Matéria enviada pela mestre em Direito da Puc-rio e integrante do OJB/UFRJ Monica Re
O Estado de São Paulo,Domingo, 22 de Novembro de 2009
Caso Battisti expõe crise no STF
Relações entre os ministros beiram o vale-tudo, seja nos julgamentos em
plenário ou no trato do dia a dia
Felipe Recondo e Mariângela Gallucci
O clima de guerra que se instalou no Supremo Tribunal Federal (STF) nas
últimas semanas, especialmente por causa do processo da extradição do
ativista italiano Cesare Battisti, mostra que as relações entre os
ministros beiram o vale-tudo - seja nos julgamentos em plenário ou no
trato do dia a dia. Em conversas reservadas, há ministros que até xingam
colegas por desavenças ocorridas durante os julgamentos.
Recentemente, ao comentar o caso Battisti, um deles questionou se o
autor de determinado voto chegaria ao STF se tivesse de se submeter a
exame prévio de sanidade mental. Outro, chamado de "burro" por um de
seus pares numa conversa reservada, acusou um terceiro de ser "menino de
recado" do presidente do Supremo, Gilmar Mendes.
Esses ataques pessoais e o clima de desconfiança geral nem sempre ficam
nos bastidores do tribunal. No recém-concluído caso Battisti, o ministro
Eros Grau afirmou que colegas abandonavam a razão para julgar o processo
com paixão. "Parece que não há condições no tribunal de um ouvir o
outro, dada a paixão que tem presidido o julgamento deste caso", afirmou
ele, depois de várias tentativas frustradas de explicar seu voto durante
a sessão.
A paixão que Eros Grau disse ter dominado o julgamento pode, de acordo
com alguns ministros, ser a explicação para fatos estranhos que rondaram
o processo. Um deles se refere às divergências entre a ata publicada e o
resultado proclamado na primeira sessão de julgamento. A resistência de
ministros em aceitar que a maioria do tribunal dava ao presidente da
República a última palavra no caso da extradição de Battisti foi
outra demonstração de que essa guerra extravasa os bastidores.
BATE-BOCA
Em outros casos julgados no ano passado e neste ano, as desavenças se
tornaram elementos dos processos, como o bate-boca entre Marco Aurélio
Mello e Carlos Ayres Britto no julgamento do processo de demarcação da
terra indígena Raposa Serra do Sol. Ou da briga entre o presidente do
STF e o ministro Joaquim Barbosa, quando discutiam uma lei de Minas
Gerais que tratava de servidores públicos, caso que não prometia grandes
polêmicas.
"Vossa Excelência não está na rua, não. Vossa Excelência está na mídia,
destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro", afirmou Barbosa
naquele julgamento, em abril deste ano. "Vossa Excelência quando se
dirige a mim, não está falando com os seus capangas de Mato Grosso,
ministro Gilmar. Respeite."
O confronto ríspido tem se tornado habitual na corte. Para alguns
ministros, não basta divergir do voto do colega, é preciso atacá-lo.
"Respeite meu voto. Não acho que seja adequado criticar o voto alheio.
Vossa Excelência classificou meu voto de periférico, como se eu tivesse
aqui delirado", reagiu Marco Aurélio, em referência às intervenções de
Ayres Britto durante o julgamento da Raposa Serra do Sol.
TESES
A resistência ao argumento alheio se evidenciou no julgamento do caso
Battisti, quando Gilmar Mendes demorou a proclamar o resultado, depois
que sua tese sobre a obrigação de o presidente da República seguir a
decisão do Supremo foi derrotada. Ou quando Cezar Peluso, relator do
processo, se recusou a redigir o acórdão sozinho, ao se dizer incapaz
"intelectualmente" de relatar a tese contrária ao seu entendimento.
"Olha, eu não fui incapaz intelectualmente de entender o voto dele",
reagiu Ayres Britto. O ministro concordou duas vezes, no julgamento de
Battisti, com a tese de Peluso. Na última votação, divergiu, votou por
deixar a última palavra sobre a extradição ou não do ativista com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Isso é incompreensível?
Incompreensível como? Eu estou falando grego?"
"ESTICA E PUXA"
Sinal desse jogo de "estica e puxa", como definiu o próprio Ayres Britto
durante o julgamento da demarcação da Raposa Serra do Sol, são as
pressões nos bastidores por mudança de votos, especialmente em casos
polêmicos. Nesses processos, um voto alterado muda por completo o
destino de um investigado. A denúncia contra o deputado Antonio Palocci
(PT-SP) no processo de violação do sigilo bancário do caseiro
Francenildo dos Santos Costa, por exemplo, foi rejeitada por 5 votos a
4. Mesmo placar das três votações do caso Battisti - ao julgar ilegal o
refúgio, ao autorizar a extradição e ao garantir a Lula a última palavra
no processo.
De acordo com ministros, essa projeção que deu um placar apertado na
análise do caso Battisti foi a razão de tantas acusações dentro do
Supremo de que Ayres Britto estaria sofrendo pressão para mudar seu
voto. Acusações que forçaram o ministro, dos mais calmos da atual
composição, a elevar o tom. "Eu sou imune a pressão. Quem se meter a me
pressionar está perdendo seu tempo. Venha de onde vier esse tipo de
pressão", afirmou. "Estou me lixando para os que pensam que me dobram."
domingo, 22 de novembro de 2009
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