quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Tratado e extradição de Battisti

Folha de São Paulo, quinta-feira, 19 de novembro de 2009




Tratado já dá a Lula poder de negar extradição
Pelo acordo assinado com a Itália em 1989, presidente pode alegar que ex-terrorista corre o risco de sofrer "perseguição política"

Decisão do STF representa derrota do presidente do tribunal; para ministra Ellen Gracie, medida cria constrangimento a Lula



O tratado de extradição entre Brasil e Itália permite ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva negar a entrega do ex-terrorista italiano Cesare Battisti ao seu país de origem, mas para isso deverá dizer que ele poderá correr o risco de ser submetido a "atos de perseguição e discriminação por motivo de opinião política". O tratado foi assinado em Roma em 1989 e ratificado pelo Congresso em 1993.
O entendimento representa uma derrota do relator do caso, ministro Cezar Peluso, do presidente do tribunal, Gilmar Mendes, e de Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie, para os quais o tratado obrigaria Lula a respeitar a decisão do STF. Eles argumentaram que nunca na história do Brasil um presidente da República deixou de extraditar alguém após decisão neste sentido do Supremo Tribunal Federal.
"É criar uma polêmica onde ela não há. O que se procura agora é criar uma situação de constrangimento de ordem política ao presidente da República", afirmou Ellen Gracie, durante o julgamento. "Não há espaço, pós-decisão, para a escolha quanto a sua observação, até porque o Supremo não é órgão de consulta", tentou argumentar Mendes. "A Suprema Corte se ocupa de um tema para depois dizer não, nós estávamos brincando, se trata de um rematado absurdo", completou Cezar Peluso.
Por 5 votos a 4, porém, o STF afirmou que cabe a Lula a decisão final do caso. Como existe um tratado bilateral sobre processo de extradição assinado com a Itália ele deverá ser observado, segundo afirmaram alguns ministros ontem. Esse tratado afirma que o presidente pode "recusar" a entrega de um extraditando, mas essa recusa deve ser "motivada", ou seja, justificada.
Em seu artigo 3º, o tratado aponta sete opções para "casos de recusa de extradição". Apenas uma delas cabe ao caso de Cesare Battisti, que diz: "se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados".

Divergência
A discussão sobre o tema esquentou ao final da sessão de ontem, que terminou depois das 20h. Os ministros que optaram por deixar o presidente Lula livre para decidir foram Cármen Lúcia, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello. Eles argumentaram que a competência de manter as relações internacionais entre os países, segundo a Constituição Federal, é do presidente da República e não do STF e por isso, Lula pode fazer o que bem entender, até mesmo desrespeitar o tratado. A discussão ocorreu porque os ministros vencidos argumentaram que o Supremo deveria já na decisão de ontem afirmar que Lula precisa necessariamente cumprir o tratado e as leis que tratam sobre o tema.
Os cinco ministros que saíram vencedores, porém, argumentavam que não cabe ao tribunal dizer isso neste momento a Lula e que, se ele quiser não respeitar o que diz o documento internacional, podeRÁ até faze-lo, arcando com as consequências disso. "Eu não posso prever se o presidente vai ou não vai cumprir o tratado, porque isso não está em jogo", afirmou Eros Grau. "O que estamos dizendo é que Lula não precisa seguir o que disse o Supremo", disse Marco Aurélio Mello. (FELIPE SELIGMAN E ANDRÉA MICHAEL)

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