bens.
Valor: O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) está aquém do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde há mais decisões disciplinares contra juízes e mais ações de planejamento do Judiciário?
Gurgel: Acompanho o CNMP desde a sua instalação e acho injusto que se diga que os conselheiros não desempenharam adequadamente as funções do órgão. No início, houve ausência de estrutura administrativa e falta de um orçamento mínimo se comparado com o CNJ. Mas houve também ações disciplinares importantes, como, por exemplo, no MP do Amazonas. Durante as eleições para a Procuradoria de lá, houve até a contratação de pistoleiros e o CNMP, na sua primeira composição já atuou em cima de casos como esse. Agora, continua cumprindo as suas funções e temos melhores condições de estimular uma atuação mais intensa não apenas em ações disciplinares, mas também no planejamento institucional do MP.
Valor: Como será feito esse planejamento?
Gurgel: O importante é fazermos um diagnóstico do MP em termos nacionais e a partir dele vamos definir ações para que tenhamos um MP atuante em todas as regiões do país. Reconheço que há Estados em que o MP não possui estrutura mínima e outros em que é muito eficiente.
Valor: O que o senhor achou da decisão do STF sobre a extradição do italiano Cesare Battisti?
Gurgel: A posição da procuradoria era a de que não se tratava de crime político, mas de crime comum. Éramos a favor da extradição, mas sobreveio o refúgio e, por esse motivo, entendemos que o STF não deveria revê-lo. Só que o Supremo decidiu o contrário, então, defendemos que a palavra final sobre a extradição deve ser do Poder Executivo. Ao final, acabou prevalecendo esse entendimento que defendemos de que não caberia ao STF impor uma decisão de caráter político ao presidente da República.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário