Conjur 19 de outubro de 2009
Defensores públicos e promotores se reuniram na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para debater o maior ponto de conflito entre os órgãos: até onde vai a competência de um e onde começa a do outro. Depois de ver legitimado seu direito de ajuizar Ação Civil Pública, até então prerrogativa apenas do MP, a Defensoria agora briga para poder defender os interesses coletivos dos presos.
O Projeto de Lei Complementar 43/09 modifica a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) para ampliar a competência da Defensoria. Enquanto defensores afirmam que a mudança é necessária para que eles possam melhor defender os interesses dos presos e evitar situações como as encontradas pelos mutirões carcerários do Conselho Nacional de Justiça, o MP defende que a competência é exclusiva sua. À Defensoria cabe cuidar individualmente do processo de cada preso sem recursos para pagar um advogado, diz.
Balanço recente dos mutirões carcerários do CNJ, que já aconteceram em 15 estados, mostra que, dos 67 mil processos de execução analisados no país, em 20 mil deles o preso tinha direito a algum benefício. Estudo recente do Ministério da Justiça, no II Diagnóstico da Defensoria, aponta que mais da metade do efetivo da instituição está na área civil. Enquanto isso, a área criminal está carente de defensores. Em 2007, a Lei 11.448/07 deu legitimidade à Defensoria para propor Ação Civil Pública. A lei, no entanto, não terminou com a discussão. O MP ainda reclama que a atribuição é sua, não dos defensores.
O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Consenzo, afirma que o MP sempre deu apoio ao aperfeiçoamento da Defensoria, mas critica a forma de o Estado conduzir as duas instituições. Segundo Consenzo, não é coerente utilizar dois órgãos para o mesmo papel. “A Defensoria busca estruturação e o que queremos, apenas, é que ela cumpra com o seu papel constitucional: atender pessoas reconhecidamente carentes e não as que presumirem ser carentes”, disse.
Consenzo ressalta que a Defensoria atua em causas que não são do interesse do Estado, como nas Ações Civis Públicas para interesses difusos, que segundo ele, é papel do MP. “Eles [defensores] estão abandonando claramente a vocação da instituição. Os carentes que precisam ser atendidos por ela deverão pegar senha como numa fila para o INNS?" O presidente da Conamp citou um exemplo em que, para ele, a Defensoria extrapolou a sua função. A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul recorreu ao Supremo Tribunal Federal pedindo a liberdade de todos os presos que cumprem pena no estado pelo crime de porte de arma de fogo, previsto no artigo 12 da Lei 10.826/03, por conta da prorrogação da campanha do desarmamento. O pedido foi arquivado.
Para Consenzo, o pedido era inviável, já que não é possível saber dentre os presos quem pode ou quem não pode pagar pela própria defesa. “Muitas vezes buscam pessoas que podem contratar advogados e isso será um perigo de amanhã, pois os as pessoas carentes não podem ficar à mercê de ser escolhido ou não”, acrescentou. Pesquisa do Ministério da Justiça aponta que, no Brasil, cerca de dois terços da população brasileira não têm condições de pagar advogados e que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é maior onde existe uma Defensoria Pública atuante e estruturada.
A opinião de Consenzo é fortemente rebatida pelo defensor público-geral federal, José Rômulo Plácido Sales. Para ele, o discurso do Ministério Público é falacioso. A Defensoria tem legitimidade para atuar em tutela coletiva, diz. “Não é por isso, também, que deixaremos de patrocinar a defesa dos mais carentes.”
Sales reclama que o MP quer ter o monopólio das ações coletivas e não se conforma em perder a exclusividade. Ele explica que as ações coletivas são extremamente eficazes e que nada impede a instituição de usar esse instrumento. O defensor ainda rebateu a crítica sobre a ação proposta no Rio Grande do Sul. O trabalho da instituição não pode ser manchado se, no meio de 99 presos, estiver um que pode pagar advogado particular. “Deixar de propor ação por conta desse pensamento é querer assoberbar ainda mais o Judiciário.”
Plácido Sales reclama que, no âmbito federal, não foram dadas condições à Defensoria para ocupar todos os espaços. Recentemente, foram criadas 230 varas federais e não se preocupou com acesso do mais pobre à Justiça, diz, já que não houve aumento no quadro da Defensoria da União. “Assim, a Justiça vai ficar só para a elite”, diz. E completa: O Estado não dá condição para a Defensoria atuar na área penal.
De acordo com ele, nunca foi prioridade no país fortalecer a Defensoria. O MP deveria, de fato, embarcar nessa luta para ajudar a instituição a se consolidar, diz. Sales lembra que, em Santana Catarina, a Defensoria sequer foi criada. “Lá no estado, não tem Defensoria e o MP não se preocupa com isso, mas sim com a legitimidade dada à Defensoria para propor ações de massa. Essa crítica do MP é de fundo corporativista.”
Carência comprovada
A OAB não toma partida na briga por competência entre Defensoria e MP. Mas o presidente da Ordem, Cezar Britto, observa que o que não pode acontecer é a Defensoria Pública ser remunerada pelo Estado para cuidar do carente e desviar o seu foco para atender aquele que tem condições de patrocinar sua defesa. “Eu entendo que, se isso acontecer, é desvio de conduta, pois há um desvio do sentido constitucional da atividade pública.”
André Luis Melo, promotor de Justiça em Minas Gerais, conta que na Europa e nos Estados Unidos o reconhecimento da carência para fazer jus ao advogado gratuito é bem regulamentado. Aqui, não. "Ninguém sabe quem é este pobre." Ele critica a atuação da Defensoria ao representar os familiares das vítimas no acidente da TAM, em julho de 1997. "Essa atuação da Defensoria chegou a ganhar o Prêmio Innovare, mas acho que isto não deveria ser atribuição da Defensoria, que acaba atendendo pessoas que podem pagar advogado.”
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
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