domingo, 5 de outubro de 2008

Vinte anos de vigência da CF. de 1988

A Folha de São Paulo de 05 de outubro, no dia da promulgação da CF. de 1988, traça um balanço de seus vinte anos de vigência
Carta resistiu a 62 emendas e à pressão por reformas
Mudanças deixaram de ser prioridade nas agendas do governo e da oposiçãoA trégua reformista coincide com a combinação, inédita desde a sua promulgação, de crescimento da economia e de estabilidade política.
Dez anos atrás, o texto original da Constituição brasileira parecia precocemente destinado aos museus legislativos. Naquele 1998, foram aprovadas reformas na Previdência Social e na administração pública, com a antes impensável quebra da estabilidade dos servidores; reformas tributária, trabalhista e política estavam na fila; a telefonia já não era monopólio estatal e passava pela maior privatização da história do país.Hoje, quando completa 20 anos, a Constituição sobrevive sob uma trégua inédita -e não apenas porque neste ano nem sequer uma proposta de emenda foi aprovada até agora pelo Congresso. Mais importante, as reformas deixaram de ser a prioridade das agendas do governo e da oposição; a mais recente, no Judiciário, ocorreu em 2004; a tributária, a trabalhista e a política continuam na fila, sob descrédito geral.Nos últimos anos, as emendas se tornaram menos ambiciosas e mais fiéis ao espírito do texto original, que compreende uma seguridade social de ambições suecas, relações trabalhistas mediadas pelo Estado nos moldes do fascismo italiano, uma mistura de presidencialismo americano com parlamentarismo europeu, populismo, corporativismo e clientelismo conforme as tradições locais.Em 2005, por exemplo, foi revista a reforma previdenciária promovida pelo governo Lula, e direitos antes qualificados como privilégios indevidos foram restabelecidos. No ano seguinte, foi abortado um princípio de reforma política originado no Judiciário, que tentava disciplinar as coligações eleitorais. No ano passado, foi elevado o repasse obrigatório de verbas federais aos municípios.BonançaA trégua reformista coincide com uma combinação, também inédita desde 1988, de estabilidade política e vitalidade econômica. Ainda que resultado de um já encerrado ciclo de prosperidade global, a bonança doméstica tornou menos custosas as metas dos constituintes e enfraqueceu a agenda liberal: tornou-se improdutivo politicamente insistir em emendas polêmicas ou impopulares que já não parecem tão urgentes.A última eleição presidencial explicitou o abandono do discurso reformista que marcou os dois governos de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro de Lula. Tucanos e petistas renegaram publicamente todas as propostas de controle dos gastos sociais e flexibilização das relações trabalhistas que estudavam até as vésperas da campanha como forma de estimular a economia. No ano seguinte, o vitorioso Lula só se empenhou na emenda que prorrogava a CPMF. Perdeu.Ainda há centenas de propostas de reforma em tramitação no Congresso, algumas delas com o carimbo do Planalto, mas nenhuma com chances visíveis de reunir o apoio necessário. Mesmo o projeto de reforma tributária apresentado neste ano foi logo trocado por uma tentativa pouco convincente de ressuscitar a CPMF sem emenda constitucional."Ingovernável"Por fugaz que possa ser, o bom momento econômico e sua contribuição à popularidade de Lula dão argumentos aos críticos da tese, resumida há 20 anos pela declaração do então presidente José Sarney, de que a Constituição havia tornado o país "ingovernável". "Isso não faz o menor sentido. O país está sendo governado e bem governado. Temos uma boa Constituição, democrática e moderna, capaz de enfrentar os problemas da atualidade", diz o tucano Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda de Sarney e um dos pais da reforma administrativa de FHC.Essa governabilidade, porém, é acompanhada de uma série de artifícios e improvisos. Desde 1995 está em vigor uma regra de caráter transitório que permite ao governo não cumprir integralmente os gastos sociais obrigatórios pela Constituição. Na área política, as regras constitucionais costumam ser responsabilizadas pela distribuição de cargos e verbas -fora expedientes mais heterodoxos- à qual os governos recorrem para manter coesa sua base partidária."O preço de governar o país com a atual Constituição é alto demais", reafirma Sarney, senador pelo PMDB do Amapá. "E em vez de retirarmos matéria da Constituição, colocamos mais", acrescenta, em referência às 62 emendas aprovadas.Para Bresser, a defesa da Constituição não significa a rejeição a alterações: "Constituição não deve ser tabu como nos Estados Unidos. Constituições modernas são mais detalhistas e é natural emendá-las com freqüência". Ele avalia que houve, de fato, abusos "populistas" no texto, como nas aposentadorias dos servidores públicos.O mais urgentePara o cientista político Carlos Ranulfo, da Universidade Federal de Minas Gerais, as reformas mais urgentes já foram feitas: "No início dos governos de FHC e Lula a necessidade de reformas era imperiosa, muito mais do que agora". O ministro Nelson Jobim (Defesa), ex-constituinte e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, concorda: "As outras [reformas] são circunstanciais".No início da administração tucana, quando o pensamento neoliberal vivia seu auge no país, foram quebrados os monopólios estatais em áreas como petróleo e telecomunicações, além de eliminadas barreiras contra a atuação de empresas estrangeiras no país.Lula, ao assumir o governo, surpreendeu com a retomada da agenda de reformas, começando pela mais impopular, a previdenciária -que, como na gestão tucana, ficou inacabada."A pressão por reformas é cíclica. A da Previdência logo logo vai voltar", diz Ranulfo. Enquanto não volta, Lula tratou do tema, em seu segundo mandato, à moda petista: um longo fórum de discussões.

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