segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Ayres Britto e o caso Battisti

Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

FSP de 23 de novembro de 2009

STF não é tutor do presidente, diz Ayres Britto
Se Lula não extraditar Battisti, "não cabem reclamações ao Supremo", afirma ministro autor de voto polêmico no caso do italiano

Ayres Britto afirma que corte tomou decisão unânime em caso semelhante há dois meses, dando ao presidente palavra final sobre extradição

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Autor do voto mais polêmico durante o processo sobre a extradição do italiano Cesare Battisti, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto nega ter se decidido apenas agora sobre o tema. Ele foi a favor da extradição, mas também de dar o poder final ao presidente da República. Ayres Britto mostra um caso concreto, há dois meses, envolvendo um israelense, para justificar seu posicionamento. Agora, se Lula se decidir por não devolver Battisti à Itália, diz ele, o STF não terá mais o que fazer. "O STF não é tutor do presidente no plano das relações internacionais."



FOLHA - O seu voto foi único no caso Battisti: a favor da extradição, mas dando ao presidente a palavra final. Alguns críticos acham que o STF perdeu tempo. O sr. concorda?
CARLOS AYRES BRITTO - Não. É uma interpretação equivocada. No nosso sistema, de influência belga, não entramos no mérito da condenação. Apenas analisamos as condições do extraditando ser extraditado. Cabe ao presidente o poder discricionário de extraditar.

FOLHA - Críticos acham que esse conceito algo novo. É fato?
AYRES BRITTO - Há dois meses nós julgamos um caso sobre a extradição de um israelense. A decisão foi unânime a favor da extradição. Eu fui o relator. As notas da sessão mostram como tudo o que se fala agora já estava expresso lá. O ministro Marco Aurélio, à época, perguntou se a decisão resultaria no "pedido de imediata entrega formulado pelo governo requerente". Eu respondo claramente que "imediata entrega, não; imediato cumprimento do acórdão". Como você pode observar nessas transcrições [mostra o documento], o ministro Eros Grau diz claramente: "A execução compete ao presidente".

FOLHA - Mas nesse caso não havia celeuma e Lula estava disposto a seguir a recomendação de extraditar...
AYRES BRITTO - Mas essa é a competência do presidente.

FOLHA - A Itália deve reclamar da decisão do STF?
AYRES BRITTO - A Itália está soltando foguetes com a nossa decisão. Não reclamou porque lá é assim também, como na França, Bélgica, Espanha e Suíça.

FOLHA - Ao final do julgamento, o presidente do STF, Gilmar Mendes, teve um entendimento diverso sobre o poder discricionário do presidente da República em casos de extradição. Houve uma confusão?
AYRES BRITTO - O ministro Gilmar, e também os ministros [Cezar] Peluso, [Ricardo] Lewandowski e Ellen Gracie discordaram dessa interpretação. Mas foi a primeira vez que disseram isso. Achavam que o STF deveria dar a palavra final para que a corte não se transformasse em um órgão de consulta.

FOLHA - E não foi o que acabou acontecendo?
AYRES BRITTO - Não. O STF tem poder para proibir a extradição. E quando a extradição é possível, a última palavra é do presidente condicionadamente à palavra do STF de que isso é certo.

FOLHA - Por que então Mendes não entendeu dessa forma ao final, mesmo após os votos proferidos?
AYRES BRITTO - Talvez por causa do voto de Eros Grau. Ele leu um trecho do tratado entre Brasil e Itália sobre o tema, onde se fala que por "ponderáveis razões" as partes poderiam negar a entregar do extraditando.

FOLHA - O que acontece se com a eventual recusa de extradição?
AYRES BRITTO - Se o presidente entender que há "ponderáveis razões" para não haver a extradição, ele não entrega. E não cabem reclamações ao STF. O Supremo não é tutor do presidente no plano das relações internacionais. O presidente responde pelos seus atos perante a comunidade internacional, perante o Estado que foi parte no tratado, e, no limite, perante o Congresso. O STF está fora.

FOLHA - Nos dias que precederam o julgamento houve informação nos bastidores sobre influência que o sr. poderia ter sofrido do governo e do advogado Celso Bandeira de Mello, seu amigo. O que aconteceu?
AYRES BRITTO - Se eu tiver de sofrer uma influência mais forte é muito mais da choupana do que do palácio. Bandeira de Mello defendeu que era crime político e eu votei contra.

FOLHA - E o Planalto?
AYRES BRITTO - [rindo] E a minha decisão foi boa para o Planalto? Todos falam que Lula ficou em uma sinuca de bico.

FOLHA - Não haverá uma crise entre Executivo e Judiciário se o presidente se decidir por não extraditar, até porque será algo inédito?
AYRES BRITTO - Será inédito, mas não será ilegal, não será inconstitucional. Não creio em crise.

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